A retirada do sigilo do inquérito da investigação sobre a “Abin Paralela” pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, nessa quarta-feira (18/6), revelou detalhes sobre o suposto uso clandestino da estrutura pública para a proteção de filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A derrubada do sigilo foi argumentada por Moraes como algo necessário para evitar a circulação de informações inadequadas sobre as apurações, uma vez que houve vazamentos pontuais.
A “Abin Paralela” é descrita na investigação como uma organização que teria feito uso da estrutura institucional da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para proteção de aliados e perseguição a opositores da família Bolsonaro. O serviço de espionagem clandestina foi realizado por meio do software de inteligência israelense First Mile, adquirido ainda durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
As apurações da Polícia Federal (PF) revelam exemplos de supostas ações da “Abin Paralela” em favor de Jair Renan, Flávio Bolsonaro e Carlos Bolsonaro, três dos filhos do ex-presidente. As medidas apontadas pelos investigadores vão desde ações para atrapalhar o trabalho da PF à perseguição de servidores da Receita Federal. O inquérito resultou no indiciamento de 34 pessoas.
O que a PF diz sobre a “Abin Paralela”
- A “Abin Paralela” teria sido uma organização estruturada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro para proteção de aliados e perseguição de adversários e opositores.
- Um grupo de policiais e militares cedidos para a estrutura institucional da Abin atendiam a ordens específicas para atingir os objetivos do clã.
- Um dos principais meios de atuação foi o uso da ferramenta First Mile, desenvolvida em Israel.
- O First Mile tinha, entre outras funções, a possibilidade de monitorar deslocamentes e encontros dos espionados.
Embora o ex-presidente Bolsonaro não seja um dos indiciados, ele é apontado na investigação como “principal destinatário” de “ações clandestinas” e da “instrumentalização” da “Abin Paralela”.
“Os eventos destacados ao longo da investigação ainda demonstram que as ações eram realizadas para obtenção de vantagens precipuamente do núcleo político. As ações clandestinas, portanto, tinham seus produtos delituosos destinados ao interesse deste núcleo com ataques direcionados a adversários e ao sistema eleitoral, dentre outros”, destaca a corporação.
Carlos Bolsonaro
O vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), um dos 34 indiciados pela PF, aparece com destaque no inquérito. Ele é apontado como destino principal e “beneficiário direto” das informações coletadas de forma ilegal. Essas informações, conforme o relatório, incluía dados sobre investigações em curso que pudessem atingir o núcleo político ou familiar. “Tanto que sua assessora Luciana de Almeida solicitou para Ramagem ajuda em inquéritos ‘Envolvendo PR e 3 filhos’”, afirma a investigação.
Ao vereador do Rio, também é creditada a idealização da estrutura clandestina que seria formada por um delegado e três agentes. Carlos, segundo a PF, é uma das figuras centrais da suposta organização criminosa. Ele seria o articulador da desiniformação contra o sistema eleitoral, uma das bandeiras de Jair Bolsonaro, que afirmava, sem provas, ser possível fraudar a apuração de votos no Brasil.
Contrainteligência para proteger Renan Bolsonaro
O relatório da PF cita como exemplo, ainda, uma suposta interferência da “Abin Paralela” em uma investigação da própria corporação, que apurava a suspeita de que Jair Renan Bolsonaro teria atuado para favorecer “o interesse de empresários” de uma companhia que opera no ramo da construção civil. A organização privada, diz o inquérito, almejava participação em projetos de casas populares no Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
Os investigadores da PF queriam comprovar o vínculo de Jair Renan com os tais empresários. O filho do ex-presidente teria recebido um veículo elétrico dos executivos “como pagamento pela intermediação de seus interesses em órgãos públicos”. Conforme a PF, a premissa investigativa teve de ser abandonada durante a apuração por causa de uma interferência “desastrosa” da “Abin Paralela”. Policiais cedidos à agência estariam seguindo ordens do então diretor da Abin, hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
A Polícia Federal desejava obter a prova de propriedade do veículo de Jair Renan. Para isso, os investigadores passaram a acompanhar os passos do ex-sócio dele, Allan Gustavo Lucena Norte, que faria uso do veículo no dia 16 de março de 2021, conforme especificado no relatório. Consta no inquérito, no entanto, que o policial federal Luiz Felipe Barros Feliz, atuando pela Abin, teria feito uma diligência de vigilância a Allan Gustavo.

A ação assustou o investigado, que acionou a Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF) e se dirigiu até uma delegacia da Polícia Civil (PC-DF) para registrar o fato. O policial a serviço da Abin fugiu após se identificar aos PMs. A ação de Luiz Felipe acabou por frustrar o trabalho dos investigadores da PF. O inquérito aponta que a vigilância do policial federal a serviço da “Abin Paralela” era de conhecimento de Ramagem.
“A ação de contrainteligência realizada para neutralizar a investigação da Polícia Federal foi determinada pelo Gabinete de Segurança Institucional do Palácio do Planalto, chefiado pelo General Augusto Heleno, ao então diretor Alexandre Ramagem Rodrigues”, diz trecho do inquérito.
Flávio Bolsonaro e a Receita Federal
Outro policial federal que estava a serviço da “Abin Paralela”, conforme o inquérito da PF, é Marcelo Bormevet. Ele, juntamente com o militar do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, é apontado com uma das pessoas que atuaram para “achar podres e relações políticas” de auditores da Receita Federal. O objetivo era descredibilizar a publicação de supostos dossiês de servidores da Receita que atuaram na apuração de possíveis fraudes fiscais contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
“Bormevet, juntamente com Giancarlo, atuou em ações clandestinas para “achar podres e relações políticas” de auditores fiscais responsáveis pelo relatório de inteligência que subsidiou a investigação das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro”, diz trecho do inquérito.
As ações em favor de Flávio, segundo a PF, contaram com o apoio do Sindicato dos Servidores da Receita Federal do Brasil (Sindifisco). A entidade abriu um procedimento administrativo com o intuito de expulsar do sindicato os auditores da Receita Federal que apuravam movimentações do filho mais velho do ex-presidente. A investigação aponta que essa decisão de expulsão seria utilizada pela defesa do senador como prova para tentar anular as averiguações dos servidores da receita.
Os servidores da Receita Federal também foram alvos de procedimentos na Corregedoria do órgão. O intuito era tentar anular a operação Furna da Onça que investigou o suposto recebimento de então deputados na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), entre eles Flávio Bolsonaro, de um “mensalinho”.
Fonte: https://www.metropoles.com/brasil/bolsonaro-abin-paralela-filhos