Brasília está cheia de matadores, alerta Caco Barcellos, 50 anos depois de ‘Rota 66’

Por ocasião dos 50 anos da chacina que inspirou o livro Rota 66: a história da polícia que mata, o jornalista Caco Barcellos concedeu uma entrevista à Folha de S.Paulo na qual faz um balanço sombrio sobre o legado da violência policial no Brasil. A obra, publicada em 1992 após sete anos de investigação, denunciou a prática sistemática de execuções promovidas por policiais militares de São Paulo, principalmente contra jovens pobres e negros.

Na entrevista, Barcellos relembra o caso que deu origem à apuração: a morte de três jovens de classe média alta — Francisco Noronha, Carlos Ignácio Rodriguez de Menezes e João Augusto Junqueira — fuzilados por policiais da equipe 66 da Rota em 1975, após uma perseguição iniciada por um furto de toca-fitas. “Foi uma exceção. Logo percebi que a grande maioria das vítimas era pobre e desconhecida da Justiça”, afirmou.

O jornalista, hoje com 75 anos e diretor do programa Profissão Repórter, expõe a evolução de sua investigação: “Descobri que o absurdo não era só matar ‘bandido’, mas pessoas sem qualquer crime registrado. Era uma prática de extermínio”. Ao todo, Rota 66 documenta cerca de 4.200 mortes provocadas por policiais entre 1970 e 1992, sem que houvesse combate direto ou resistência armada.

Barcellos também rememora como lidou com o risco de retaliação durante a apuração. “Dom Paulo Evaristo Arns guardou meus disquetes num cofre da Cúria Metropolitana e me aconselhou a andar entre multidões. Eu tinha medo de ser morto”, contou.

A entrevista não poupa críticas ao presente. Ao avaliar o atual secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, expulso da própria Rota por excesso de letalidade, Caco é incisivo: “São 90 mil policiais militares. Não tem outro para escolher? Isso é um tapa na cara da corporação”.

Para o repórter, o cenário atual é ainda mais preocupante do que nos anos da ditadura. “Hoje, Brasília está cheia de matadores, ou de quem os apoia. O coronel que liderou o massacre do Carandiru se elegeu com o número 111 — o número de mortos. Isso revela que o problema não é só a polícia, mas uma sociedade que legitima a violência”, afirmou.

Barcellos lamenta que parte da população e da imprensa tenha normalizado essa letalidade. “Antes, a imprensa era omissa. Hoje, até dá atenção, mas há quem defenda essas mortes como solução. O Brasil matou mais de 6 mil pessoas em 2023; a polícia de Londres matou uma. A cultura do matador se espalhou pelo país.”

Ao ser questionado sobre o futuro da segurança pública, Caco é cético: “Se fosse hoje, o livro se chamaria Bope 66, Tropa de Elite 66. A lógica da Rota se espalhou. Eu achava que a denúncia traria bom senso, mas fui processado. E temo que, hoje, não seria absolvido.”

Raio-X | Caco Barcellos
Cláudio Barcelos de Barcellos, 75 anos, nasceu em Porto Alegre (RS). Jornalista desde os anos 1970, cobriu conflitos internacionais e se notabilizou por reportagens investigativas no Brasil. É autor de livros premiados como Rota 66 e Abusado, ambos vencedores do Jabuti. Desde 2006, dirige e apresenta o Profissão Repórter, da TV Globo.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/brasilia-esta-cheia-de-matadores-alerta-caco-barcellos-50-anos-depois-de-rota-66/