Faltou ao governo Lula comunicar a herança que encontrou de Bolsonaro, avalia Sidônio Palmeira

Em entrevista concedida à newsletter Jogo Político, do jornalista Thiago Prado, publicada nesta quarta-feira (16) em O Globo, o publicitário Sidônio Palmeira — responsável pelas campanhas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — avaliou que o atual governo falhou ao não comunicar de forma clara à população a herança recebida da gestão anterior. Segundo ele, essa omissão dificultou a reconstrução da confiança popular e abriu espaço para a persistência da narrativa bolsonarista.

“Faltou ao governo Lula comunicar a herança que encontrou”, afirmou Sidônio, ao defender que a comunicação institucional precisa ser mais direta e combativa. Na avaliação do estrategista, o Planalto perdeu uma oportunidade importante de contextualizar os desafios enfrentados desde o início do mandato, especialmente em áreas como economia, saúde e educação.

O baiano Sidônio Palmeira foi o marqueteiro da campanha presidencial do petista, em 2022, contra Jair Bolsonaro, e, desde janeiro, comanda a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República.

A entrevista faz parte de uma série promovida por Prado, que ouviu diversos profissionais ligados à publicidade política, institutos de pesquisa e à formulação de estratégias eleitorais, num esforço para mapear o ambiente de disputa e as perspectivas para os próximos embates no Congresso e nas redes sociais.

Sidônio também criticou o que chamou de “vacilo” ao não disputar com mais intensidade a memória recente do país. Para ele, a ausência de uma narrativa forte sobre os danos deixados pelo bolsonarismo contribui para que parte do eleitorado siga desinformada ou presa a percepções distorcidas. “Temos que disputar o passado para poder explicar o presente”, defendeu.

A entrevista ainda abordou o papel do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), especialmente no caso da possível cassação do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Segundo Sidônio, a articulação de Lira mostra o peso do centrão na pauta política e a fragilidade de parlamentares alinhados à esquerda quando não contam com respaldo popular ampliado.

Com críticas e sugestões para a estratégia comunicacional do governo, a fala de Sidônio revela que, mesmo entre os aliados de Lula, há um entendimento de que é preciso disputar não apenas políticas públicas, mas também narrativas — especialmente em um ambiente polarizado e permeado por fake news.

Abaixo os principais trechos do bate papo com o ministro.

Foram muitas e variadas as razões apontadas pelos meus entrevistados para a queda da popularidade do presidente desde o fim do ano passado. Qual a sua explicação para o que aconteceu?

Acho que há duas questões estruturais e outras mais agudas de dezembro para cá. Primeiro, considero que hoje em dia há uma nova forma de comunicação com o advento das redes sociais, que traz aspectos positivos, mas também outros problemas como consequência. A extrema direita avança em vários países como Argentina, Estados Unidos, Polônia, Hungria, Itália etc. Há pessoas tatuando suástica com a maior naturalidade pelo mundo, e, enquanto isso, uma outra anomalia acontece: ódio e fake news estão engajando muito nas redes e dando dinheiro.

Reclamar que a direita só engaja porque espalha mentiras na internet não é uma espécie de ‘mimimi’ da esquerda, que também reproduz fake news no embate público?

Fake news é errado e tem que ser condenada independentemente de que lado esteja. Agora, um fato é que eles, da direita, são mais atuantes nas redes, e eu acredito que temos que fazer comunicação trabalhando com a verdade apenas. Até porque a verdade pode conquistar pessoas, basta ter criatividade. O segundo ponto que queria abordar é que, no Brasil, quando o governo assumiu, faltou comunicar qual herança encontrou. Como estava a educação? E a saúde? De que maneira enfrentamos a pandemia de um jeito caótico? Estivemos diante de um país destruído, com muitos programas encerrados. Havíamos retornado para o Mapa da Fome. Tudo na vida é uma questão de referência. Se você tem um copo que está pela metade, mas não diz que ele estava vazio antes, a metade vai ser considerada pouco.

E por que essa comunicação não foi feita?

Informação na ponta não depende apenas de comunicação, mas também da política. E aí tem uma questão que é muito importante ligada a três conceitos: expectativa, gestão e percepção. O ideal é que essas três coisas estejam alinhadas. A expectativa com relação ao presidente é alta até pelos governos anteriores que ele fez, especialmente o segundo mandato, entre 2007 e 2010, em que Lula saiu com mais de 80% de aprovação. A gestão também já tem entregas, o governo fez muita coisa nesses dois anos. Voltamos a ser a décima economia do mundo. Foram tiradas 24 milhões de pessoas da Fome, quase um estádio de futebol por dia. O Mais Médicos dobrou, o Pé de Meia é um programa que atinge milhões de jovens e tem uma porta de saída, não sendo apenas uma política pública inerte. Ainda falta a informação de tudo isso chegar na ponta para a percepção das pessoas mudar.

Em uma rápida fala com jornalistas no início do mês, o senhor disse que “todos os ministros têm responsabilidade na queda de popularidade do presidente” e ficou parecendo um puxão de orelhas na equipe…

Não foi puxão de orelhas, mas em um governo todo mundo tem responsabilidade, sim. Não acho que tenhamos que nos guiar pela popularidade, mas sim pela obrigação de informar bem para a população os serviços que estão sendo entregues. Popularidade será consequência.

Felipe Nunes, da Quaest, tem escrito sobre a tese do fim da gratidão do eleitor na relação com o estado e que programas como o Bolsa-Família seriam considerados mais do que obrigação dos governos…

Fim da gratidão? Olha, as pessoas querem saber quais são as entregas de um governo, o que está sendo feito, mesmo sendo a partir de retomadas de programas. Por exemplo, no caso do Bolsa-Família, que você citou. Foram 4,7 milhões de pessoas durante esse período do presidente Lula que deixaram o programa para conseguir um emprego. Isso mostra que o Bolsa-Família é um instrumento para tirar as pessoas da linha de pobreza. O Minha Casa, Minha Vida, agora vai atingir a classe média. O Farmácia Popular está com 100% dos remédios gratuitos com fralda geriátrica.Tudo isso é importante para o povo.

E quais foram os aspectos agudos de dezembro para cá que impactaram a popularidade do presidente que o senhor citou no início da entrevista?

A ausência do presidente devido ao acidente que teve, o aumento do dólar, a inflação de alimentos e a fake news do Pix. A conjunção desses fatores prejudicou.

No caso do Pix, recuar da medida não acabou dando razão aos argumentos da oposição?

Qualquer medida que envolva milhões de pessoas tem que ser bem comunicada para que a informação correta ocupe o espaço. Esta é a melhor forma de combater as fake news. Neste caso, a medida, que era positiva, não foi devidamente informada, e a mentira tomou conta. Ficou difícil correr atrás. Fazer o quê? Não teve jeito.

A língua do presidente, capaz de frases machistas como chamar de “mulherzinha” a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, também não acaba sendo um fator para a queda da popularidade?

Todo mundo que se comunica está sujeito a algumas situações. Ele não pode perder a naturalidade e o jeito dele ser. O presidente é o maior comunicador do governo.

Mas já é possível ver o Lula lendo mais discursos do que antes…

Em alguns momentos, pode-se ler um discurso, em outros pode falar de improviso. Tudo é comunicação. Vai depender do evento.

Como é falar sobre comunicação com um presidente que em outros tempos já disse que não lê jornal e que, hoje em dia, não tem um celular próprio?

O presidente é muito bem informado. Sobre o celular, eu mesmo se pudesse usaria menos, acho que utilizamos exageradamente como sociedade. Tem gente que passa o dia procurando notícia na rede social quando já leu tudo e acaba perdendo tempo.

Por que o senhor tirou uma aliada da primeira-dama Janja do comando das redes sociais do Planalto?

Entrei e fiz as mudanças que achei melhor. Quando você chega a um lugar, você monta uma equipe.

Alguns críticos do senhor chamam de antiquada a fórmula que tem sido usada desde janeiro para a comunicação governamental, com o aumento de pronunciamentos e de entrevistas a rádios locais, além de propaganda nas mídias tradicionais. Como responde a eles?

Antiquada? Só porque existe a internet hoje em dia, não vou trabalhar essas outras coisas? Pronunciamento é uma forma de comunicação, sim, assim como entrevistas e os chamados quebra-queixos. Cada um com a sua característica. O rádio mexe com a imaginação das pessoas, a TV tendo a imagem trabalha com a passividade da audiência, a rede social estimula a interatividade. Cada um tem o seu formato, e estamos trabalhando todos eles.

Os críticos também falam da dificuldade do governo na área da segurança pública, na comunicação com o segmento evangélico e com os microempreendedores. O que fazer?

A segurança pública é uma responsabilidade dos estados, e o governo federal tem que cuidar das fronteiras e da atuação da Polícia Federal. Mesmo assim, já há uma PEC da Segurança encaminhada para o Congresso Nacional, e o programa do governo chamado Celular Seguro é bem interessante. Sobre os evangélicos, considero que fazem parte de um grupo de brasileiros que sofre dos mesmos problemas que o cidadão comum. Ou seja, acho que o esforço tem que ser o de comunicar os serviços de maneira bem feita tanto para evangélicos quanto para católicos. Por fim, temos, sim, uma preocupação com quem é MEI e o pessoal de aplicativos. Programas como o Acredito, o Desenrola e agora o crédito consignado para o trabalhador são importantes.

O senhor criou o slogan “O Brasil é dos brasileiros”, e há uma clara iniciativa do governo de contraponto a Donald Trump, que vem funcionando pelo mundo como fator de recuperação de popularidade de governantes. Acha mesmo que o brasileiro médio está se importando com política?

Considero que as pessoas estão muito bem informadas no mundo de hoje, sim. A compreensão do governo é a de que é preciso ter reciprocidade caso haja taxação. Gostaríamos de ter uma saída negociada, ninguém ganha com isso, todo mundo perde.

O governo vai se envolver na questão da anistia aos acusados pelo 8 de Janeiro caso o projeto seja realmente votado no Congresso?

Essa é uma discussão do Congresso e do STF, não acho que seja uma questão para o governo, não.

Lula pode desistir de concorrer à reeleição no ano que vem?

É uma questão muito íntima dele, se vai concorrer ou não vai concorrer. Estou aqui para falar do governo, pensando na gestão apenas.

Quem da direita vai estar do outro lado da disputa, na sua opinião?

Não quero fazer análise disso, deixo para os outros comentarem. Mesmo porque a eleição de 2026 está muito longe, é cedo para isso. Fazendo uma analogia com o futebol, o jogo nem começou e já querem saber quem vai fazer o gol? Num jogo do seu Vasco, por exemplo, dá para dizer que é o (atacante Pablo) Vegetti que vai marcar na próxima partida? Se bem que lá não tem outro, né? A política é muito rápida e dinâmica. Quem estiver fazendo análise agora, vai errar. Eu não tenho bola de cristal.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/faltou-ao-governo-lula-comunicar-a-heranca-que-encontrou-de-bolsonaro-avalia-sidonio-palmeira/