“PEC 65 deixa bancos com as rédeas soltas”

Daro Piffer, diretor jurídico, em São Paulo, do Sindicato Nacional dos Servidores do Banco Central. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

“PEC da autonomia” do BC estimula ganhos “mesmo que contrários ao interesse público”

Em entrevista à Hora do Povo, Daro Piffer, diretor jurídico, em São Paulo, do Sindicato Nacional dos Servidores do Banco Central, declarou que a PEC 65/2023, que está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, de autoria do senador Vanderlan Cardoso, dá completa autonomia técnica, operacional, administrativa, orçamentária e financeira ao Banco Central.

Daro Informou que a PEC altera a forma de financiamento do Banco, permitindo o uso de receitas oriundas da senhoriagem para o custeio da instituição. Ou seja, “será financiado pelo lucro obtido com emissão de moeda e operações financeiras”. Para o sindicalista, a utilização da senhoriagem como fonte de custeio “pode levar o BC a priorizar ações que aumentem seu ganho, mesmo que isso contrarie o interesse público”.

Segundo o dirigente sindical, “as mudanças fragilizam o Banco Central institucionalmente ao afastá-lo do regime jurídico público”. Para ele, o BC “estará de mãos atadas” para aplicar sanções às instituições financeiras e para realizar sua função regulatória. O que, em outras palavras, quer dizer: “os bancos vão ficar com as rédeas soltas”.

Essa emenda constitucional foi submetida à avaliação da categoria, em abril de 2024, quando 74% dos servidores se manifestaram contrários à proposta. “Com esse mandato robusto da categoria, o sindicato tem mantido interlocução com parlamentares e membros do governo, alertando para os riscos que a PEC representa para a sociedade”, afirmou Daro.

A seguir, a íntegra da entrevista:

HP – Para o Sinal, quais são as mudanças mais significativas que a PEC 65 traz para o Sistema Financeiro Nacional?

Daro – A principal mudança é a transformação do Banco Central do Brasil (BC) de autarquia de direito público para uma corporação estatal de direito privado, organizada como empresa pública. Os servidores atuais terão que optar entre migrar para uma nova carreira no Executivo ou permanecer no BC sob um novo regime jurídico baseado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com perda da estabilidade garantida pelo Regime Jurídico Único (RJU). A PEC também altera a forma de financiamento do BC, permitindo o uso de receitas oriundas da senhoriagem para o custeio da instituição

HP – Por que essas mudanças, na opinião do sindicato, trazem prejuízo para o sistema?

Daro – As mudanças fragilizam o Banco Central institucionalmente ao afastá-lo do regime jurídico público, que garante maior proteção jurídica, transparência e controle social. A perda de garantias legais típicas do direito público enfraquece o poder de polícia da instituição. Além disso, a substituição do regime estatutário pelo celetista compromete a autonomia técnica da instituição, já que os servidores perderão estabilidade e estarão mais suscetíveis a pressões externas. A maior vulnerabilidade institucional aumenta o risco de captura do regulador pelo regulado, enfraquecendo a capacidade do BC de proteger o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro. O que, em outras palavras, quer dizer: “os bancos vão ficar com as rédeas soltas”.

HP – Quais as principais consequências dessas mudanças?

Daro – As principais consequências incluem a redução da eficácia regulatória, o aumento da judicialização, a descontinuidade de políticas públicas essenciais, problemas na gestão de pessoal e previdência, além da insegurança jurídica. O BC poderá enfrentar dificuldades para aplicar sanções às instituições financeiras e para realizar sua função regulatória, prejudicando a estabilidade do sistema financeiro nacional.

HP – Por que o Sinal é contra que o Banco Central seja custeado pelo chamado sistema de senhoriagem?

Daro – A utilização da senhoriagem como fonte de custeio cria incentivos econômicos distorcidos, pois pode levar o BC a priorizar ações que aumentem o ganho com a emissão de moeda, mesmo que isso contrarie o interesse público ou a estabilidade monetária. Além disso, a senhoriagem é uma fonte de receita instável e sujeita a variações econômicas. O sindicato defende alternativas mais seguras, que permitam a autonomia financeira ao Banco Central sem comprometer sua missão institucional e sem gerar riscos à condução da política monetária.

HP – O que o sindicato pretende fazer contra a aprovação da PEC 65?

Daro – A PEC 65 foi submetida à avaliação da categoria em abril de 2024, quando 74% dos servidores manifestaram-se contrários à proposta, independentemente de alterações. Entre os servidores ativos, 51% foram contrários. Com esse mandato robusto da categoria, o sindicato tem mantido interlocução com parlamentares e membros do governo, alertando para os riscos que a PEC representa para a sociedade. Infelizmente, a Diretoria do BC interditou o diálogo com o sindicato, o que tem dificultado a construção de soluções conjuntas. Mesmo assim, o sindicato continua estudando e avaliando alternativas para enfrentar os problemas de orçamento e de falta de pessoal, mas entende que mudar a natureza jurídica e a institucionalidade do BC não é o caminho adequado.

CARLOS PEREIRA

Fonte: https://horadopovo.com.br/servidores-do-banco-central-pec-65-deixa-bancos-com-as-redeas-soltas/