Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas e o secretário da Educação, Renato Feder – Foto: Reprodução
Estudo aponta que aplicativos não melhoraram o desempenho das escolas. “O resultado é claro: os tais aplicativos do Feder não servem para nada”, conclui a presidente da UMES, Valentina Macedo
Um estudo feito pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu), que reúne pesquisadores das universidades públicas paulistas, aponta que a grande “aposta” do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em obrigar estudantes e professores a utilizarem plataformas digitais, a chama “plataformização da educação” não melhorou o desempenho das escolas estaduais no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo (Saresp) no ensino médio.
Somente em 2024, as plataformas impuseram um custo de mais de R$ 471 milhões ao combalido orçamento da Educação de São Paulo.
“Renato Feder tem uma obsessão por essas plataformas. Enfia goela abaixo dos alunos, professores e diretores, colocando uma pressão absurda nas escolas que não atingem a meta de acessos nesses aplicativos, o que, inclusive, viola o direito de cátedra dos docentes, que, a cada dia, perdem mais a autonomia dentro da sala de aula. E o resultado é claro: os tais aplicativos do Feder não servem para nada”, Explica a presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas, Valentina Macedo.
“O projeto do governo é afundar a educação do estado de São Paulo, precarizar o ensino, desvalorizar o professor, demitir diretores que não seguem a cartilha do governo, para justificar o golpe final de Tarcísio e Feder: a privatização das escolas”, denunciou a líder estudantil, em entrevista ao HP.
A demagogia apresentada pelo governo Tarcísio e Feder era de que o uso das plataformas iria “trazer resultados”. “Vamos parar de ficar sugerindo passo a passo, cobrando passo a passo, que o que a gente quer é resultado. Principalmente resultado no Saresp, resultado no Saeb e tudo que eu vou fazer esse ano, o que esperar da Secretaria esse ano é apoiar, dar as ferramentas e cobrar resultado. Eu vou cobrar resultado, então foquem no resultado”, disse o Renato Feder (grifo nosso).
A pesquisa mostra que o resultado alardeado não chegou, em primeiro lugar, porque a maioria das escolas exibiu um índice de uso das plataformas inferior às metas estabelecidas pela Seduc-SP. Em segundo lugar, independentemente de um uso maior ou menor das plataformas, a proporção entre escolas com resultados positivos, negativos ou neutros no Saresp 2024 segue praticamente inalterada
As plataformas passaram a ser usadas no segundo semestre de 2023. Os dados são da própria Secretaria Estadual de Educação e mostram que mesmo as escolas que atingiram as metas de uso das plataformas estipuladas pelo governo não registraram melhora na avaliação.
Em agosto de 2023, o secretário de Educação, o empresário Renato Feder, já havia determinado que as escolas estaduais usassem ao menos sete plataformas educacionais. Atualmente, são 31 com metas de uso a serem alcançadas a cada bimestre para cada uma delas e estabeleceu penalidades para os educadores que não as utilizam.
O estudo conclui que, ao mesmo tempo em que a Seduc-SP estabelece e monitora, bimestre a bimestre, uma enorme variedade de metas para as escolas estaduais, não se identificou qualquer efeito benéfico do uso das plataformas nos resultados das escolas estaduais no Saresp.
“A conclusão lógica da análise sistemática desses dados é a inefetividade pedagógica do uso das plataformas ou, na linguagem do secretário da educação, a má qualidade das ‘ferramentas’ oferecidas pela Seduc-SP”.
PREJUÍZO ECONÔMICO
De acordo com a pesquisa, em 2024 o governo paulista destinou R$ 471 milhões para a aquisição de plataformas, contratadas sem a apresentação de evidências de sua eficácia pedagógica. O gasto com os aplicativos acontece ao mesmo tempo em que o governo Tarcísio de Freitas aprovou na ALESP o desvio de 5% do orçamento da Educação para outras áreas, o que representa um corte de cerca de R$ 11 bilhões em 2025.
Segundo o estudo, os pareceres utilizados para justificar as compras carecem de fundamentação técnica e não consideram os impactos negativos do uso prolongado de telas na aprendizagem.
O valor total desembolsado para a aquisição das plataformas educacionais em 2024, mais precisamente, foi de R$ 471.073.439,94. Este valor inclui os seguintes gastos por plataforma: Alura: R$ 30.845.897,55; Education First (EF): R$ 55.294.560,00; Elefante Letrado: R$ 6.509.880,00; Khan Academy: R$ 0 (cedida); Leia SP: R$ 10.458.000,00; Livros digitais para a plataforma “Leia SP”: R$ 3.900.000,00; Matific: R$ 72.208.354,68; Redação Paulista e Tarefa SP: R$ 65.780.121,96; Super BI, Apoio Presencial e Edu.Profissional: R$ 115.916.625,75; Wizard Pearson (programa “Prontos pro Mundo”): R$ 110.160.000,00 e Me Salva!: R$ 0 (cedida).
“O governo gasta milhões de reais em plataformas que não apresentam resultados, enquanto há escolas que sequer têm laboratório de informática funcionando. E, além de tudo, depois de não oferecerem estrutura e condições para os estudantes aprenderem plenamente, exigem que os índices educacionais aumentem, e as escolas que não conseguem cumprir essa meta têm seus diretores demitidos”, critica Valentina.
Com os índices de uso de cada plataforma, os pesquisadores criaram um indicador para cada escola e, então, compararam com os resultados obtidos por elas no Saresp de 2023 e 2024 e identificaram que a maior ou menor frequência de uso dessas ferramentas não mudou em nada os resultados da avaliação.
Ao contrário, o número de alunos que usaram as plataformas e tiveram melhoras em suas notas foi menor que os que tiveram uso considerado baixo. Assim, as escolas com melhora na nota e que tiveram índice de uso das plataformas considerado baixo têm 334.522 alunos matriculados. Já as que tiveram melhora na nota e índice de uso alto, têm 321.824 alunos.
“A secretaria monitora as escolas, bimestre a bimestre, com uma série de metas que foram impostas, mas não há nenhuma evidência de que o uso das plataformas impacta positivamente nos resultados do Saresp”, diz Andreza Barbosa, professora da PUC-Campinas e uma das responsáveis pelo estudo, à Folha de SP.
A pesquisa mostra ainda que foi identificado que a maioria das unidades não têm conseguido alcançar as metas de uso das plataformas exigidos pela secretaria pois, para os pesquisadores, a política desconsidera a realidade das escolas estaduais.
“Foram estabelecidas inúmeras métricas a serem alcançadas sem nenhuma base científica. Ainda assim, a secretaria monitora e controla bimestre a bimestre o uso dessas plataformas, colocando uma enorme pressão nas escolas para que atinjam essas metas sem que elas sequer saibam como foram calculadas e para que servem”, diz Leonardo Crochik, professor do IFSP ( Instituto Federal de São Paulo) e pesquisador da Repu.
Para garantir o uso das plataformas, mesmo diante da falta de resultados, em janeiro de 2024, a secretaria publicou uma resolução com critérios para avaliar o desempenho dos diretores escolares, sendo dois critérios: os indicadores de utilização das plataformas e as notas obtidas em avaliações externas, como o Saresp.
A partir dessas métricas, diretores que tiveram uma avaliação considerada ruim podem ser removidos para outra unidade, designados para outra função ou obrigados a fazer um curso de capacitação. Sindicatos da categoria reclamam de que dezenas de diretores têm sido afastados dos cargos em razão dessa avaliação.
PERSEGUIÇÃO PEDAGÓGICA
Das 31 plataformas adotadas pelo governo Tarcísio, 10 têm a função de “controle do trabalho pedagógico docente” como o registro de frequência dos alunos e para que o professor informe qual aula digital lecionou no dia, por exemplo. Outras seis são de apoio à gestão escolar, como registro de brigas entre alunos ou para monitorar o uso das plataformas pelos professores.
Outras 14 são de conteúdo didático e devem ser usadas pelos alunos para fazer redação, exercícios de matemática e até mesmo ler livros. “São metas apenas de realização das tarefas, sem se importar se os alunos estão errando ou acertando. Na prática, muitos estudantes apenas entram para ter o registro, sem de fato fazerem a atividade”, diz Crochik.
Os pesquisadores apontam que as plataformas têm como finalidade exclusivamente a vigilância sobre os professores, perdendo seu potencial pedagógico e tornando-se mais um elemento de esgotamento emocional.
“A observação de aulas pode ser uma prática interessante entre pares, propiciando discussão e aprimoramento do trabalho pedagógico. Contudo, tal atividade perde o sentido quando as relações de confiança entre professores/as e gestores/as são abaladas pela finalidade exclusiva de controle e fiscalização do trabalho docente”, diz a nota técnica.
HIPERVIGILÂNCIA E ASSÉDIO
Professores ouvidos pela pesquisa apontam ainda outros aspectos importantes nesta hipervigilância destes profissionais no trabalho docente. Primeiro, os 71 professores ouvidos apontam para a falta de autonomia para utilização de estratégias pedagógicas em sala de aula, bem como falta de tempo para desenvolver os projetos da unidade escolar.
A escola pública já padecia com a famigerada “aprovação automática”, mecanismo de aprovação do aluno que o passava de um ano para o outro, mesmo sem que este tenha alcançado o desempenho desejado e sem que este possa contar com uma política de aulas de reforço para que possa se apropriar dos conteúdos e garantindo sua aprendizagem. Agora, com essa política do governo Tarcísio, a coisa se agrava à medida que a já fragilizada autonomia do professor é ainda mais solapada o expondo a novas formas de pressão e assédio.
“Colegas estão sendo assediados o tempo todo para cumprir metas focadas em plataformas que não corroboram para a aprendizagem dos alunos. Nada importa além de frequência sem aprendizado, plataformas sem aprendizado. Se não tem meta alcançada, cessação quando [diretor escolar] designado e afastado quando titular. A população precisa entender que ficar ditando em computador, fazer uso de IA para copiar e colar na plataforma “Redação Paulista”, fazer games para aprender Matemática, não capacita os alunos para seguir na sua carreira acadêmica, não gera aprendizado”, diz excerto 2 da pesquisa.
Os professores relataram que são obrigados a “seguir à risca o escopo-sequência determinado pela Seduc, perdendo a nossa liberdade de cátedra sobre o currículo a ser aplicado em sala. Temos que fazer o gabarito das provas externas e passar as respostas aos alunos para não sofrermos sanções pelo baixo desempenho dos alunos”.
Na prática, é a individualização dos problemas da educação na figura do professor com plataformas que promovem uma verdadeira “caça às bruxas”. “Temos que preencher as plataformas dos alunos com deficiência, principalmente dos alunos que não podem frequentar a escola (que estão em educação domiciliar por não terem movimento para além de mexerem a cabeça) para aumentar os índices de acesso às plataformas. Temos que ir a formações na Diretoria de Ensino para ouvirmos que a culpa pelo baixo desempenho dos alunos é nossa, pois a nossa aula não é atrativa”, relatam os professores à pesquisa.
RODRIGO LUCAS
Fonte: https://horadopovo.com.br/plataformas-da-educacao-de-feder-e-tarcisio-prejudicam-estudantes-e-assediam-professores/