Novos documentos extraídos do telefone celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, revelam que ele passou a armazenar, logo após a derrota do ex-presidente nas eleições de 2022, uma série de arquivos com conteúdo golpista, muitos dos quais apócrifos e baseados em interpretações distorcidas da Constituição. Os materiais reforçam as provas de que setores próximos a Bolsonaro buscavam caminhos ilegais para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
O conteúdo inédito, obtido pelo portal UOL, faz parte dos mais de 20 mil arquivos encontrados no celular de Cid, apreendido pela Polícia Federal em maio de 2023. Ao todo, os dados somam 77 gigabytes. Parte dos documentos já foi analisada no inquérito do golpe em curso no Supremo Tribunal Federal, mas novas descobertas revelam a extensão das articulações internas e a atuação direta de Cid em favor de estratégias que visavam a ruptura institucional.
Entre os materiais, chama atenção uma apresentação em PowerPoint, batizada por investigadores como “PowerPoint do Golpe”. A apresentação, atribuída à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), tem 112 slides e propõe um “manual de segurança integrada” que inclui a possibilidade de intervenção militar nos Poderes da República — tese considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O material data de outubro de 2017, mas não há identificação de autoria.
No dia 16 de novembro de 2022, Cid enviou a si mesmo trechos do arquivo com trechos que destacavam a atuação das Forças Armadas para “garantir os poderes constitucionais”:
— Significa a preservação da existência e, principalmente, do livre exercício dos Poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário — de forma independente e harmônica, no quadro de um Estado Democrático de Direito.


Mais tarde, na mesma data, ele salvou o documento completo. Cid também arquivou um artigo de conteúdo similar, elaborado por militares da própria Eceme, que defendia a possibilidade de o Exército ser acionado por decreto presidencial para intervir em disputas entre os Três Poderes.

O primeiro registro de documentos com esse teor surgiu em 6 de novembro, ainda antes do segundo turno. Tratava-se de uma minuta de ação destinada ao Ministério da Defesa, na qual se alegava, sem provas, supostas falhas de auditoria em urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020. O texto indicava que a medida deveria ser assinada por um partido político, embora o autor do documento não tenha sido identificado.
Semanas depois, o PL, partido de Bolsonaro, apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma ação com argumentos semelhantes, contestando a confiabilidade das urnas. A ação foi rejeitada por Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, que impôs uma multa de R$ 22,9 milhões ao partido por litigância de má-fé.
A PF encontrou ainda no celular de Cid a minuta dessa ação cinco dias antes de sua formalização no TSE, o que reforça a tese de que o tenente-coronel atuou diretamente na articulação jurídica para sustentar o discurso golpista.
Outro documento salvo por Cid traz respostas atribuídas ao jurista Ives Gandra da Silva Martins sobre a possibilidade de intervenção das Forças Armadas no funcionamento dos Poderes da República. Não é possível, no entanto, verificar se as respostas de fato foram fornecidas por Gandra, já que o arquivo não apresenta comprovação de autenticidade.
Em 15 de novembro, Cid também armazenou um arquivo conhecido como “Copa 2022”, já analisado pela Polícia Federal. O documento estimava os custos de uma possível ação de militares das Forças Especiais do Exército para monitorar o ministro Alexandre de Moraes. O conteúdo estava protegido por senha. Em sua delação premiada, o tenente-coronel confirmou que o arquivo tratava de um plano de ação golpista, mas afirmou que não se recordava da senha.
Mauro Cid é uma das peças centrais no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado. Réu em diversas frentes de investigação, ele firmou acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal, no qual detalhou parte das tratativas ocorridas dentro do governo e nas Forças Armadas após a derrota de Bolsonaro.
A defesa do militar disse que não irá comentar o conteúdo dos documentos revelados pelo UOL, alegando que ainda não teve acesso integral ao material.
As descobertas aprofundam as evidências de que, nos bastidores da Presidência e do entorno de Jair Bolsonaro, circularam planos e estratégias para impedir a alternância de poder e sustentar juridicamente uma intervenção militar — iniciativa que, embora não tenha prosperado, mobilizou parte da cúpula militar e do núcleo político bolsonarista nos meses finais do governo.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/celular-de-mauro-cid-revela-powerpoint-do-golpe-e-outros-documentos-que-mostram-articulacao-para-manter-bolsonaro-no-poder-veja/