PDV e cortes de custos levaram a desastre ambiental no Rio Tietê

Engenheiro da Sabesp Amauri Pollachi – Foto: Câmara dos Vereadores de São Paulo

“A perda de conhecimento técnico foi brutal. E a proibição de horas extras inviabiliza qualquer operação emergencial séria”, disse o engenheiro Amauri Pollachi

Amauri Pollachi, engenheiro com mais de 30 anos de experiência na Sabesp, foi categórico ao criticar a postura adotada pela empresa no recente episódio de colapso do interceptor de esgoto que resultou no despejo diário de cerca de 216 milhões de litros de esgoto in natura no Rio Tietê — o equivalente a 86 piscinas olímpicas por dia. Para ele, a Sabesp “optou pela solução mais fácil e barata”, lançando esgoto diretamente no rio para manter seca a área de reparo da tubulação.

“Mas havia alternativas viáveis e conhecidas da própria empresa”, afirmou. Ele lembrou que, em 2022, durante uma obra da Linha 6-Laranja do Metrô, a Sabesp agiu de forma responsável ao instalar uma tubulação provisória (bypass), que exigiu esforço técnico e mobilização de equipes, mas evitou danos ambientais. “Soluções de engenharia existem. O que faltou foi vontade política e técnica. Certamente, o custo seria maior — e isso, hoje, parece ser o critério principal.”

Reportagem exibida pelo SP1, da TV Globo, na sexta-feira (27) mostrou o despejo contínuo de um líquido escuro e com forte odor, saindo de tubulações ligadas a bombas de grande porte. As imagens mostraram que o material estava sendo lançado entre as pistas local e central da Marginal Tietê, no sentido da Rodovia Castelo Branco. A Sabesp justificou a medida como necessária para facilitar os reparos em uma estrutura localizada a 18 metros de profundidade.

Amauri, que é conselheiro do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) e diretor de Relações Externas da APU (Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, também criticou o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) por defender publicamente a Sabesp, classificando o crime ambiental de “efeito colateral horrível, mas necessário”. 

A postura de Tarcísio, revela, segundo o especialista, um esforço em proteger sua principal bandeira política — a privatização da Sabesp — e preservar sua imagem pública. “Ora, se a empresa está produzindo dano ambiental, eu tenho que vir a público para defender a empresa, porque senão eu, governador, que fiz a privatização, serei prejudicado? Jogar esgoto puro no Rio Tietê cheira mal para sua futura aspiração política.”

 “O governador do Estado, que não é mais proprietário da Sabesp, não tem mais poder de mando sobre a empresa, é que vem a público dar explicação, reproduzindo a nota da Sabesp? Isso mostra que existem coisas por detrás desse assunto que não estão explicadas”, alerta.

Além disso, o engenheiro criticou a falta de informações técnicas claras a respeito da causa do rompimento. Ele afirma que a Sabesp dispõe de tecnologia de inspeção por câmeras, que permitiria uma análise precisa da tubulação danificada, mas nenhum vídeo ou laudo foi apresentado à população. “Certamente existe vídeo interno da tubulação mostrando o rompimento. Por que não veio a público? Por que não deram uma explicação clara, como fizeram em 2022?”.

Ele lembra que, em fevereiro de 2022, durante uma obra do Metrô na Marginal Tietê, do lado contrário onde ocorreu a ação na semana passada, a companhia, então estatal, adotou uma solução técnica para evitar danos ao rio: “Colocou em operação tubulações paralelas. Exigiu esforço, sim, pagamento de horas extras, mas nada prejudicou o Rio Tietê”, explica Amauri. “Soluções de engenharia existem. O que faltou foi vontade política e técnica. Certamente, o custo seria maior — e isso, hoje, parece ser o critério principal.”

O diretor da APU também levanta dúvidas sobre o destino atual do esgoto, após o encerramento do despejo visível no Tietê. “1,8 milhão de pessoas continuam usando o banheiro. Se pararam de jogar no Tietê, para onde está indo esse esgoto? Estão fazendo extravasamentos em outros pontos?”, alertou.

Pollachi criticou a conduta da Sabesp, apontando decisões técnicas questionáveis e uma crescente perda de capacidade operacional. Segundo ele, a empresa passou a priorizar cortes de custo a qualquer preço, mesmo em detrimento do meio ambiente. Ele também destacou os impactos do Plano de Demissão Voluntária (PDV), que resultou na saída de mais de 2 mil profissionais experientes. “A perda de conhecimento técnico foi brutal. E a proibição de horas extras inviabiliza qualquer operação emergencial séria.”

GESTÃO VOLTADA PARA O LUCRO

O Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) também denuncia o desmonte da Sabesp. A entidade critica o uso do PDV sem um plano de reposição e alerta para a sobrecarga dos funcionários remanescentes e a queda na qualidade dos serviços prestados à população. “A política de redução de quadros, somada à privatização, aponta para um modelo de gestão voltado para o lucro e não para o bem-estar da população”, declarou o sindicato.

A falta de transparência da Sabesp também foi alvo de críticas. A empresa recusou conceder entrevistas à imprensa por três vezes e limitou-se a divulgar notas genéricas. “A empresa preferiu enviar nota dizendo que era a única solução possível. Não era”, assegurou Amauri.

A Cetesb, órgão estadual responsável pela fiscalização ambiental, também foi omissa. Apesar do grave impacto ambiental, não autuou a Sabesp nem se pronunciou publicamente sobre o caso. “A Cetesb sequer se movimentou para autuar a Sabesp. Isso é inaceitável”, concluiu o engenheiro.

Em reunião realizada na segunda-feira (30) com a Cetesb, a Sabesp apresentou as medidas emergenciais adotadas após o episódio. Entre as soluções, estão a instalação de tubulações suspensas nas pontes da Casa Verde e da Freguesia do Ó, para desviar o esgoto para o lado oposto do rio, onde há uma estação coletora ativa. A companhia também anunciou a construção de uma nova tubulação entre a Rodovia dos Bandeirantes e Pirituba, com destino à Estação de Tratamento de Barueri.

Cesar Pegoraro, educador e mobilizador da SOS Mata Atlântica, alertou que o dando ambiental provocado pela Sabesp compromete anos de avanços na despoluição do Rio Tietê, ao aumentar a carga orgânica, gerar gases como metano e afetar a cor e a qualidade da água. “[…] há uma perda bastante expressiva em todo um trabalho feito em prol da despoluição do Rio Tietê que já tem mais de três décadas”. 

Até agora, os impactos ambientais do despejo no rio Tietê ainda não foram avaliados. A Cetesb informou que realizará uma nova vistoria na área neste sábado (5).

JOSI SOUSA

Fonte: https://horadopovo.com.br/privatizacao-da-sabesp-pdv-e-cortes-de-custos-levaram-a-desastre-ambiental-no-rio-tiete/