Estudantes presos por protestarem na Alesp contra projeto das escolas cívico-militares são soltos

Foto: Reprodução/UMES

Os seis estudantes que foram detidos após protestarem na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) contra a votação do projeto de Tarcísio de Freitas que prevê a implementação de escolas cívico-militares nas redes estadual e municipal de ensino passaram por audiência de custódia nesta quarta-feira (22) e tiveram liberdade provisória, informou o Tribunal de Justiça (TJ).

Outros dois estudantes chegaram a ser detidos, mas eram adolescentes e foram liberados na noite de terça (21). Eles vão passar por audiência na Vara da Infância e Juventude.

Os jovens passaram por audiência de custódia e vão responder em liberdade por cinco crimes: associação criminosa, resistência, lesão corporal, desacato e corrupção de menores. 

Ainda de acordo com o TJ, foram determinadas medidas cautelares, como comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar suas atividades, bem como eventual atualização de endereço; obrigação de manter o endereço atualizado junto à Vara competente e proibição de ausentar-se da Comarca de residência por mais de oito dias sem prévia comunicação ao Juízo.

O advogado de defesa dos estudantes, Paulo César Duarte Júnior, havia dito antes da audiência ter convicção de que conseguiria reverter a prisão com base nas imagens que mostram que os estudantes não atacaram os PMs. 

“A gente tem convicção, tem certeza que as imagens que estão circulando aí nas redes sociais, nos veículos de imprensa, mostram que os estudantes foram na Assembleia se manifestarem de maneira pacífica contra o PL da escola cívico-militar e no rompante de violência e de agressão da polícia militar desencadeou toda essa onda de violência contra eles que culminou na prisão.”

Segundo Rarikan Heven, também advogado dos estudantes detidos, os jovens estão com escoriações pelo corpo e tiveram os celulares quebrados durante a ação da PM. Ele denunciou que uma adolescente apreendida, de 16 anos, teve o braço quebrado pela polícia.

Entidades estudantis e sindicatos de professores repudiaram a violência da polícia contra os estudantes. “A aprovação da implementação de escolas cívico-militares vem na maré de uma série de ataques à educação e à ciência paulistas promovidos pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) desde que assumiu o cargo. Exigimos o fim da violência contra aqueles que lutam pelo direito à educação pública e de qualidade”, diz uma nota conjunta da União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

MOBILIZAÇÃO

Ao longo da madrugada, parte desses estudantes fizeram um protesto na porta da delegacia. Júlia Cristina Rodrigues da Silva, que faz parte desse movimento e também estava dentro da Assembleia no momento da confusão, falou sobre o caso: 

“Os estudantes queriam estender uma faixa, não apresentaram risco nenhum ao patrimônio, não queriam depredar a Alesp de maneira alguma. Assim que a gente soube que eles seriam trazidos para cá, mobilizamos os estudantes que estavam na Alesp para virem para cá, para que os estudantes que foram detidos não ficassem sozinhos, não se sentissem sozinhos em momento algum.”

Luiza Martins, presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES) e uma das estudantes detidas na ALESP, fez um discurso em sua saída, na liberação dos estudantes após audiência de custódia. Luiza relatou o período no cárcere e afirmou que a luta continuará contra o projeto de Tarcisio de Freitas. O vídeo foi divulgado nas redes sociais.

https://www.instagram.com/reel/C7Rx_VSuwhg/?igsh=a3lvZ2l6cDVwbDV4

“Saímos de onde nos xingaram, onde trataram os estudantes como criminosos, onde trataram os estudantes como vândalos, onde trataram os estudantes como pessoas que deveriam estar combatendo fora da escola. E dentro da ALESP, dentro da casa do povo, eles apreenderam os estudantes, dentro da casa do povo, eles nos impediram de falar, dentro da casa do povo, eles violentaram corpos de jovens que querem apenas falar sobre democracia, que queriam apenas ser ouvidos, que queriam apenas dizer que nós somos contra os militares dentro das nossas escolas, porque eles não têm preparo para lidar com estudantes, porque eles não têm formação para lidar com a juventude e principalmente porque a escola é lugar de democracia, porque a escola é lugar de sonho, porque a escola é o nosso lugar e nós queremos ser ouvidos”, disse Luiza.

“Não tem como falar de sonho, enquanto a gente tem um governador no estado de São Paulo, enquanto a gente tem um secretário de educação que quer debater a escola sem chamar estudante, que quer debater a educação sem chamar professor, e é assim que eles nos tratam, em qualquer espaço que a gente está, desde a sala de aula até os espaços políticos, é assim que a juventude é tratada todos os dias”, ressaltou. 

“No momento em que nós estávamos presos, nós dormimos dentro de uma cela que não tinha onde deitar, que não tinha o que fazer, que não tinha o que falar, que não tinha a quem pedir ajuda. Nós passamos uma noite sendo pressionados e questionados o tempo inteiro e a gente está aqui para dizer que a nossa luta vale a pena”, ressaltou a estudante em sua fala.

VOTAÇÃO

Desde o início da tarde o policiamento foi reforçado na Alesp para a votação do projeto de lei, de autoria do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em pelo menos dois momentos, foram registradas agressões contra os manifestantes.

O primeiro episódio ocorreu no corredor que dá acesso ao Salão dos Espelhos, onde os policiais militares do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), com escudos, se enfileiraram.

Ao passar pelo “corredor policial”, os estudantes foram agredidos com golpes de cassetete. Um dos policiais chegou a aplicar um golpe de mata-leão, proibido pela instituição desde 2020, em uma manifestante e arrastá-lo pelo chão.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que a PM acompanha a manifestação “para garantir a segurança dos participantes do ato e de pessoas no plenário, em votação. Até o momento, sete manifestantes foram detidos após tentarem invadir o local. As imagens serão analisadas pela PM e a ocorrência será apresentada na delegacia do Campo Belo”.

Durante o intervalo da sessão, antes da votação do projeto, alguns jovens ainda invadiram o plenário. Em retaliação, um dos manifestantes também foi agredido com golpes de cassetete. Outros dois alunos foram imobilizados de forma violenta no chão e carregados para fora do plenário, sob os gritos de “liberdade já” de um grupo que acompanhava a sessão da galeria.

Para a bancada da oposição, formada por parlamentares de PT, PCdoB e PV, a proposta do governo Tarcísio representa a militarização da educação e o caráter autoritário da gestão estadual.

Em nota, a bancada se solidarizou com os estudantes que foram detidos e classificou como truculenta a ação dos PMs. “O que vimos foi a imposição muscular da ordem e da disciplina debaixo de pancadaria.”

JUSTIÇA

O Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp) e o PSOL entraram na Justiça para barrar a lei que cria o programa das escolas cívico-militares em São Paulo. A oposição questiona a legalidade da medida, que não é prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nem em documentos como o Plano Estadual da Educação.

“A escola cívico-militar não tem amparo na legislação e, inclusive, afronta vários princípios da educação nacional, como a liberdade de ensinar e aprender, e a preparação para a cidadania”, afirma o deputado Carlos Giannazi (PSOL).

Para derrubar a lei, o partido vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça. Outras siglas também serão convidadas a assinar o documento, segundo Giannazi.

A estratégia é a mesma do sindicato dos professores. “Vamos usar todos os meios possíveis para que essa imposição absurda não seja consolidada”, afirma o presidente da Apeoesp, Fábio Moraes.

Em 2022, o sindicato conseguiu barrar um projeto parecido, apresentado pelo deputado Tenente Coimbra (PL) e sancionado pelo então governador tucano João Doria, que autorizava a militarização de escolas estaduais.

Na época, a lei foi declarada inconstitucional pela Justiça paulista porque a apresentação de projetos sobre programas educacionais era reservada ao Poder Executivo e o projeto em questão tinha nascido na Assembleia Legislativa. Desta vez, no entanto, foi a própria gestão Tarcísio de Freitas quem propôs o PL.

A batalha jurídica envolvendo a criação das escolas cívico-militares também acontece em outros lugares do país.

O programa de militarização da educação no Paraná é questionado por uma ADI no Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril deste ano, a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestou favorável à ação e apontou que o projeto é inconstitucional.

O relator da ação é o ministro Dias Toffoli e não há previsão de quando a ação será julgada. O programa paranaense foi criado durante a gestão de Renato Feder na Educação do estado. O secretário está à frente agora da pasta da educação em São Paulo.

Fonte: https://horadopovo.com.br/estudantes-presos-por-protestarem-na-alesp-contra-projeto-das-escolas-civico-militares-sao-soltos/