Denise Fraga estreia em Natal com o espetáculo Eu de Você: “a arte amplia a compreensão da humanidade”

A atriz Denise Fraga desembarca em Natal para duas apresentações inéditas do espetáculo Eu de Você, que acontece nos dias 28 e 29 de março, no Teatro Riachuelo. A peça, idealizada e criada por Denise, ao lado do produtor José Maria e do diretor Luiz Villaça, reúne histórias reais entrelaçadas com trechos de literatura, música e poesia. Em circulação pelo Norte e Nordeste, o espetáculo propõe uma reflexão sobre a experiência humana e a forma como nos conectamos uns com os outros.

Em entrevista ao Agora RN, Denise compartilha sua visão sobre a arte e o teatro no Brasil, destacando as dificuldades enfrentadas para atrair espectadores. “O maior desafio do teatro é levar o público até ele”, afirma a atriz, ressaltando a importância de manter a cena teatral viva e acessível. Confira a seguir a entrevista completa.

AGORA RN – O espetáculo “Eu de Você” mistura histórias reais com literatura e música. Como surgiu essa ideia e qual foi o maior desafio na criação desse formato?

    O maior desafio foi a grande ideia, pois o espetáculo não se trata de uma peça convencional. O objetivo não era contar histórias reais, mas sim entrelaçar histórias cotidianas com arte, literatura e música. O espetáculo foi desenvolvido a partir de improvisos, provocados por Luiz Villaça, e o maior desafio surgiu quando as histórias chegaram, pois eram muito melancólicas. As pessoas haviam nos confiado suas dores e solidões, e a nossa intenção era iluminá-las. A questão era como tratar a tragédia cotidiana e a vida difícil de forma leve, sem ser leviano, e eu acredito que o humor tem esse poder de nos fazer ver as coisas de outra perspectiva, permitindo que a gente observe a vida de uma forma mais distanciada. O maior desafio para mim foi improvisar diante das provocações de Luiz e das pessoas que estavam ali, mas a experiência coletiva foi um marco no processo criativo, e “Eu de Você” se tornou um exemplo dessa vitória do coletivo. A peça pode ser vista como uma colcha de retalhos, onde as histórias se sucedem, mas com uma ideia mais profunda: ela representa a ideia de ser confortado por algo que não é seu, mas que de alguma maneira, é. Essa conexão só é possível no teatro, onde a experiência se torna única e transformadora.

    AGORA RN – Como o teatro pode ajudar o público a enxergar o mundo pelo olhar do outro?

      DENISE FRAGA – Eu acho que essa palavra empatia está muito gasta, mas a peça é um convite à empatia. Luiz me dizia para não me preocupar em fazer o personagem, mas em viver as experiências dos outros, como a do Wagner com o Francisco e o meu pai. Isso cria uma conexão entre as nossas vivências. A peça tem o poder de tocar as pessoas de um jeito único, levando-as a lugares que talvez nunca tivessem visitado, ampliando sua visão através do outro. A partilha de histórias e vulnerabilidades nos ajuda a nos conhecermos melhor, especialmente em um mundo cada vez mais isolado. Eu não queria fazer discurso, mas contar histórias, pois uma história pode tocar muito mais profundamente do que uma opinião. Hoje, vivemos em um mundo com muitos discursos e fatos, mas poucas histórias e vivências. “Eu de Você” provoca reflexões, mas sempre de uma maneira divertida, promovendo uma osmose com o outro e com um terreno que o público talvez não conhecesse. As pessoas saem da peça se sentindo surpreendidas, muitas vezes emocionadas e ampliadas, com uma nova visão sobre o mundo e a própria vivência.

      Veja também: Pagode do Coxa realiza show gratuito nesta sexta no Centro de Parnamirim

      AGORA RN – Você interpreta diversas histórias e canta mais de 10 músicas no espetáculo. Como foi o processo de escolher esse repertório e integrá-lo à dramaturgia?

      DENISE FRAGA – O processo de escolher o repertório foi muito improvisado e coletivo, com sugestões de todos os criadores envolvidos, como o Zé trazendo o livro de Leminski e minha paixão pela poetisa Wislawa Szymborska. A peça é uma maratona física para mim, que exigiu muito cuidado e treinamento. Eu mesma criei essa maratona e, muitas vezes, me vi me perguntando como iria cumprir com tudo isso todas as noites. A peça me ensinou muito sobre vulnerabilidade, transformando-a em força, e me jogando no escuro, onde cada passo iluminava o caminho. O processo foi dolorido, com muitas quedas no palco e emoções intensas, mas tudo isso fez parte do processo de me abrir para as histórias e vivências alheias, como se eu precisasse me despedaçar para juntar os cacos dos outros. Quando vi o que a peça provocava nas pessoas, percebi que estávamos fazendo algo especial, e isso me trouxe uma felicidade imensa de ser uma artista capaz de transformar angústia em beleza.

      AGORA RN – O teatro enfrenta desafios constantes no Brasil, especialmente no acesso ao público. Como você enxerga o papel da sua produtora nesse cenário?

      DENISE FRAGA – O maior desafio enfrentado pelo teatro hoje é o acesso ao público, pois muitas pessoas gostariam de ir ao teatro, mas não sabem como chegar até ele. Isso acontece porque a divulgação das peças é escassa e, muitas vezes, as pessoas só vão ao teatro se já tiverem o hábito ou se alguém as levar. Eu sempre incentivo que as pessoas tragam alguém que nunca foi ao teatro, pois essas pessoas, ao se depararem com a experiência, percebem o que estavam perdendo. A peça Eu de Você foi um exemplo disso, trazendo muita gente ao teatro pela primeira vez. Além disso, a formação de plateia é um dos maiores desafios, e acredito que o teatro deveria ser obrigatório nas escolas. O ensino do teatro vai além de formar atores, é o maior exercício de empatia, pois faz com que as pessoas se coloquem no lugar do outro. Quando pessoas que não são do meio teatral leem um texto, tentam entender sentimentos que não são seus, o que as ajuda a ter contato com emoções desconhecidas, o que é excelente para o autoconhecimento. O teatro ativa emoções que, muitas vezes, as pessoas não usam no seu cotidiano. A arte, de forma geral, faz com que as pessoas vivam melhor, pois amplia a compreensão sobre si mesmas e sobre a humanidade, ajudando a aceitar as imperfeições intrínsecas ao ser humano. Eu acredito que o teatro é um ritual poderoso que transforma a vida de quem o vivência, tornando a pessoa mais maleável e capaz de compreender melhor a humanidade.

      A formação da plateia é um grande desafio, especialmente para quem não tem acesso à Lei de Incentivo. Fico feliz com o retorno do Ministério da Cultura e a criação de editais como a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc, que ajudam, apesar da precarização nas produções devido à divisão de recursos. Porém, acredito que há uma consciência crescente sobre a importância da arte na vida das pessoas e para o país. O cinema, por exemplo, tem um papel fundamental em países como os EUA, que usam a indústria cinematográfica como uma ferramenta de poder. Através do cinema, podemos conhecer países como a Coreia ou o Irã. Tenho receio de que, mesmo após a comoção com o filme Ainda Estou Aqui, ainda tenhamos que lutar para que as pessoas compreendam a importância da arte e da cultura, que ajudam na compreensão da vida e das imperfeições humanas.

      AGORA RN – O que o público de Natal pode esperar dessas apresentações e o que torna essa passagem pela cidade especial para você?

      DENISE FRAGA – O público de Natal pode esperar uma apresentação que, antes de mais nada, proporciona lazer e prazer. A peça é divertida e, ao mesmo tempo, toca muito as pessoas, como tenho visto por aí. Ela é talvez a nossa maior unanimidade, sendo a peça com o maior número de repetentes, como eu brinco, porque são pessoas que voltam, voltam trazendo a mãe, voltam porque o irmão precisa ver, porque o marido precisa ver, e as pessoas voltam duas, três vezes para ver a peça. Basta você ver que no nosso Instagram tem muitos depoimentos das pessoas sobre a peça. Então, eu acho que o público de Natal pode esperar algo muito especial, pois é uma peça que, apesar de me dar uma responsabilidade danada, é também a experiência mais linda da minha vida nos palcos, e fora deles.

      Para mim, estar em Natal é muito especial, pois é um lugar que a gente nunca foi com o nosso teatro. Levar essa peça para Natal é algo que me faz muito feliz. Há muito tempo eu queria ir para Natal, eu falava para o Zé, para o nosso produtor, mas você sabe o que significa ir para o Nordeste de uma maneira geral, e para Natal é ainda mais longe. E as passagens aéreas são sempre muito caras. Mas eu fico muito feliz da gente chegar em Natal, não só com o teatro, mas também para conhecer a cidade. Eu sempre quis ir para Natal. Estou muito feliz de estar chegando nesse teatro enorme, e embora pareça que vamos fazer uma apresentação em um teatro grande, estou feliz e, ao mesmo tempo, com medo. Mas eu acho que essa peça tem uma força já muito grande por si, porque andamos com ela pelo Brasil inteiro há muitos anos, e muitas pessoas pedem para que voltemos para as cidades onde já estivemos. Recentemente, fizemos pela segunda vez em Fortaleza, e agora estamos indo para Natal, o que me deixa muito feliz.

      AGORA RN – Para encerrar: se pudesse deixar uma mensagem ao público sobre o que significa “ser eu de você”, qual seria?

      DENISE FRAGA – “Eu de Você”  me ensina a importância de se disponibilizar a ouvir o outro e se deixar atravessar pela história dele. Eu acho que, como eu já mencionei antes, quando você se deixa atravessar pelo outro, você se amplia. Vivemos em um tempo de muita impaciência com as escutas, porque nossa vida digital reformatou a maneira como nos comunicamos. Estamos constantemente acelerando áudios, falando rápido pelo WhatsApp, e nossa atenção está fragmentada. Isso nos deixa com a paciência “dinamitada”, como uma escola de impaciência, que é difícil de escapar. A grande lição que “Eu de Você” tem me ensinado é se disponibilizar, olhar no olho do outro e se permitir ouvir uma história, mesmo que no início você sinta impaciência. A história, muitas vezes, faz você se conectar com algo dentro de si, e não é pelo outro ou pela gentileza de ouvir, mas pelo impacto que isso tem em nós.

      O teatro pode ser um lugar onde essa escuta se torna mais forte, porque ao pedir para desligar o celular, ele nos obriga a nos disponibilizar. Quando a peça é boa e a pessoa se entrega à história, ela entra em um lugar que, talvez, não conseguiria chegar sozinha. Isso faz com que o teatro se torne um lugar onde você pode mergulhar em algo mais profundo e essencial, algo que não está mais acessível no dia a dia. Eu vejo muitas pessoas me agradecendo no final da peça, dizendo que conseguiram entrar em uma sintonia e uma profundidade que não estavam conseguindo alcançar sozinhas. O outro, ao nos contar uma história, é um convite imediato para fazer esse mergulho em nós mesmos, que muitas vezes nem sabemos que estamos prontos para fazer. Ouvir, olhar para o outro, fazer o exercício de escuta e deixar um pouco de lado a tela, faz com que a vida ganhe mais profundidade.

      Eu acredito que, embora vivamos tempos complicados, esse exercício de escuta, de olhar no olho e prestar atenção ao outro, deve ser praticado. Não é fácil, mas podemos treinar nossa atenção, como eu me esforço para fazer. Quando nossa mente se distrai, é preciso lembrar: “escuta, Denise, escuta”. Esse simples exercício de ouvir mais atentamente pode nos proporcionar coisas preciosas, que nos ajudam a recuperar a profundidade que a vida muitas vezes perde em meio à pressa e à distração.

      Fonte: https://agorarn.com.br/ultimas/denise-fraga-estreia-em-natal-com-o-espetaculo-eu-de-voce/