O cliente no centro é um dos mantras mais repetidos no mundo corporativo contemporâneo, mais um daqueles conceitos midiáticos. Está presente nos discursos institucionais, nos slides de cultura organizacional e nos relatórios de estratégia. Mas, na prática, são poucas as empresas que realmente alteraram sua lógica de funcionamento para que o cliente deixasse de ser um alvo, e passasse a ser o eixo.
A maioria das estruturas segue organizada a partir de objetivos internos: metas comerciais, eficiências operacionais, indicadores de produtividade. Mesmo em projetos robustos de transformação digital, o que se observa frequentemente é a digitalização de processos que já estavam obsoletos. Ferramentas novas, lógica antiga. O cliente continua sendo a variável que se adapta à engrenagem, em vez de ser o ponto de partida que define como essa engrenagem deve girar.
Tecnologia não falta, na verdade as opções são muitas. Há plataformas poderosas para CRM, automação de marketing, inteligência artificial aplicada a atendimento, recomendação e precificação. O problema não é a ausência de recursos técnicos, mas a ausência de coerência estratégica. A tecnologia muitas vezes é aplicada para acelerar o que já existe, sem questionar se esse “existente” ainda faz sentido para quem está do outro lado.
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Um exemplo recorrente no varejo ilustra esse descompasso: clientes recorrentes recebem comunicações genéricas, promoções descontextualizadas ou até descontos inferiores aos que utilizaram dias antes. A experiência transmite descuido e gera desconfiança. Não se trata de erro operacional. É o sistema operando dentro da lógica que foi projetado: uma lógica que prioriza escala, não relevância.
Esse tipo de ruído é sintoma de algo mais profundo. A promessa da centralidade do cliente, quando não sustentada por decisões estruturais, acaba reduzida a uma frase de efeito. Para que o discurso se traduza em prática, é preciso que o cliente deixe de ser considerado um elemento de interface e passe a ser o princípio organizador da operação.
Isso significa que a lógica empresarial precisa ser revista: processos, metas, arquitetura de dados, modelo de gestão e até a forma como o desempenho é medido. A centralidade do cliente não pode se limitar à ponta do funil. Ela precisa estar no core do sistema.
Aqui, tecnologia tem um papel fundamental, mas não só no processo de como automação. Seu verdadeiro valor está em permitir escuta ativa, leitura de contexto, adaptação contínua e vínculos mais consistentes. Ferramentas bem configuradas podem transformar o CRM em um radar de relacionamento vivo. Algoritmos bem orientados podem deixar de prever apenas cliques e começar a captar silêncios. Inteligência artificial pode ser usada para, sim reduzir atrito, mas também para aumentar significado.
Tudo isso, depende de uma mudança de ponto de partida. O cliente tem que passar a ser a lógica, não o centro. O código-fonte da transformação na forma com que a tecnologia é implementada, mas como ela é direcionada.
Empresas que ainda projetam suas estratégias de dentro para fora correm o risco de escalar ineficiências em vez de resolvê-las. Mas aquelas que reprogramam sua estrutura com base na realidade do consumidor têm a chance de construir algo mais relevante: sistemas que escutam, jornadas que fazem sentido e relações que duram mais do que uma conversão.
No fim, a pergunta que se impõe é simples: a tecnologia que está sendo implementada está a serviço de quem?
De quem decide ou de quem importa?
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Fonte: https://itforum.com.br/noticias/transformacao-digital-cliente-codigo-fonte/