Split payment e reforma tributária impõem uma revolução tecnológica às empresas

O Brasil está às portas de uma das maiores transformações fiscais da sua história. A reforma tributária, aprovada em 2023 e em fase de implementação, não mexe apenas nas regras do jogo, ela muda o tabuleiro inteiro. No centro dessa revolução está o split payment, um modelo que transforma a forma como empresas recolhem tributos e que obriga o mercado a se reinventar, com tecnologia no coração da operação.

O impacto é profundo e imediato, especialmente para o mercado de tecnologia, seja como fornecedor, seja como usuário. Para João Lima Junior, advogado e sócio do escritório Lima Junior Castro Ferreira Advogados, a reforma vai além de uma mudança fiscal. “É uma reforma tecnológica. Ela não existe sem tecnologia de ponta. Estamos falando de centenas de milhões de transações processadas em tempo real, todos os dias.”

Split payment: o imposto sai do caixa antes de o dinheiro entrar

Lima Junior explica que a lógica do split payment é simples na teoria, mas complexa na prática. No modelo atual, a empresa vende, recebe o valor cheio, que é o preço do produto mais impostos e, ao final do mês, calcula os tributos devidos e faz o pagamento ao governo.

Com o split payment, isso acaba. No ato do pagamento, a própria plataforma financeira, seja um banco, uma fintech ou via PIX, faz a separação do valor do imposto e o direciona diretamente para o governo. O que cai na conta da empresa é apenas o valor líquido do produto ou serviço.

O efeito imediato? Fim do efeito de caixa dos impostos. O dinheiro do tributo nunca chega à empresa. Isso, por si só, muda profundamente a gestão financeira de qualquer negócio.

Além disso, a apuração deixa de ser feita pela empresa e passa a ser calculada automaticamente por um comitê gestor, formado por representantes da União, estados e municípios. Na prática, é o governo assumindo o papel de “contador” da arrecadação.

Reforma tributária: 5.570 municípios, 5.570 regras

Se isso parece simples, prepare-se para a próxima camada de complexidade. O split payment vai operar com tributação no destino, e não mais na origem. Se hoje uma empresa instalada na Bahia vende para São Paulo, por exemplo, ela recolhe imposto na Bahia. Com a nova regra, ela passa a recolher para São Paulo.

Imagine replicar essa lógica para os 5.570 municípios brasileiros, cada qual com sua própria alíquota e regra. A venda de um mesmo produto pode gerar cinco notas fiscais diferentes, cada uma calculando tributos de acordo com a cidade de destino.

“Se uma empresa vender um mesmo produto para Barueri, Campinas e São José dos Campos, poderá ter três tributações diferentes”, explica Lima Junior. “E somente a tecnologia para dar conta disso.”

A Receita Federal já trabalha no desenvolvimento de uma calculadora tributária nacional, que deve ser aberta e acessível a qualquer empresa. Mas, até lá, cada organização, das startups às big techs, terá de correr para atualizar seus sistemas.

ERP ganha protagonismo

A pressão por atualização digital não é um problema do futuro. É do presente. Segundo a Sondagem do Setor Contábil 2025, realizada pela Omie, 60% dos profissionais de contabilidade no Brasil não se sentem preparados para lidar com a reforma tributária.Além disso, 52% afirmam que 90% ou mais da sua carteira de clientes serão impactados diretamente pelas mudanças, especialmente aquelas empresas do Simples Nacional que operam no modelo B2B, justamente as mais afetadas pela nova lógica de créditos tributários.

O dado mais alarmante vem da infraestrutura tecnológica. Apenas 6% dos contadores dizem que todos os seus clientes usam sistemas de gestão (ERP). No novo cenário, operar sem ERP deixa de ser uma deficiência operacional e passa a ser uma ameaça existencial.

“O contador vira protagonista desse processo. Ele precisa entender os detalhes técnicos da reforma e, ao mesmo tempo, liderar a digitalização dos seus clientes. Quem não fizer isso, some do mercado”, alerta Felipe Beraldi, economista da Omie.

Reforma digital

Segundo Lima Junior, o split payment inaugura uma nova era na relação entre empresas e governo. Os bancos deixam de ser apenas intermediários financeiros e se tornam agentes arrecadadores de impostos. As fintechs precisarão adaptar suas APIs. Os ERPs terão que ser redesenhados. E até o PIX entra no jogo, como plataforma de rastreabilidade fiscal.

“É um ecossistema inteiro que precisa se redesenhar. Quem fornece tecnologia, quem opera, quem compra e quem vende. É uma mudança tão estrutural quanto foi o Plano Real”, compara Lima Junior.

Para o mercado de tecnologia, a reforma é um divisor de águas. De um lado, gera uma corrida desenfreada por soluções, integrações, compliance e desenvolvimento de novos produtos fiscais. Quem se antecipar, deve surfar uma onda bilionária. Quem demorar, corre risco de desaparecer.

“Se alguém acha que essa é só uma reforma tributária, está lendo errado. É uma reforma digital do país. E quem não estiver preparado, nem adianta reclamar depois”, conclui Lima Junior.

Cronograma

Confira o cronograma da reforma:

• 2026: ano-teste, com alíquota simbólica (0,9% para CBS e 0,1% para IBS).
• 2027: CBS (tributo federal) começa a valer integralmente, com split payment funcionando.
• 2029 a 2032: implementação escalonada do IBS (tributo estadual e municipal).

Fonte: https://itforum.com.br/noticias/split-payment-reforma-tributaria-revolucao-tecnologica/