Gastos de estados e municípios disparam e dificultam ajuste fiscal, aponta FGV

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil –

Estudo mostra que despesas cresceram bem acima das federais desde a pandemia de Covid-19

Os gastos públicos dos estados e municípios, que cresceram fortemente desde a pandemia da Covid-19, dificultam muito o ajuste fiscal do governo federal. Um estudo divulgado em junho pelos economistas Bráulio Borges e Manoel Pires, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) mostra que esses gastos supera em muito as despesas do governo federal.

Esse movimento, segundo os pesquisadores, tem contribuído para pressionar a inflação e dificultar o trabalho do Banco Central na definição de sua política monetária.

Com dados trimestrais ajustados sazonalmente, o levantamento revela que os gastos dos entes subnacionais subiram cerca de 37% entre o início de 2021 e o fim de 2024, atingindo R$ 643 bilhões no quarto trimestre do ano passado. Enquanto isso, os gastos federais cresceram apenas 15% no mesmo período. Ou seja, a conta não fecha, prejudicando o ajuste fiscal perseguido pela equipe econômica do governo Lula (PT).

A análise considera como despesas subnacionais também as transferências da União, como Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Lei Kandir, Fundo Constitucional do Distrito Federal, “emendas Pix” a parlamentares e auxílios emergenciais.

Esse avanço do gasto regional foi viabilizado principalmente por aumentos nas transferências da União, elevação das alíquotas do Fundo de Participação dos Municípios e ampliação do Fundeb. Houve ainda um salto na arrecadação com royalties do setor extrativo e um crescimento expressivo nos empréstimos com garantia da União, que passaram de R$ 2,6 bilhões em 2015 para R$ 42,1 bilhões em 2024.

Papel de estados e municípios no ajuste fiscal

Os estados e municípios, com caixa fortalecido, ampliaram consideravelmente suas despesas com pessoal, custeio e investimento, o que complica o caminho para o ajuste fiscal.

A folha de pagamento trimestral saltou de R$ 219,6 bilhões em 2021 para R$ 271,5 bilhões em 2024 — valor cerca de três vezes maior que o do governo federal, que permaneceu praticamente estável. Já os investimentos subnacionais superaram R$ 60 bilhões por trimestre em 2023, enquanto os federais oscilaram entre R$ 6 bilhões e R$ 10 bilhões desde 2016.

O estudo destaca que essa expansão das despesas regionais reflete um processo de “descentralização fiscal” não coordenado, marcado pelo fortalecimento do Legislativo e decisões recentes do Congresso, como a renegociação das dívidas estaduais e a criação de fundos compensatórios na reforma tributária.

Arcabouço fiscal

Os autores alertam, no entanto, que esse modelo eleva o risco de crises fiscais, induz à baixa arrecadação local e dificulta a coordenação de políticas macroeconômicas.

Apesar de reconhecerem que governos locais têm maior proximidade com as demandas da população, Borges e Pires alertam para os efeitos negativos da fragmentação das políticas públicas.

O ajuste fiscal promovido pela União em 2024, por meio do novo arcabouço fiscal, não encontrou eco nos entes subnacionais, o que limita a efetividade das medidas. Segundo eles, estabilizar a trajetória da dívida pública brasileira dependerá não apenas do governo federal, mas também da atuação coordenada dos 27 estados, 5.570 municípios e do próprio Congresso Nacional.

“Grande parte dos governos subnacionais não está alinhada com a necessidade imperativa de estabilizar de forma definitiva as contas públicas brasileiras”, concluíram os economistas.

Alguns dos principais achados do estudo

  • Despesas de estados e municípios cresceram 37% desde 2021, contra 15% no governo federal.
  • Investimentos, custeio e folha de pagamento regionais superaram amplamente os da União.
  • A descentralização fiscal ocorreu de forma silenciosa, impulsionada por transferências e decisões do Congresso.
  • A expansão do gasto subnacional dificulta a política de controle inflacionário e compromete o ajuste das contas públicas.