Maria Fátima Muniz de Andrade, do povo Pataxó, foi assassinada no sul da Bahia – Foto: LEO OTERO/MPI
Investigado pela Polícia Federal por suspeita de formação de milícia, o Movimento Invasão Zero defende uma “autodefesa armada” e ensina como realizar ataques contra vulneráveis sem gerar provas. O movimento fascista recebe apoio de parlamentares da extrema direita e intensifica ofensiva contra a reforma agrária. As informações são da agência de jornalismo investigativo Repórter Brasil.
Em 2024, a violência no campo atingiu níveis alarmantes e foi marcada pela ofensiva organizada do grupo autodenominado Invasão Zero. Formado por grandes proprietários rurais com apoio de milícias privadas, policiais militares e lobbies agronegócios, o grupo se espalhou por diferentes estados brasileiros, articulando ações violentas e práticas paramilitares em territórios ocupados por indígenas, sem-terra e quilombolas.
De acordo com o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o número de pessoas envolvidas em conflitos por terra no país foi de 904 mil em 2024 — um aumento de mais de 100 mil em relação a 2023, apesar da ligeira queda no número total de conflitos em si. Do total de 2.185 casos registrados, 1.624 envolviam violência direta — despejos forçados, ameaças, destruição de propriedades e assassinatos —, com fazendeiros identificados como responsáveis por 44% dessas agressões.
O Invasão Zero ganhou contornos de milícia rural. Especialistas ouvidos por veículos como “Brasil de Fato” apontam que o grupo age fora da lei, organizando fazendeiros em redes de WhatsApp, empregando armas de fogo e contando com apoio velado de agentes públicos . Em resposta ao evento anual chamado “Abril Vermelho”, promovido pelo MST, o Invasão Zero lançou sua cartilha do “Abril Amarelo”, incentivando a mobilização de produtores para enfrentar ocupações sem intervenção estatal.
O episódio mais emblemático da atuação violenta ocorreu em 21 de janeiro de 2024, quando Maria de Fátima Muniz, conhecida como Nega Pataxó — líder espiritual da comunidade Pataxó Hã Hã Hãe — foi assassinada por fazendeiros vinculados ao Invasão Zero, com suspeita de apoio da polícia, enquanto a comunidade retomava uma fazenda considerada ancestral . O crime inaugurou o ano de 2024 e escancarou a estratégia da milícia de criminalizar ocupações, intimidar comunidades e empunhar a arma do Estado paralelo no campo.
Desde então, ambientes de conflitos crescentes surgem em diversos estados: Bahia, Maranhão, Goiás, Espírito Santo, Pará, Pernambuco, além de suspeitas sobre ações coordenadas em Mato Grosso, Sul, Ceará e Santa Catarina . Um levantamento da CPT aponta que indígenas foram alvo em 29% dos casos, sendo o grupo mais vulnerável, seguidos por posseiros (25%), quilombolas (13%) e sem-terra (11%).
Especialistas e procuradores do Ministério Público Federal alertam que o Invasão Zero reúne características de organização criminosa ou milícia rural. O MPF reforçou que suas ações podem configurar crime organizado, dada a coordenação com segurança privada e agentes estaduais.
Ainda que o governo federal tenha intensificado operações ambientais como a “Guardiões do Bioma”, com esforços da Polícia Federal, Forças Armadas e IBAMA para coibir invasões ilegais, a resposta à violência política rural tem sido insuficiente diante da escalada — reforçada pela ausência de punições e pela lentidão do sistema judicial.
O alerta também chegou à ONU (União das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos). Em abril de 2024, a ONU recebeu queixa da organização Justiça Global, requerendo investigação e desmantelamento do Invasão Zero como milícia armada rural que ameaça defensores de direitos humanos, ativistas e povos indígenas.
Analistas destacam que essa sofisticada estrutura de violência não opera isolada, mas em simbiose com interesses políticos. Diversos parlamentares ligados ao agronegócio endossam legislações que criminalizam ocupações, como o marco temporal para demarcações indígenas — um claro fortalecimento institucional da violência no campo.
Em meio a um quadro em que o campo se torna palco de conflitos armados, a sociedade se vê confrontada por dilemas urgentes: a luta entre o direito à terra, garantido pela Constituição e por tratados internacionais, e uma organização privada que se arma contra ele. A Nega Pataxó se tornou um símbolo dessa resistência, mas sua morte ecoa como sinal de que, sem uma resposta contundente do Estado, o regime de violência continuará a avançar.
Fonte: https://horadopovo.com.br/invasao-zero-como-milicias-rurais-ensinam-taticas-violentas-contra-indigenas-e-sem-terras/