Manaus produz diariamente cerca de 2,4 mil toneladas de lixo, segundo dados da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp). Ao final de um ano, isso representa mais de 864 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos despejados no aterro sanitário da cidade. Um volume alarmante, que pressiona não só o meio ambiente, mas também expõe fragilidades na infraestrutura da coleta e no engajamento da população com práticas sustentáveis.
O acúmulo de resíduos tem impactos diretos na fauna, na flora e na qualidade de vida dos manauaras. Parte considerável do lixo descartado incorretamente acaba em igarapés e lixeiras viciadas, contribuindo para inundações, contaminação da água e proliferação de doenças. O problema vai além da limpeza urbana: trata-se de uma questão ambiental, social e de saúde pública.
Catadores: protagonistas invisíveis
A base da cadeia da reciclagem é formada por catadores de materiais recicláveis, que atuam na coleta, separação e encaminhamento dos resíduos que poderiam ser reaproveitados. Porém, apesar do serviço essencial que prestam, o grupo ainda enfrenta desvalorização e extrema vulnerabilidade social.
Lúcia Obando, representante da associação Catadores Filhos de Guadalupe, denuncia a invisibilidade e a precariedade enfrentadas por esses trabalhadores:
“Nós [catadores] fazendo um trabalho essencial para o município, para a sociedade, para o mundo, mas nós somos invisíveis. O nosso trabalho não é importante para ninguém. […] A gente não tem uma remuneração justa, hoje a gente não chega nem a tirar um salário mínimo, existem associações que estão tirando R$ 500 por mês, agora imagina sobreviver com menos de um salário mínimo, e a maioria dos catadores são mães de família”.
Além da baixa remuneração, há ainda a falta de infraestrutura e de políticas que integrem de fato esses trabalhadores à economia da reciclagem. Para o ativista ambiental George Di Pace, do projeto Reciclo Manaós, o maior obstáculo é logístico:
“Um dos maiores entraves dos catadores de materiais recicláveis é a logística para coleta desses materiais. Fazer com que os materiais saiam do consumidor para as fábricas. […] A separação dos materiais é feita de maneira equivocada, pois nem tudo que é reciclável tem reciclabilidade aqui em Manaus. Alguns materiais chegam às cooperativas, mas são descartados para o aterro por não ter mercado”.
George destaca ainda que, embora existam Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) em muitos supermercados, a adesão da população é pequena e a coleta seletiva não é plenamente funcional.
Crise dos resíduos

Ao Em Tempo, especialistas como Joice Pinho Maciel — Doutora em Engenharia Civil Resíduos — e Guilherme Schumacher Motta — Gestor Ambiental Técnico Químico — defendem que a cidade precisa urgentemente de um projeto estruturante para o gerenciamento descentralizado dos resíduos sólidos, com ações articuladas entre governo, setor privado, cooperativas e sociedade civil.
Eles alertam que, sem educação ambiental, economia circular e inclusão produtiva, o atual modelo linear de produção e descarte continuará agravando a situação:
“Mudar a forma e estratégia de como fazemos o gerenciamento é a chave, fomentando a economia circular nos bairros, contemplando a inclusão social e agregando valor, formando novos profissionais nesse setor e colocando as pessoas como protagonistas — os catadores/as e outros profissionais e moradores dos bairros nessas ações.”
Há ainda um apelo para que o Plano Municipal Integrado de Resíduos Sólidos Urbanos, atualmente desatualizado, seja revisado e disponibilizado para consulta pública. Sem ele, é impossível planejar e mensurar avanços na gestão dos resíduos.
Programas de logística reversa, como os desenvolvidos pela ANCAT, ABIHPEC, ABIVIDRO e PROLATA, têm colaborado, mas ainda são insuficientes frente ao volume gerado diariamente na cidade.
Ações da Semulsp

Para contribuir com a gestão de resíduos produzidos na capital amazonense, a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp) informou ao Em Tempo que mantém diversos programas voltados à melhoria do descarte de lixo:
- Coleta Seletiva Porta a Porta: realizada semanalmente em bairros de todas as zonas da cidade, com caminhões identificados que recolhem os recicláveis diretamente nas residências.
- Coleta Agendada de Grandes Objetos: serviço gratuito que coleta móveis, colchões e eletrodomésticos, mediante agendamento pelo canal Disque Limpeza.
- Pontos de Entrega Voluntária (PEVs): 44 unidades distribuídas em supermercados e centros comerciais, funcionando de segunda a sábado, das 7h às 22h, e domingos e feriados, das 7h às 18h.
- Crematório Pet Público: primeiro do Norte do país, para descarte digno de animais domésticos, localizado no bairro Compensa.
- Ecobarreiras: estruturas flutuantes instaladas em igarapés urbanos para reter lixo antes que chegue aos rios.
- Lixeiras Flutuantes: em comunidades rurais e indígenas, onde não há coleta regular, permitindo armazenamento temporário de resíduos.
- Disque Limpeza: canal direto para solicitar coletas, relatar descartes irregulares e receber orientações.
Como a população pode colaborar

A Semulsp reforça que a participação dos cidadãos é fundamental para o sucesso das ações públicas:
- Separar corretamente recicláveis (plástico, papel, metal e vidro) do lixo comum e orgânico.
- Utilizar os PEVs ou aguardar a coleta seletiva nos bairros.
- Agendar o recolhimento de grandes objetos pelo Disque Limpeza, evitando o descarte nas ruas ou igarapés.
- Evitar o descarte em corpos d’água e respeitar os ecossistemas da Amazônia.
- Colocar o lixo doméstico na rua apenas no horário próximo à coleta.
Sem educação ambiental, valorização dos catadores e coleta seletiva eficiente, Manaus seguirá em uma crise silenciosa de acúmulo de lixo.
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Fonte: https://emtempo.com.br/400229/amazonas/desafio-ambiental-com-descarte-anual-de-864-mil-toneladas-de-lixo/