SP: Vereadores ignoram decisão da Justiça e aprovam autorização para privatizar a Sabesp

Bancada de Nunes aprovou projeto que autoriza entrega da Sabesp ao “mercado” à revelia da decisão do Tribunal de Justiça que impedia a votação. Mais de 60% dos paulistanos também são contrários à privatização

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta quinta-feira (2), em segundo turno, o projeto que autoriza a capital a aderir à privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). A entrega da maior empresa de saneamento da América Latina foi permitida com 37 votos favoráveis e 17 contrários.

O pleito ocorreu a toque de caixa. O prefeito Ricardo Nunes mobilizou sua base na Câmara para fazer passar o PL. Em troca do apoio à privatização da Sabesp, Nunes espera o apoio de Tarcísio à sua candidatura nas eleições municipais deste ano. Tamanha a pressa para a entrega do patrimônio do povo para o “mercado” que Ricardo Nunes sancionou o projeto menos de duas horas depois da votação.

O projeto de lei 163, de 2024, altera a legislação municipal e autoriza a capital paulista a aderir à privatização da Sabesp. A atual legislação municipal entre a capital e a Companhia, a lei 14.934, de 2009, determina que, caso a empresa seja transferida para a iniciativa privada, o teor da norma é automaticamente anulado. Por isso, para que o serviço de saneamento básico da cidade continue sendo prestado pela gestão que assumirá a Sabesp, é preciso uma nova lei, no caso, a que foi aprovada hoje.

Na prática, a decisão da Câmara cumpre uma etapa que abre o caminho para que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) leve adiante o plano de privatização da companhia, que já foi aprovado pela Assembleia Legislativa do estado (Alesp) em dezembro.

A votação aconteceu a revelia da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que condicionava a realização da segunda votação, à realização “de todas as audiências públicas já agendadas e de outras, se forem necessárias, submetendo a todos os interessados acesso amplo ao projeto substitutivo, suas informações e o devido estudo de impacto Orçamentário”.

De acordo com a juíza Celina Kiyomi Toyoshima, “pela decisão acima fica claro que não poderá ser feita a segunda votação do projeto em comento, sem que cumprido o determinado acima”.

A Câmara, porém, alega que as condições foram atendidas e não viu necessidade de aguardar a autorização judicial para concluir o processo. Segundo a Casa, o laudo de impacto orçamentário – de quatro páginas – foi enviado pelo secretário da Casa Civil, Fabrício Cobra Arbex, ao presidente da Câmara, na última sexta-feira (26), e peticionado no processo.

Leia mais: TJ-SP mantém suspensa privatização da Sabesp, mas Câmara dos Vereadores insiste em votação do projeto

No fim da tarde, com a votação em curso, o Ministério Público de São Paulo se manifestou dizendo que a decisão do TJSP significava que a votação do projeto estava suspensa.

O MP-SP também solicitou ao judiciário que determine a intimação da Câmara no prazo de 48 horas para prestar “esclarecimentos técnicos sobre o estudo de impacto orçamentário relacionado ao Projeto de Lei nº 163/2024 e seu substitutivo, demonstre que foram prestadas as informações ao TCM – Tribunal de Contas do Município”.

Para a Defensoria Pública, autora da ação que gerou a decisão da juíza Celina, a tutela de urgência foi descumprida. “Resta claro que o mecanismo participativo de audiência pública, da forma como foi oferecido, foi completamente insuficiente para problematizar o debate social apresentado: o modo com que foi realizado foi restritivo em acesso, limitado no acesso a informações, sem apresentação de estudos orçamentários, indicando que não passou de mera formalidade para aprovação de um projeto de lei polêmico, sem a devida participação popular.”

“Portanto, entende-se que a tutela de urgência emanada por este Juízo foi descumprida, reiterando-se o pedido de impedimento de qualquer votação do Projeto de Lei, até que sejam apresentados estudos de impacto orçamentário, oferecendo-se todas as informações necessárias de forma acessível e com antecedência da realização da audiência pública”, diz manifestação da Defensoria.

Foto: Richard Lourenço/Rede Câmara

A SESSÃO

A sessão foi marcada por tensão entre apoiadores e opositores do projeto. Mais de 200 pessoas participaram da votação nas galerias, entre elas muitos contrários à privatização, sindicalistas e movimentos sociais, mas também comissionados dos gabinetes da base de Nunes para defender a entrega da Sabesp. Do lado de fora da Câmara, centenas de paulistanos, impedidos de acompanhar a sessão, aguardavam o resultado.  

Cidadãos presentes na galeria da Câmara gritavam contra o projeto, palavras de ordem como: “O MILTON LEITE, PRESTE ATENÇÃO, A JUSTIÇA SUSPENDEU A VOTAÇÃO”.

Sob os gritos, pelo menos dois manifestantes contra o projeto foram retirados da galeria pela Guarda Civil Municipal após o presidente da Casa, Milton Leite (União Brasil), se irritar com as palavras de ordem que eram gritadas durante o discurso do vereador Rubinho Nunes (União Brasil).

O clima já havia sido esse pela manhã, quando ocorreu a última das oito audiências públicas previstas antes da votação em plenário. Foram mais de três horas de audiência, com embates entre manifestantes e parlamentares oposicionistas à privatização contra a base do governo. Agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) estavam presentes no local.

“A luta contra a privatização da Sabesp continua. O que está acontecendo hoje aqui na Câmara é absurdo! Milton Leite, presidente da Câmara, dá mais um golpe no povo de São Paulo. Mas nós vamos continuar mobilizados”, afirmou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema) José Fagian

A entidade teme a reprodução de aumentos abusivos na conta de água, a exemplo de como ocorreu no Rio de Janeiro após venda da Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro (Cedae). “O Procon-RJ indicou que há denúncias de que um usuário que pagava antes da privatização R$ 144, passou a pagar com a privatização R$ 1.307. Outro caso foram as denúncias de moradores de condomínios. O Procon-RJ indica que há situações em que os aumentos foram de R$ 20 mil para R$ 80 mil por mês”, observam os movimentos.

Importante destacar também, que a maior parte da população é contra privatização da Sabesp, indica pesquisa. Levantamento divulgado no último dia 15 pela Quaest apontou que 52% dos eleitores do estado de São Paulo são contra a transferência do controle acionário da empresa — e 36%, a favor. Na capital, a disparidade é ainda maior: são 61% contra a privatização e 29% a favor.

Contra a aprovação do projeto, a vereadora Luna Zarattini (PT-SP) disse que a privatização será uma perda irreparável para São Paulo. “Mais um descaso e retrocesso sendo votado. Me entristece ver o que a gente está fazendo hoje, essa privatização vai marcar um enorme retrocesso, uma perda irreparável para São Paulo. Isso vai manchar a história da câmara. Esse processo foi atropelado, sem escuta. A privação é um crime contra o povo porque não tem a garantia das taxas baixas, qualidade da água e do abastecimento”, disse.

Quem também se posicionou contrariamente ao projeto foi o vereador Eliseu Gabriel (PSB). O parlamentar elencou alguns itens que, segundo ele, trazem riscos à cidade. Entre os pontos, Eliseu afirmou que a privatização representa prejuízo, pois “o serviço vai piorar e a tarifa vai aumentar”. Ele também disse que ao aderir à concessão, o “município perde a sua autonomia na hora que não existe mais amortização dos recursos, assim como existe no contrato atual”.

GOVERNO PROMETE REDUZIR TARIFA EM 1%, APÓS AUMENTAR 16%

Embora o governo paulista tenha afirmado logo depois do 1º turno na Câmara de SP que já estava autorizada a redução de 10% na conta de água para os paulistas, na prática, essa redução vale para 959 mil usuários de baixa renda, ou seja, somente 7,41% dos clientes da empresa.

A Sabesp possui quase 12,9 milhões de clientes no Estado. Desse total, 403 mil são considerados em situação vulnerável e 555 mil, ou seja, beneficiários da tarifa social.

Esses dois grupos serão contemplados com a redução de 10% na conta anunciada por Tarcísio, enquanto o restante, 11,09 milhões de clientes (92,6% do total), receberão 1% de redução na conta, no caso de usuários residenciais, e 0,5% para usuários comerciais e industriais.

Além disso, enquanto orquestra a privatização da maior empresa de saneamento do país, Tarcísio, ainda, autorizou um novo aumento na tarifa.

As tarifas da Sabesp serão reajustadas em 6,5% a partir do dia 10 de maio. Este é o segundo aumento acima da inflação num intervalo de um ano. Em maio de 2023, o governo Tarcísio autorizou o aumento de 9,56% nas contas de água cobradas em São Paulo

BATALHA NA JUSTIÇA

Parlamentares da oposição prometem recorrer à Justiça contra o projeto de lei, mirando especialmente contra o que seria o estudo enviado pela prefeitura à Câmara Municipal, considerado insuficiente para se fazer cumprida a decisão judicial.

A Sabesp é uma estatal estadual. O governo do Estado detém 50,3% das suas ações. Com a privatização, deixaria de ser o acionista majoritário, ficando com uma porcentagem menor –de 15% a 30%.

Além da capital paulista, a empresa opera em 375 municípios do Estado de São Paulo e atende a cerca de 29 milhões de clientes.

Além da venda da empresa com os seus ativos, o leilão incluirá a concessão dos serviços públicos de saneamento nas 375 cidades já atendidas por 35 anos.

A expectativa de Tarcísio e Nunes é que o leilão da Sabesp aconteça ainda neste ano.Na sexta-feira (3), Tarcísio deve reunir 110 prefeitos de municípios do interior do estado para discutir a privatização.

Como votaram os deputados

Os vereadores dos partidos que compõem a base do governo Ricardo Nunes, Republicanos, PSD, Novo, Podemos, MDB, PL, União Brasil e PP, votaram a favor da privatização da estatal.

Enquanto os vereadores da oposição, PT, PSOL, PSB e PV, foram contrários ao projeto de lei. Adilson Amadeu (União Brasil) foi o único que não participou da votação.

Votaram SIM

  1. Atílio Francisco (Republicanos)
  2. Aurélio Nomura (PSD)
  3. Carlos Bezerra Júnior (PSD)
  4. Coronel Salles (PSD)
  5. Cris Monteiro (Novo)
  6. Danilo do Posto (Podemos)
  7. Dr. Milton Ferreira (Podemos)
  8. Dr. Nunes Peixeiro (MDB)
  9. Dra. Sandra Tadeu (PL)
  10. Edir Salles (PSD)
  11. Eli Corrêa (União Brasil)
  12. Ely Teruel (MDB)
  13. Fábio Riva (MDB)
  14. Fernando Holiday (PL)
  15. George Hato (MDB)
  16. Gilberto Nascimento (PL)
  17. Gilson Barreto (MDB)
  18. Isac Felix (PL)
  19. Janaína Lima (PP)
  20. João Jorge (MDB)
  21. Jorge Wilson Filho (Republicanos)
  22. Major Palumbo (PP)
  23. Marcelo Messias (MDB)
  24. Marlon Luz (MDB)
  25. Milton Leite (União Brasil)
  26. Paulo Frange (MDB)
  27. Ricardo Teixeira ((União Brasil)
  28. Rinaldi Digilio (União Brasil)
  29. Rodrigo Goulart (PSD)
  30. Rubinho Nunes (União Brasil)
  31. Rute Costa (PL)
  32. Sandra Santana (MDB)
  33. Sansão Pereira (Republicanos)
  34. Sidney Cruz (MDB)
  35. Sonaira Fernandes (PL)
  36. Thammy Miranda (PSD)
  37. Xexéu Tripoli (União Brasil)

Votaram NÃO

  1. Alessandro Guedes (PT)
  2. Arselino Tatto (PT)
  3. Celso Giannazi (PSOL)
  4. Dr. Adriano Santos (PT)
  5. Elaine do Quilombo Periférico (PSOL)
  6. Eliseu Gabriel (PSB)
  7. Hélio Rodrigues (PT)
  8. Jair Tatto (PT)
  9. João Ananias (PT)
  10. Jussara Basso (PSB)
  11. Luana Alves (PSOL)
  12. Luna Zarattini (PT)
  13. Manoel Del Rio (PT)
  14. Toninho Vespoli (PSOL)
  15. Roberto Tripoli (PV)
  16. Senival Moura (PT)
  17. Silvia da Bancada Feminista (PSOL)

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