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Um relatório técnico produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Ministério Público Estadual (MPRN) expôs fragilidades na gestão de pessoas e na oferta de formação continuada para educadores de escolas da rede pública potiguar.
O estudo faz parte do projeto integrado “Observatório de Políticas Públicas” e avaliou seis escolas das cidades de Natal e Macaíba, além de duas da rede estadual, com foco na alocação de profissionais, qualificação docente e apoio às equipes gestoras.
O documento compõe um conjunto de cinco relatórios sobre análise de gestão escolar na rede pública do RN. Assinam o texto pesquisadores do Laboratório de Orçamento de Políticas Públicas (Lopp), da UFRN, e do Instituto de Políticas Públicas (IPP), do MPRN.
Segundo o relatório, há “escolas que sofrem com um déficit de pessoal, incluindo professores e coordenadores pedagógicos, impactando a qualidade do ensino”.
As unidades avaliadas não foram identificadas, segundo os pesquisadores, “visando a proteção dos dados e dos respondentes”. O objetivo é evitar constrangimentos e possíveis represálias, já que o estudo também abordou outros assuntos, como eventuais práticas de assédio nas escolas.
Em uma das unidades avaliadas da rede estadual, os gestores relataram um quadro insuficiente, com apenas 70 educadores para atender à demanda, sendo que 16 deles são temporários e vários se encontram afastados por licença médica.
Em outra escola, também da rede estadual, foi apontada a ausência de coordenador pedagógico, mesmo com a existência de profissional qualificado entre os professores. A equipe gestora contava com apenas três membros e relatou “sobrecarga de trabalho” e necessidade de maior suporte por parte da Secretaria Estadual de Educação (Seec).
Formação continuada
A formação continuada dos profissionais da educação também foi alvo de críticas recorrentes no levantamento. Os entrevistados afirmaram que as capacitações oferecidas pela rede estadual são pouco frequentes, mal planejadas e descoladas das necessidades reais das escolas. “A Secretaria Estadual de Educação (Seec) realiza capacitações, com baixa frequência durante o ano, e para abordar de forma superficial temáticas mais relacionadas à escola”, diz o documento sobre a realidade de uma das escolas.
De acordo com os professores ouvidos, os conteúdos ofertados nas formações “não são considerados no planejamento das atividades e na programação de capacitações ofertadas”, o que compromete a efetividade do processo de aperfeiçoamento.
Um dos relatos mais contundentes veio de um professor da rede estadual: “A Seec não faz uma formação. Faz eventos, reuniões. Em que as pessoas falam sobre seu setor em 20min (…). Qualificação, formação continuada não ouço.”
A baixa adesão às formações também está ligada aos horários conflitantes com a carga de trabalho dos professores, muitos dos quais atuam em mais de uma escola ou rede de ensino. “Nem sempre é possível participação nos cursos pelos horários em que são ofertados, pois a maioria de nós não trabalha em regime de dedicação exclusiva”, relatou outro professor. A dificuldade é agravada pela inexistência de locais próprios para a realização das capacitações, muitas vezes centralizadas em Natal e longe do interior do Estado.
Em uma escola visitada, os dados também indicaram uma percepção negativa quanto à eficácia das formações para os gestores. As capacitações têm sido organizadas como reuniões administrativas, com foco em prestação de contas e burocracia, deixando de lado aspectos fundamentais da prática pedagógica. “O conteúdo trabalhado nas atividades de formação continuada não considera as dificuldades concretas de um gestor escolar”, aponta o texto.
Nas escolas da rede municipal de Natal, embora haja oferta estruturada de formações — com relatórios e cronogramas apresentados —, também foram encontradas lacunas na participação e na efetividade das atividades. Em uma das escolas, por exemplo, os gestores elogiaram a frequência das formações, mas criticaram o formato expositivo e a ausência de planejamento anual. Docentes relataram que “os cursos são repetitivos e em alguns momentos não atendem as demandas”.
Rotatividade de professores
Outro problema verificado foi a alta rotatividade de educadores em algumas escolas. Em uma escola da rede municipal, em dois anos, seis educadores infantis passaram por apenas duas turmas, dificultando a continuidade pedagógica. A reposição de professores, segundo os gestores, nem sempre é realizada pela Secretaria em tempo hábil.
A análise revelou ainda falhas no acolhimento de novos professores. Em ambas as redes, estadual e municipal, professores relataram não receber orientações adequadas ao tomar posse. Em uma escola estadual, apenas três afirmaram ter recebido informações suficientes da Secretaria para iniciar suas atividades. Durante o estágio probatório, poucos participaram de ações formativas estruturadas.
Avaliação expõe urgência em rever políticas de pessoal e formação
Na conclusão do estudo, os pesquisadores foram categóricos: é preciso rever profundamente as políticas de gestão de pessoas e formação continuada. A análise, segundo o estudo, revelou não apenas a falta de planejamento, mas também a ausência de medidas estruturadas para enfrentar desafios crônicos como o déficit de pessoal e a baixa efetividade das capacitações docentes.
Entre as principais recomendações, está a implantação de um plano de reposição de pessoal baseado em diagnósticos anuais, que permita às redes antever as necessidades de contratação e minimizar os impactos das ausências por doença ou licenças. O relatório sugere que a reposição “deve ser viável e articulada com mecanismos de correção e adequação, mapeando as ausências das equipes pedagógicas, gestores, servidores e docentes”.
Outro ponto crítico é a baixa participação dos professores nas formações continuadas, muitas vezes por falta de planejamento adequado. Para enfrentar isso, os pesquisadores propõem que as secretarias elaborem um “Levantamento de Necessidades de Capacitação” anual, que contemple temas, metodologias e formatos que dialoguem com os desafios concretos enfrentados nas escolas. Também é recomendada a criação de um cronograma unificado e divulgado com antecedência, a fim de facilitar a adesão dos profissionais.
Além disso, destaca-se a urgência de reavaliar os formatos atuais das formações oferecidas, muitas delas realizadas de forma meramente expositiva e sem conexão com a realidade escolar. “É fundamental alinhar o conteúdo das formações às demandas reais das escolas e aferir sua efetividade”, alertam os pesquisadores, que propõem ainda a aplicação de avaliações pós-formação para medir o impacto das atividades.
Na área de gestão de pessoas, o documento cobra a valorização dos diretores escolares, muitas vezes sobrecarregados com tarefas administrativas e sem espaço para exercer a liderança pedagógica. Os autores sugerem a criação de uma “Escola de Diretores”, com conteúdo formativo permanente voltado ao desenvolvimento profissional e ao fortalecimento da função de liderança escolar.
Por fim, o relatório enfatiza que as medidas precisam ir além de boas intenções e se traduzirem em ações concretas. “Gestão escolar também envolve gestão pedagógica, como efeito cruzado entre os dados e indicadores tanto do clima escolar, da gestão de processos e do desempenho dos alunos”, concluem os autores, reforçando que os achados devem servir de base para a construção de políticas públicas mais eficazes e sintonizadas com a realidade das escolas potiguares.
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Fonte: https://agorarn.com.br/rn/relatorio-inedito-expoe-deficit-de-pessoal-e-falhas-na-formacao-de-professores-em-escolas-do-rn/