Manaus (AM) – “Só mais uma, eu paro quando quiser”. É com frases como essa que muitos alcoólatras justificam o retorno à bebida, mesmo após diversas tentativas de parar. O alcoolismo, porém, vai muito além da força de vontade: envolve dependência física, fatores emocionais e falta de apoio, o que torna a recuperação um desafio difícil e, muitas vezes, solitário.
Enquanto países como Reino Unido, Austrália e Canadá registram queda no consumo de álcool entre jovens, o Brasil segue na contramão. Em algumas nações, o número de adolescentes que consomem bebidas alcoólicas caiu pela metade nos últimos 20 anos, segundo estudos internacionais sobre saúde pública.
No Amazonas, no entanto, a realidade preocupa. Um estudo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), publicado em fevereiro deste ano, apontou que 58% de 630 universitários entrevistados consomem álcool, e 65% começaram antes dos 18 anos. O levantamento alerta sobre a urgência de discutir o tema sob a ótica da saúde e da educação.
A pesquisa, que envolveu estudantes dos cursos de Medicina, Enfermagem, Odontologia e Educação Física, apontou, ainda, que mais da metade (51%) ingere álcool mais de quatro vezes por mês, com predomínio do consumo de cerveja (53%).
Apesar de 77% dos entrevistados afirmarem conhecer os danos que o álcool causa ao organismo, 68% relatou ter dificuldades para reduzir a ingestão. Esses dados apontam para uma relação preocupante dos jovens com o consumo de álcool, associada, em muitos casos, a problemas familiares (42%) e ao ambiente social, já que 83% costumam beber acompanhados, principalmente em bares (37%).
Vício e consequências do álcool
O alcoolismo é uma doença crônica. Mesmo com tratamento, recaídas são comuns e fazem parte da jornada. Algumas pessoas, porém, desistem após recaídas por se sentirem fracassadas ou sem esperança.
“Eu bebo porque eu gosto. Não consigo parar. A cachaça me dá força para continuar a vida”, relata Fernando* (nome fictício de um jovem que enfrenta o desafio de parar de beber), de 32 anos. Ao Portal Em Tempo, ele conta que começou a beber ainda na adolescência, e devido aos altos e baixos da vida encontrou no alcoolismo o refúgio para não pensar em problemas.
Fernando trabalha como carregador no Porto Manaus Moderna e relata que quando está sóbrio consegue cumprir o serviço, mas quando está sob o efeito do álcool chega a pedir alimentos para vender e sustentar o vício.
“Eu sempre peço comida para as pessoas. Ofereço por dois, três reais para outras que vão viajar e elas compram. Aí eu compro minha cachaça, cerveja. Já me deram café, frango, sal, qualquer coisa”. [E a sua família?] “Não quero saber deles, até me expulsaram [de casa]. Eu vivo por aqui, aqui é a minha casa”, relata.
Resistência
De acordo com a psiquiatra Jakhelyne Soares, há uma resistência entre os jovens às orientações de especialistas quando se trata em parar de beber. Inserido em grupos e muitas vezes sob efeito do álcool, o jovem passa a acreditar que está tudo bem, que “é coisa da idade”, reforçando uma falsa sensação de poder e independência.
“Essa é a verdade dele, e por isso ele não escuta. Mesmo quando os pais buscam ajuda profissional, é preciso que o trabalho envolva toda a família, porque só com o adolescente/jovem, o sucesso da intervenção já nasce comprometido”,
afirma a especialista.
Soares explica que, geralmente, o álcool é a porta de entrada para os vícios em entorpecentes.
“É muito comum ali por volta dos 13, 14 anos, esse jovem começar a experimentar o álcool. E tem todo aquele, geralmente é em grupo, então toda essa aprovação desse meio adulto, desse cara descolado, boa pinta. Os meninos tendem entrar mais cedo para beber do que as meninas. Então, tem aquele efeito grupal, sabe? Aquele prazer de estar no grupo, de ser aceito, e geralmente acompanhado de muita alegria, de muita festa, de muita autonomia, de eu sou poderoso aqui nesse momento. E dali é só uma entrada, porque inicialmente o álcool tem um efeito legal, e daqui a pouco já não é suficiente, ele precisa de mais, de mais, então vão começando a associar ao uso de entorpecentes, e isso vai por um caminho de dependência mesmo, de agravamento, quando a família percebe, às vezes, já está num momento em que já existe essa dependência instalada”,
pontua.
Onde buscar ajuda
No Amazonas há 67 grupos de apoio às vítimas que lutam contra ao alcoolismo, por meio do projeto Alcóolicos Anônimos, que nesta semana completou 50 anos de atuação no estado. Somente na capital há 45 grupos espalhados por todas as zonas da cidade, enquanto os demais polos estão espalhados pelo interior.
No setor público também se pode buscar ajuda. As ações são coordenadas pela Gerência de Políticas sobre Álcool e Outras Drogas (GPAD), por meio da Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM), responsável pela articulação, mobilização, viabilização de tratamento, além de orientação e encaminhamentos.
O Portal Em Tempo questionou a SES-AM sobre dados em relação ao alcoolismo na juventude, mas até a publicação desta matéria não houve retorno. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
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Fonte: https://emtempo.com.br/392579/amazonas/no-amazonas-65-dos-jovens-comecam-a-beber-alcool-antes-dos-18-anos-aponta-estudo/