CRISTIANE GERCINA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O ministro da Previdência, Carlos Lupi, classificou como “chutômetro” os R$ 480 bilhões de gastos previstos pela Secretaria do Tesouro Nacional com a revisão da vida toda caso a correção fosse validada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Em julgamento de duas ações de 1999 em março deste ano, a corte derrubou a tese, que havia sido aprovada pelos ministros em dezembro de 2022.
Na revisão da vida toda, aposentados pedem na Justiça para incluir contribuições antigas no cálculo do benefício do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) para ganhar mais.
“Nós nunca tivemos o número exato de possíveis beneficiários. Por isso, todo cálculo, para mim, era um chutômetro. Um chutômetro do que seria uma base concreta de quem poderia ser beneficiado”, diz.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Lupi afirma que a Previdência não tinha base para fazer os cálculos e, por isso, nunca apresentou números ao STF. No entanto, chegou a levar à AGU (Advocacia-Geral da União) calendário de pagamento da correção de forma administrativa, caso o governo perdesse a ação.
O ministro diz ainda que não vê o déficit previdenciário como um problema, pois gasto com Previdência “não se mede com número, se mede com felicidade”.
Ele afirma que, até setembro, deve implementar teleperícia para concessão de benefícios por incapacidade em boa parte do país e confirma que seguirá propondo queda nos juros do consignado sempre que a taxa Selic for reduzida.
Revisão da vida toda
O ministro afirma que a decisão judicial tomada pelo STF na revisão da vida toda pode ser contestada, mas deve ser cumprida. “Decisão da Justiça se questiona e se recorre. A partir do momento em que há definição, se obedece. Então, eu estou aqui para cumprir aquilo que a Justiça decidiu.”
Ele diz acreditar que pode ter ocorrido prejuízo a alguns aposentados após a aprovação da reforma da Previdência de 1999, realizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que mudou a fórmula de cálculo dos benefícios previdenciários, mas diz que não é possível saber quantos teriam direito à revisão da vida toda, caso fosse aprovada.
Sobre os cálculos do Tesouro, Lupi diz desconhecer a base para se chegar aos R$ 480 bilhões.
“Eu acredito que foi um cálculo que o Tesouro fez com uma base que eu não sei qual é. Não é uma base concreta, porque não teve decisão concreta do Supremo sobre isso. Tanto é que ele [o STF] mudou a sua decisão.”
E segue afirmando que os números apresentados, tanto por quem é contra a revisão como quem é a favor, seriam “chutômetro”.
“Virou um chutômetro. Todo mundo começou a chutar números. Nós, da Previdência Social, nunca tivemos números exatos, porque não tínhamos base para calcular esse número exato, não tínhamos quantitativo de beneficiário, porque não foi calculado isso. Terminou agora com a nova mudança, sem calcular quantos poderiam ser beneficiários, não tinha como calcular. O resto, todo mundo fazendo essa interpretação livre, e cada um tem liberdade para a interpretação o que quiser.”
O ministro explica que não há como saber o valor absoluto sem que o STF desse os parâmetros da revisão. Além disso, é difícil ter controle sobre as contribuições antigas, pois até 1988, os dados da Previdência não eram computadorizados e brinca chamando a revisão de novela.
“Não tem como saber esse valor absoluto? Primeiro, dependia da decisão do Supremo. Em que período? Quem teria direito? A partir de quando? Qual era o volume de segurados que teriam direito? Tinha a questão de opção. Se podia ter a opção após a somatória do tempo de contribuição com a idade, ou se só valeria no tempo de contribuição. Não definiu isso.”
“Não da Previdência Social, pelo amor de Deus. A Previdência Social nunca deu esse número, porque nós nunca tivemos essa base legal.”
“Eu vou brincar com você dizendo uma coisa. Depois que a novela acaba, não adianta a gente ver de novo que a gente já sabe o fim. Já teve a decisão do Supremo.”
Déficit da Previdência
Para o ministro, o déficit de R$ 306,2 bilhões na Previdência em 2023 -alta de 17% ante 2022- não deve ser encarado como um problema porque se trata de garantir o direito ao benefício previdenciário de quem pagou contribuições ao INSS.
Além disso, é a forma de sobrevivência em boa parte dos municípios brasileiros.
“Eu não uso a palavra déficit em nenhuma operação da Previdência Social. Por quê? Porque ser humano não se mede por número, se mede por felicidade, se mede por satisfação, por se encontrar com alguma dignidade de viver.”
Segundo ele, dos 39 milhões de beneficiários do INSS atualmente, 9 milhões recebem benefícios assistenciais, como é o caso do BPC/Loas (Benefício de Prestação Continuada), no valor de um salário mínimo, hoje em R$ 1.412.
“A Previdência acaba tendo um volume maior de gasto por causa desse volume maior de beneficiados que não são originalmente contribuintes da Previdência Social. É o maior programa social contínuo do planeta Terra.”
Lupi confirma que houve um aumento no número de pedidos, mas a fila diminuiu. Segundo ele, são 1 milhão de solicitações mensais. A média de concessão fica em torno de 55%; 45% são dos benefícios negados.
“Eu tinha 2,2 milhões de pessoas na fila. Hoje, eu tenho 1,4 milhão. Quando eu diminuo a fila, eu aumento o volume de beneficiários que estão atendidos pela Previdência Social.”
Ele fala ainda que o aumento real do salário mínimo, o qual defende, eleva os gastos da Previdência, e diz que, ao diminuir a fila de espera e o tempo médio de concessão dos benefícios, antes em cerca de um ano, está pagando valores menores de atrasados e já economizou R$ 10 bilhões.
Lupi atribuiu esse economia ao Atestemed, sistema eletrônico no qual o cidadão envia o seu atestado médico por doença ou acidente de trabalho e consegue a concessão do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez sem precisar ir a uma perícia presencial, por meio de análise indireta da doença ou da situação.
“Ninguém queria. Esse meio voluntarioso brasileiro decidiu fazer o Atestmed. Por que que eu fiz? Porque ele torna mais eficiente e rápida a ação do Estado. Sabe qual era a média de espera das pessoas para receber o seu atestado? Um ano. Média de um ano. Então a pessoa quando recebia recebia os atrasados de um ano. Isso aí é mais caro para a Previdência Social. Hoje, em média, eu estou levando cinco, seis dias. Pago mais rápido, entre aspas. Gasto mais rápido. Mas diminuo o tempo.”
Teleperícia
Segundo o ministro, a implementação da perícia médica por meio de telemedicina deve ser expandida para boa parte do país até setembro deste ano. Em dezembro, diz acreditar que a maioria dos municípios deverá ter o sistema de perícia por computador.
No entanto, será mantido um percentual de perícias presenciais, pois há doenças como transtornos psíquicos, depressão e demais casos que necessitam de exames físicos e seguirão sendo tratados desta forma.
Lupi diz que o início da teleperícia em projeto-piloto no Nordeste com 10 mil exames a distância mostrou bom resultado, com resolução de 90% dos casos por meio do atendimento em consulta por computador, e 10% que necessitaram de perícia presencial. Dos 90%, parte foi negada.
“É um projeto de lei que foi aprovado com a nossa ajuda, com o nosso compromisso. E é o sistema que o mundo moderno está usando.”
Sobre as críticas ao modelo, diz que não acredita em fraudes ou falhas, já que os exames seguirão sendo feitos por médicos peritos. “A teleperícia veio para ficar. Quem vai fazer o exame é um perito. Não é um administrativo.”
“Eu acredito que em setembro a gente começa a ter um grande volume de atendimento. Eu não tenho como dizer o percentual, porque ainda não tenho a capacidade de diluir isso. Distribuir esse número. Em setembro eu acho que a gente começa a fazer uma escala boa. Até dezembro já tive um percentual muito bom pela teleperícia, mas jamais será 100%.”
Juros do consignado
O ministro afirma que deverá seguir propondo ao CNPS (Conselho Nacional de Previdência Social) a queda da taxa de juros do consignado todas as vezes em que a Selic cair.
Segundo ele, a proposta dos bancos, de utilizar a taxa DI mais juros futuros de dois anos ainda não foi aprovada pelo conselho, e, com isso, continua-se utilizando a regra atrelada à Selic, mas afirma que não haverá gatilho automático.
Lupi afirma que o setor nunca vai dizer que “está ganhando muito”, e os juros a 22,8% ao ano ainda estão altos frente à Selic, de 10,75%.
“O dia em que você vir ou ouvir banco dizer que está ganhando muito, você me avisa. Porque, quando eu vou à reunião, eu tenho vontade de abrir minha carteira e emprestar uns R$ 10 para eles”, brinca.
Revisão da reforma da Previdência de 2019
Questionado se mantém o posicionamento sobre rever a reforma de 2019, especialmente no que diz respeito ao cálculo da pensão por morte, que teve corte de 40%, mas foi validado pelo STF, Lupi afirma que a medida foi uma “antirreforma”.
“Eu acho antirreforma. Quando se fala em reforma, sempre quer se fazer reforma para tirar direito. Sempre querem fazer reforma para diminuir algum tipo de atendimento. Estou falando isso para tentar fazer entender que não se pode considerar números humanos como um coeficiente. O Estado não foi feito para dar lucro. O grande papel do Estado é a sua ação social. É a minha opinião”, afirma.
“Uma hora isso vai ter de ser discutido. Vai ser agora, vai ser daqui a dois meses, três meses? Nem sei. Eu também não posso, individualmente, propor sozinho. Tem de ser uma proposta do conselho, tem de passar pela Fazenda, tem de passar pelo Planejamento, tem de ir para o Congresso Nacional, tem de ser aprovado. Eu apenas coloco a minha verdade de que isso é uma grande injustiça e vou lutar contra ela.”
Fonte: https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/economia/ministro-da-previdencia-diz-que-calculo-do-tesouro-sobre-revisao-da-vida-toda-e-chutometro/