A cúpula das Forças Armadas decidiu manter distância das articulações políticas em curso no Congresso Nacional que buscam conceder anistia aos acusados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. Segundo apurou a Folha de S.Paulo com sete oficiais-generais e dois integrantes do Ministério da Defesa, há o temor de que um eventual perdão funcione como incentivo à quebra da disciplina e como prêmio a militares que atacaram seus próprios superiores.
A ordem entre os comandos militares é aguardar os desdobramentos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Legislativo antes de tomar medidas internas contra os militares que vierem a ser condenados. A avaliação dominante nas Forças é de que o devido processo legal, com direito ao contraditório e à ampla defesa, deverá levar à condenação de alguns oficiais, enquanto outros poderão ser absolvidos.
O foco de maior apreensão entre os altos comandos está na investigação de militares acusados de participar de reuniões com o tenente-coronel Mauro Cid, nas quais, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), teriam sido discutidas formas de pressionar os chefes do Exército que resistiam a aderir ao golpe.
Entre os acusados estão quatro militares que atuavam como auxiliares diretos de generais do Alto Comando e mantinham boa relação com seus superiores. No Exército, acredita-se que esses oficiais podem ser absolvidos ao fim do processo.
O receio na caserna, no entanto, é de que uma anistia ampla acabe favorecendo inclusive nomes mais diretamente implicados na conspiração. Um dos exemplos é o do general da reserva Mario Fernandes, acusado de planejar o assassinato de autoridades. Ele teria enviado mensagens com teor golpista ao então comandante do Exército, Freire Gomes, no fim de 2022. À época, qualquer sanção foi evitada por receio da reação do então presidente Jair Bolsonaro.
O perdão alcançaria ainda o general da reserva e ex-ministro Walter Braga Netto, que orientou ataques contra comandantes militares; o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, suspeito de ter monitorado o ministro Alexandre de Moraes em ação clandestina; e o coronel José Placídio dos Santos, condenado por incitar a insubordinação dentro do Exército.
Mesmo com posicionamento contrário à proposta de anistia, oficiais ouvidos admitem que consideram as penas aplicadas pelo STF aos envolvidos no 8 de Janeiro excessivamente altas. Como revelou a Folha, líderes do Congresso têm negociado com o Supremo mudanças na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, buscando reduzir as penas previstas para esse tipo de crime.
Nos primeiros meses do ano, os comandantes do Exército, general Tomás Paiva, e da Marinha, almirante Marcos Olsen, receberam os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), respectivamente. As reuniões foram tratadas como visitas de cortesia após os parlamentares assumirem os cargos.
Durante o encontro entre Tomás e Motta, ocorrido no Quartel-General do Exército, o general mencionou projetos de interesse da Força em tramitação no Congresso, como uma Proposta de Emenda à Constituição que trata da previsibilidade orçamentária. Já na visita de Alcolumbre à Marinha, a pauta foi a necessidade de investimentos, especialmente após o reconhecimento da ONU à ampliação do território marítimo brasileiro na Margem Equatorial — área próxima ao Amapá, rica em petróleo.
O ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, reconheceu o desconforto gerado entre os militares com o avanço das investigações e as revelações sobre a participação de membros das Forças em planos golpistas.
“O que a Justiça decidir, o que o Legislativo decidir, nós respeitamos. Evidentemente, o militar lamenta muito quando vê um colega indiciado. O primeiro sentimento é de constrangimento, e o segundo é de indignação, porque eles comprometeram a imagem de uma instituição que eles sabem que tem que ser preservada”, afirmou Mucio durante um almoço promovido pelo grupo Lide no dia 5 de maio.
Ao todo, a PGR denunciou 24 militares por envolvimento na trama golpista. Entre eles estão sete oficiais-generais do Exército e da Marinha, incluindo ex-comandantes como Almir Garnier (Marinha) e Paulo Sérgio Nogueira (Exército), além de generais de quatro estrelas como Augusto Heleno, Braga Netto e Estevam Theophilo.
Apesar da alta patente de alguns dos acusados, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, destacou na denúncia que o Exército foi alvo das articulações golpistas.
“É de ser observado que o próprio Exército foi vítima da conspirata. A sua participação no golpe foi objeto de constante procura e provocação por parte dos denunciados. Os oficiais generais que resistiram às instâncias dos sediciosos sofreram sistemática e insidiosa campanha pública de ataques pessoais, que foram dirigidos até mesmo a familiares”, escreveu Gonet.
Militares de diferentes patentes também estão entre os acusados de envolvimento nos ataques às sedes dos Três Poderes. Um dos já condenados é o suboficial da reserva da Marinha, Marco Antônio Braga Caldas, sentenciado a 14 anos de prisão.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/cupula-militar-rejeita-anistia-a-golpistas-e-teme-impacto-na-disciplina-das-forcas-armadas/