Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, alterou cerca de 480 normas do Código Ambiental do Estado em seu primeiro ano de mandato, em 2019. A medida, sancionada em 2020, acompanhou o afrouxamento da política ambiental brasileira incentivada, à época, pelo então ministro Ricardo Salles, do Ministério de Meio Ambiente (MMA), no governo Bolsonaro.
Na última quinta-feira (9), Leite afirmou que considera “injusto culpar a legislação local” pela tragédia que acometeu o estado, uma enchente em mais de 400 municípios, com 116 vítimas fatais e mais de um milhão de gaúchos afetados, sendo 230 mil desabrigados.
O Código Ambiental do Rio Grande do Sul, que levou nove anos entre debates, audiências e aperfeiçoamentos, foi atropelado pelo governo em 2019, primeiro ano de seu primeiro mandato. O texto original, de 2000, teve a colaboração na elaboração de José Lutzenberger, uma das maiores referências em ecologia no Brasil.
A ideia atrás da mudança proposta por Leite foi a de flexibilizar as exigências e favorecer os empresários, concedendo-lhes, em alguns casos, o próprio auto licenciamento.
“Não houve afrouxamento da legislação, não há relaxamento em relação aos cuidados ambientais do Rio Grande do Sul, pelo contrário, existe exatamente a preocupação de nós preservarmos e conseguirmos com isso ter a melhor conciliação entre a preservação necessária e o desenvolvimento econômico do Estado”, afirmou Leite, em entrevista à GloboNews.
“É injusto querer debitar ao Rio Grande do Sul qualquer questão legislativa local… Eu não vou fazer críticas aos especialistas, mas desejo que façam uma análise mais profunda do que simplesmente querer debitar a conta, querer procurar culpados nesse momento e possam ter uma colaboração efetiva”, disse o governador do Rio Grande do Sul, ignorando os inúmeros alertas de especialistas e ativistas, que manifestaram preocupação com o estado após a enchente de 2023 no Vale do Taquari.
DESMONTE
Em meio às enchentes no estado, ambientalistas criticam a gestão de Eduardo Leite e apontam o governador como o articulador, junto à Assembleia Legislativa, do que chamam de desmonte das leis estaduais de proteção ambiental.
Em nota, o governo gaúcho diz que a mudança do código teve, como base, discussões que envolveram sociedade e instituições, como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM). O Executivo afirma ainda que as catástrofes climáticas são uma tendência mundial, com ocorrências mais frequentes e intensas, sendo assim, não atribuíveis à atualização da lei.
“A atualização alinhou a lei estadual à legislação federal. A modernização acompanhou as transformações da sociedade, tornando a legislação aplicável, priorizando a proteção ambiental, a segurança jurídica e o desenvolvimento responsável”, diz, em nota.
O diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, em declaração ao portal Folha, nega que a sociedade civil e entidades ambientalistas tenham participado da construção do novo código. Biólogo e pós-graduado em análise de impacto ambiental, ele afirma que as mudanças foram tomadas de forma unilateral, encabeçadas pelo governador.
Milanez conta que o antigo Código Ambiental levou quase dez anos para ser elaborado e a primeira tentativa de mudança, a pedido de Leite, era em regime de urgência, mas foi impedida pela Justiça. O processo então ocorreu 75 dias depois com a aprovação da Assembleia Legislativa.
A legislação original foi construída, segundo ele, em conjunto com as federações das indústrias e da agricultura, entidades ambientais e sociedade civil.
“O atual governador destruiu esse Código Ambiental. Nós pedimos debate com a sociedade, mas ele fugiu. Leite tem maioria na Assembleia Legislativa. O código era a maior obra-prima do consenso de um estado”, critica o biólogo.
“No outro ano [2021], ele mudou a primeira lei de agrotóxicos do hemisfério sul do planeta [aprovada no começo dos anos 80]. Ele tirou o item mais importante dessa lei, que era o seguinte: nenhum agrotóxico pode ser licenciado no Rio Grande do Sul se não for licenciado no país de origem”, ressalta.
Milanez critica também a sanção do governador, neste ano, de lei que flexibiliza a construção de barragens e outros reservatórios de água dentro de áreas de proteção permanente. De acordo com o ambientalista, essa medida é preocupante por poder afetar o fluxo natural da água, o que pode gerar cheias de rios e chuvas mais concentradas.
“O Rio Grande do Sul foi pioneiro na legislação ambiental e na própria luta em prol do meio ambiente no Brasil. E agora está fazendo o pior papel possível. Nesses últimos anos, nós estamos pagando a conta da destruição ambiental e ela se dá por várias formas”, concluiu.
Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de mais de cem organizações socioambientais, o desmonte vai além do governo estadual e da Assembleia Legislativa. Ele enfatiza a participação do Congresso Nacional no afrouxamento de políticas ambientais, com a contribuição de deputados federais e senadores eleitos pelo Rio Grande do Sul.
Astrini avalia que o Brasil vive duas ondas de prejuízos, uma delas na questão climática e a outra na mudança de legislação, que flexibiliza regras de proteção ambiental. Ele cita a liberação de construções em áreas que alagam e a eliminação de vegetação que poderia drenar a água e tornar o solo mais compacto.
“Temos autoridades no país que estão trabalhando no sentido contrário àquilo que deveria ser feito. São pessoas que fazem projetos de lei para incentivar o desmatamento, para diminuir a capacidade de fiscalização e investimento, para reduzir operações de campo, para liberar cada vez mais áreas que beneficiam a grilagem de terras”, afirma.
Para Astrini, com base em outros episódios climáticos recentes devastadores no Rio Grande do Sul, Eduardo Leite poderia ter sido exemplo na preparação para situações extremas, mas, na sua visão, ignorou os alertas de desastres e protagonizou a diminuição de proteção ambiental de áreas sensíveis.
“Se o governador não acreditar agora nessa questão de clima, eu não sei qual vai ser o momento. Porque o estado que ele governa sofreu em 2021 e 2022 duas secas extremamente severas, que trouxeram prejuízos bilionários para a produção agrícola. E agora está sofrendo um período de chuva desde setembro do ano passado, quando já teve a primeira enchente muito grande”, afirma.
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