Tarcísio privatizou Sabesp com discurso de saneamento, mas defende despejo de esgoto no Tietê

Foto: Reprodução/TV Globo

Segundo governador privatista, lançamento de 216 milhões de litros de esgoto bruto no Rio foi um “efeito colateral”

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) confirmou que esgoto bruto foi despejado diretamente no rio pela Sabesp, com o aval do governo estadual, e classificou a ação como um “efeito colateral horrível, mas necessário”. A manobra emergencial, realizada entre as pistas da Marginal Tietê na última sexta-feira (27), teve como justificativa a necessidade de reparos em uma tubulação rompida a 18 metros de profundidade.

“Foi uma manobra para garantir a segurança dos trabalhadores que precisavam acessar e fazer o reparo, senão poderíamos ter uma consequência dramática”, afirmou Tarcísio durante um evento em Americana. Ele reforçou: “É óbvio que é algo que precisa ser feito com a maior brevidade. É um efeito colateral horrível, mas que está se procurando resolver”.

Segundo a Sabesp, que foi privatizada por Tarcísio em 2024, a medida foi necessária para esvaziar um interceptor — canalização de grande porte com mais de três metros de diâmetro — responsável por transportar o esgoto de diversos bairros da zona norte da capital (como Vila Maria, Santana, Mandaqui, Tremembé, Freguesia do Ó e Brasilândia) até a estação de tratamento em Barueri. Com o rompimento da estrutura, o fluxo foi interrompido e a solução adotada foi o bombeamento dos dejetos para o Córrego Mandaqui, que deságua a poucos metros no Rio Tietê.

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), responsável pelo monitoramento ambiental, disse que não foi avisada previamente sobre o despejo de esgoto — apenas da existência de obras emergenciais. Após vistoria realizada na sexta-feira, o órgão identificou o lançamento e notificou a Sabesp, dando à companhia um prazo de 72 horas para apresentar alternativas técnicas à operação. Uma nova vistoria está prevista.

Segundo o engenheiro Amauri Pollachi, que trabalhou por três décadas na própria Sabesp, o volume de esgoto lançado no rio chega a impressionantes 216 milhões de litros por dia, o equivalente a 86 piscinas olímpicas. “É esgoto puro, que está sendo retirado da tubulação que rompeu. E é uma quantidade enorme: algo equivalente a 86 piscinas olímpicas por dia. Dá para ver claramente uma mancha entrando no rio. Isso pode ser caracterizado como crime ambiental”, alertou Pollachi.

Para o engenheiro, a decisão da companhia — respaldada pelo governo — foi precipitada e tecnicamente evitável. “Seria viável que a Sabesp fizesse uma tubulação em paralelo para eliminar essa que está colapsada e instalar uma nova tubulação”, sugeriu.

A Sabesp, por sua vez, reiterou em nota que “para realizar o diagnóstico e reparo da rede subterrânea na Marginal Tietê, profissionais precisarão entrar na tubulação. Para que isso seja feito com total segurança, foi preciso direcionar o fluxo de esgoto para outras estruturas, a fim de esvaziar a tubulação naquele trecho. Essa é a única alternativa técnica viável para a execução das obras no local”.

O problema, no entanto, não é novo. A mesma área já havia sofrido com um colapso estrutural em abril deste ano, quando uma cratera se abriu na Marginal Tietê, a 400 metros da Ponte Atílio Fontana, bloqueando a saída para a Rodovia dos Bandeirantes. À época, a Sabesp atribuiu o incidente a falhas em uma tampa da rede de esgoto agravadas pelas chuvas e pela instabilidade do solo. Mesmo após reparos, a estrutura voltou a ceder, revelando fragilidade crônica da rede de saneamento na região.

Para Cesar Pegoraro, educador ambiental e mobilizador da ONG SOS Mata Atlântica, o lançamento de esgoto no Tietê compromete décadas de esforços de despoluição. “A gente entende que foi um acidente, uma operação, contudo há uma perda bastante expressiva em todo um trabalho feito em prol da despoluição do Rio Tietê que já tem mais de três décadas”, afirmou. Segundo ele, a consequência imediata do despejo é o aumento da matéria orgânica na água, o que desencadeia reações químicas e biológicas que degradam rapidamente a qualidade do rio.

“A gente passa a ter uma ação das bactérias que vão fazer o consumo dessa matéria orgânica. Esse consumo vai gerar gás metano, ou seja, o rio vai perder a sua cor. Vai ficar escurecido, começar a fermentar, produzir gases e ficar com coloração ruim”, explicou Pegoraro.

Apesar da gravidade ambiental, o governo estadual insiste na narrativa de que não havia outra saída, tratando a poluição como um custo necessário para garantir a segurança da obra. Especialistas, no entanto, apontam que a decisão revela despreparo técnico, falta de planejamento e negligência ambiental por parte da gestão pública — além de uma preocupante tentativa de normalizar ações que ferem frontalmente a legislação ambiental.

O Rio Tietê, que há décadas é foco de campanhas de revitalização, vê mais um retrocesso em sua longa e sofrida trajetória. A falta de transparência, o desprezo técnico por soluções menos danosas e a banalização do dano ambiental tornam o episódio ainda mais grave.

Fonte: https://horadopovo.com.br/tarcisio-privatizou-sabesp-com-discurso-de-saneamento-mas-defende-despejo-de-esgoto-no-tiete/