O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) afirma que o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mostrou não ser Arthur Lira (PP-AL) na negociação para o encerramento da greve de fome que fazia havia oito dias.
Glauber passou a dormir na Câmara após o Conselho de Ética recomendar a cassação do seu mandato devido à agressão a um integrante do MBL (Movimento Brasil Livre).
Na quinta-feira (17), o psolista encerrou o protesto após Motta —que chegou ao cargo com apoio de Lira— assegurar uma pausa de 60 dias na tramitação do processo.
Em entrevista à Folha, a primeira após o fim da greve de fome, Glauber reafirmou as acusações contra o ex-presidente da Câmara dizendo que qualquer deputado sabe que ele está por trás de tudo. Lira sempre negou essas acusações.
Qual será sua postura daqui em diante?
A gente ainda ainda está finalizando [o recurso à Comissão de Constituição e Justiça, a ser entregue nesta terça-feira]. Daí vou procurar dialogar com aqueles deputados que queiram ouvir os argumentos que eu tenho a apresentar.
A gente vai continuar a mobilização com os movimentos, com a sociedade civil organizada. Tem, por exemplo, um ato na quinta-feira [24], no Rio de Janeiro.
Não tem mudança de tática, de rota. A minha ação que pode ser considerada mais dura dentro do Conselho foi em relação ao relator [Paulo Magalhães, do União Brasil da Bahia, que Glauber acusou de trabalhar a mando de Lira].
Eu procurei manter uma relação firme, algumas vezes dura, mas respeitosa. Agora, com o relator eu não tinha como não dizer de forma muito explícita quem era o responsável pela assinatura daquele relatório: Arthur Lira.
O sr. se arrepende de ter agredido o membro do MBL?
Um provocador vai ao seu encontro por sete vezes. Depois, dentro do Congresso Nacional, xinga a sua mãe da maneira mais baixa e mais rasteira. Minha mãe estava com Alzheimer já avançado e viria a falecer alguns dias depois.
Em condições parecidas, a sua reação seria diferente?
Mas um deputado não tem que ter um “couro” mais duro em relação a esse tipo de coisa?
Agressões, ataques com a presença da extrema direita mais dura no Congresso eu vivencio toda semana e já tenho um couro mais duro. Agora, quando mexeu especificamente com a vida e com a história da minha mãe, eu realmente não me aguentei.
Se emocionalmente essa é uma questão que eu tenho que trabalhar com mais profundidade, pode ser. Um parlamentar tem que ter uma maior compreensão e casca dura, é verdade, mas eu também sou um ser humano. E eu não deixo de ficar revoltado e ferido quando falam de uma pessoa que eu amo tanto e que estava incapaz de fazer a sua defesa.
O sr. chamou Lira, repetidas vezes, de bandido. Mantém essas afirmações?
O que acontece com o Orçamento secreto [a distribuição de emendas parlamentares mediante baixíssima transparência] é um escândalo de grandes proporções.
E quem diz que eu não preciso adjetivar, tudo bem. Vamos aos fatos. O que acontece no município de Rio Largo, em Alagoas, é um escândalo. O município que teve um ex-prefeito preso não sei quantas vezes. Que, num espaço de tempo curtíssimo, recebeu R$ 90 milhões do orçamento secreto.
Um município onde dinheiro do orçamento secreto foi pego depois de 200 saques na boca do caixa por empresas privadas num beco, a ser entregue ao prefeito. Isso não é banal.
Arthur Lira, em uma ligação que fez para o deputado José Rocha [União Brasil-BA], desviou do seu objetivo original na comissão [de Integração Nacional da Câmara] aproximadamente R$ 300 milhões para os fins buscados pelo Arthur Lira no seu projeto de poder em Alagoas.
Quais elementos o sr. tem para afirmar que Artur Lira está por trás da tentativa de cassar o seu mandato?Ele disse no plenário que ficaria muito feliz quando eu não mais ali estivesse. Depois ele dá uma entrevista e, quando o apresentador questiona os casos de violência por parte da extrema direita, ele fala: “Não é só da direita não, é da esquerda também”.
Então eu recebo informação de um deputado: “O relator [no Conselho de Ética] se encontrou com Arthur Lira e está pressionando ele para modificação do relatório”.
No dia da votação da admissibilidade [do processo], não deu outra.
Pergunte a deputados das mais variadas correntes ideológicas. Eles vão dizer o seguinte: “Não, o Glauber também é arestoso, briga com os deputados”. Mas quando você pergunta: “Mas isso seria motivo de cassação de mandato?” Todos eles vão dizer: “Não, não seria”. Todos vão te dizer que se trata do Arthur Lira. Para mim isso não é uma dúvida, é uma convicção.
Hugo Motta foi eleito graças a Lira. Como é que foi essa negociação com ele?
Sâmia [deputada da PSOL e esposa de Glauber] e Lindbergh [Farias, líder do PT na Câmara] iniciaram esse diálogo. E apareceu então a proposta de que eu pudesse suspender ou encerrar a greve de fome para, a partir daí, serem garantidos os instrumentos de defesa.
O que eu posso dizer é que ele cumpriu aquilo que foi pactuado com Sâmia e Lindbergh.
Em determinado momento, ele também teve a preocupação de que eu não saísse da greve de fome. Na reta final, eu com Lindbergh e Sâmia na minha frente, pedi o telefone e falei: “Presidente, eu não faria isso com Lindbergh e com Sâmia”.
O que eu tenho a dizer nesse exato momento, nesse episódio, é que ele deu a demonstração de que ele não é o Arthur Lira. Pode ter sido um candidato de continuidade, com os compromissos que tinham sido firmados com o Arthur Lira, mas a posição política que foi adotada por ele nesse episódio é diferente. Ele demonstrou que não é o Arthur Lira no comando da presidência da Câmara.
O que vem a partir daí, vamos esperar o desenrolar dos acontecimentos.
O sr. concorda com uma punição de advertência ou suspensão?
É uma avaliação que vai ser feita pelos parlamentares. O que eu posso dizer é que a cassação faz parte de um processo de perseguição política e é injusta.
Como foram os dias de greve de fome? Esperava a visita de tantos ministros [nove] do governo Lula?
Eu estava preparado para ficar uma quantidade de dias bem maior. Teve um único momento que eu balancei, quando deu uma alteração na taxa das enzimas do fígado. Poderia ser um episódio traumático para o meu filho e para a Sâmia. Mas eu me recompus.
Teve o acolhimento das mais diferentes pessoas, dos mais variados partidos. Por exemplo, um deputado do PP, o Fausto Pinato, que foi lá e disse: “Eu não voto a favor dessa cassação de jeito nenhum”. Agora, a força foi daquela militância, que todo dia estava ali fazendo atividade.
Evidentemente fiquei tocado e agradecido pela presença deles [ministros]. Eu tenho a certeza de que foi muito importante para a ampliação da repercussão do que estava acontecendo.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/hugo-motta-mostrou-nao-ser-arthur-lira-diz-glauber-braga-apos-terminar-greve-de-fome/