Acusado de mandar matar Marielle Franco, deputado Chiquinho Brazão. Foto: Zeca Ribeiro – Câmara dos Deputados
A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados determinou a perda de mandato de Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. A justificativa para a cassação, no entanto, não teve relação com o crime que chocou o país. A decisão teve como base a ausência do parlamentar em sessões legislativas.
Segundo o artigo 55 da Constituição Federal, o parlamentar pode perder o mandato ao “deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada”. Brazão não compareceu a 73 sessões no ano passado e, neste ano, já estava ausente em todas as 32 realizadas até o momento. Isso motivou a cassação imediata, que, por esse motivo, não exigiu votação em plenário.
A decisão foi assinada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, com apoio dos demais membros da Mesa Diretora, à exceção do 2º vice-presidente, Elmar Nascimento (União-BA). Não houve provocação de partidos políticos. O procedimento adotado gerou críticas por permitir que o deputado mantenha seus direitos políticos. Como apontado, “uma manobra, no entanto, justificou a cassação do deputado ‘por conta do número de ausências’ e não pela acusação de envolvimento no assassinato de Marielle Franco. Assim, os direitos políticos dele são mantidos”.
A deputada federal Talíria Petrone (PSOL) celebrou a saída de Brazão da Câmara, mas criticou os meios utilizados. Para ela, o fato de a decisão não ter sido levada ao plenário levanta questionamentos: “‘É fundamental que ele não exerça seu mandato, já que é acusado de compor milícia aqui no Rio de Janeiro, acusado de mandar matar nossa irmã Marielle. Ficam duas perguntas: uma, por que o deputado não vai ser cassado em plenário? Para que os aliados não coloquem suas digitais ali pela sua cassação ou para que sejam preservados os direitos políticos do parlamentar, já que ele não fica inelegível dessa forma?’”
Preso desde março de 2024, Chiquinho Brazão teve a prisão preventiva convertida em domiciliar por decisão do ministro Alexandre de Moraes, com base em laudo médico que aponta “delicada condição de saúde” e “alta possibilidade de sofrer mal súbito com risco elevado de morte”. A decisão judicial foi fundamentada em relatórios do presídio de Campo Grande, onde Brazão estava detido.
A investigação da Polícia Federal indica que o assassinato de Marielle teve motivação política e envolveu interesses fundiários em áreas controladas por milícias no Rio de Janeiro, contrariados pela atuação da vereadora. Além de Brazão, seu irmão, Domingos Brazão, conselheiro do TCE-RJ, e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do estado, também são réus e permanecem presos em unidades federais.
Apesar da cassação, a manutenção dos direitos políticos de Brazão frustrou parte da sociedade civil e familiares de Marielle. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou: “Apesar de ser um passo importante para a justiça e para a democracia brasileira, nos preocupou muito que as motivações por trás dessa cassação sejam apenas justificadas por faltas e não pela acusação de um possível envolvimento em um assassinato tão vil, tão cruel, como que foi o da Marielle do Anderson. A manutenção dos direitos políticos de quem mandou matar Marielle é um desrespeito com a sociedade e está exposto assim na nossa cara”.
O processo por quebra de decoro parlamentar, que havia sido aprovado no Conselho de Ética, tende agora a ser arquivado, pois perdeu “o objeto”, ou seja, a justificativa para sua existência. Se tivesse avançado no plenário, poderia tornar o deputado inelegível com base na Lei da Ficha Limpa. Agora, a única possibilidade de perda de direitos políticos está atrelada a uma condenação criminal no Supremo Tribunal Federal, cujo processo se encontra nas alegações finais.
A vereadora Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, também se manifestou em nota. Para ela, a decisão da Câmara pode representar um avanço, mas carrega preocupações quanto às motivações: ela questiona se os deputados “se acovardam diante da necessária cassação para preservar os direitos políticos de Brazão” e se a Câmara teria medo do parlamentar acusado.
Fonte: https://horadopovo.com.br/acusado-de-matar-marielle-brazao-e-cassado-mas-camara-nao-o-torna-inelegivel/