Governo Lula concentra verba de programa contra a seca em ONG ligada ao PT

Reportagem do jornal O Globo, publicada nesta quarta-feira (14), revelou que o governo federal destinou 85% dos recursos de um programa contra a seca a uma única Organização Não Governamental (ONG) comandada por filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT), legenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O convênio, no valor de R$ 640,1 milhões, foi firmado entre o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e a Associação Um Milhão de Cisternas para o Semiárido (AP1MC), entidade presidida por dois petistas filiados desde 1987.

O repasse faz parte da retomada do programa de construção de cisternas para famílias de baixa renda no semiárido brasileiro — uma das promessas de campanha de Lula. A parceria, celebrada em 2023, representa o maior volume já transferido pelo ministério a uma única organização desde a criação do programa, há 22 anos.

O Ministério do Desenvolvimento Social negou qualquer irregularidade e afirmou que a escolha da AP1MC obedeceu a critérios técnicos, como a experiência comprovada da entidade na área de atuação. “Vínculos político-partidários das organizações não foram considerados no processo”, frisou a pasta. Segundo a ONG, sua atuação já atendeu mais de 1,2 milhão de famílias, e o processo de seleção foi conduzido por meio de edital público, com regras de pontuação que priorizam instituições com histórico de trabalho semelhante.

Embora não execute diretamente as obras, a AP1MC repassa os recursos a entidades subcontratadas, que ficam responsáveis pela construção das cisternas em regiões específicas. De acordo com o levantamento do Globo, pelo menos 37 dessas subcontratadas são dirigidas por filiados ao PT e receberam, até o momento, R$ 152 milhões — o equivalente a 33,9% dos valores pagos à associação principal.

Entre os casos destacados, está a Cooperativa para o Desenvolvimento Rural e Sustentável da Agricultura Familiar do Piauí (Cootapi), que obteve R$ 9 milhões para construir 775 cisternas no estado. A cooperativa é comandada por dois ex-integrantes do governo do Piauí na gestão do hoje ministro Wellington Dias (PT), atual titular do MDS.

Também foram identificadas outras subcontratadas com laços com o partido. No Ceará, a Cooperativa Mista de Trabalho (Comtacte) foi contratada por R$ 4,6 milhões para atuar em cinco municípios, e no endereço oficial da entidade, segundo a reportagem, funciona apenas uma casa simples de alvenaria. Já em Pernambuco, R$ 6,4 milhões foram destinados ao Centro de Educação Comunitária Rural (Cecor), dirigido por uma ex-assessora de deputado estadual do PT.

Na Bahia, duas instituições controladas por ex-candidatos a vereador pelo PT também foram contempladas. Uma delas, o Instituto de Formação Cidadã, em Guanambi, recebeu R$ 3,4 milhões. Outro contrato de mesmo valor foi fechado com o Centro de Agroecologia do Semiárido, em Manoel Vitorino. Os responsáveis negaram que a filiação partidária tenha influenciado a contratação.

Auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em cisternas entregues entre 2020 e 2022 identificou que 31% das unidades apresentavam problemas como vazamentos, infiltrações ou rachaduras. A CGU também alertou para a concentração de recursos em uma única ONG, embora tenha reconhecido que os riscos “estão suficientemente controlados” dentro dos critérios adotados pela pasta.

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam dificuldades na fiscalização do modelo adotado, no qual a ONG principal subcontrata outras entidades sem que estas passem por seleção direta do ministério. Guilherme France, coordenador da ONG Transparência Internacional, defende maior rigor: “As exigências sobre as organizações que recebem recursos públicos deveriam ser maiores. Programas de integridade efetivos são fundamentais para evitar conflitos de interesse e ineficiência”.

Além do programa de cisternas, a reportagem lembra que o MDS já esteve envolvido em outra polêmica: o caso das “quentinhas invisíveis”. Em fevereiro, foi revelado que a pasta repassou R$ 5,6 milhões a uma ONG comandada por ex-assessor do PT para distribuir marmitas a pessoas em situação de vulnerabilidade, mas os alimentos não chegaram ao destino. Após a denúncia, os contratos foram suspensos e estão sendo investigados pela Polícia Federal, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela própria CGU.

O governo federal promete investir até R$ 1,5 bilhão no programa Água para Todos até 2026, com meta de atender mais de 100 mil famílias. Após assumir o ministério, Wellington Dias determinou uma revisão dos contratos firmados durante a gestão de Jair Bolsonaro e anunciou uma série de medidas de fiscalização. No entanto, os casos recentes reacenderam o debate sobre a transparência e os critérios para distribuição de recursos públicos no setor social.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/governo-lula-concentra-verba-de-programa-contra-a-seca-em-ong-ligada-ao-pt/