O assassinato do prefeito Francisco Damião de Oliveira, conhecido como Marcelo, em João Dias (RN), expôs um grave alerta sobre o avanço das facções criminosas na política brasileira, especialmente em municípios do interior. Executado junto com o pai em agosto do ano passado, durante a campanha para sua reeleição, Marcelo era alvo de traficantes ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), que disputavam o controle do poder local. As informações são do portal g1, com base em reportagem do programa Fantástico exibido pela TV Globo.
A trama, segundo investigações da Polícia Civil e da Polícia Federal, envolveu um acordo político selado ainda em 2020 entre Marcelo e a família Jácome — clã conhecido por seu envolvimento com o tráfico internacional de drogas. Áudios obtidos pela investigação mostram que Deusamor Jácome, condenado por tráfico e ligado diretamente a Marcola, líder do PCC, ofereceu dinheiro a Marcelo para manter o pacto.
“A gente fazendo um acordo desse com você aí. É uma coisa que dá para você se remediar pro resto da vida. Você vai sair de boa. Porque 230 eu dei para você pagar as suas contas. E agora eu vou lhe dar mais 500 mil reais. Pense por esse lado. É muito dinheiro”, afirma Deusamor em uma das gravações.
À época, Marcelo encabeçava a chapa do Progressistas como candidato a prefeito, tendo como vice Damária Jácome, irmã de Deusamor. Apesar de estar foragido e procurado pela Interpol, Deusamor fez aparições em vídeos de campanha. “O futuro prefeito de João Dias, Marcelo Oliveira, e a minha irmã, Damária Jácome, a futura vice-prefeita de João Dias”, declarou em um dos registros.
Tráfico e influência política
A relação entre o clã Jácome e o tráfico era extensa. “Antes de 2019, quatro irmãos dessa família Jácome foram condenados por tráfico internacional de drogas”, afirma o delegado Alex Wagner Alves Freire. Além de Deusamor, completam o grupo os irmãos Leidjan, José Romeu e Samuel Jácome. Segundo a polícia, o grupo chegou a movimentar R$ 30 milhões com a venda de drogas no Nordeste.
O objetivo do dinheiro oferecido a Marcelo, segundo os investigadores, era forçá-lo a renunciar. Ele cedeu ao pedido e deixou o cargo em junho de 2021, apenas seis meses após tomar posse. Quem assumiu a prefeitura foi a vice Damária Jácome.
Durante seu discurso de posse, Damária homenageou os irmãos: “Dedico esse dia aos meus sete irmãos, aos meus 7 irmãos, Francisco, Maria José, Samuel, Leidiane, Romeu, e de uma maneira mais especial ainda, aos meus dois irmãos, Deusamor e Leidjan”.
Segundo a Polícia Civil, mesmo antes da renúncia oficial, os irmãos Jácome já atuavam como gestores de fato da cidade. “As prefeituras hoje recebem muitos valores, tanto de impostos municipais, mas principalmente de repasses de recursos federais”, aponta o delegado Alex Freire. Em 2023, a receita total do município foi de R$ 23 milhões, segundo o IBGE.
Para o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, esse tipo de infiltração não é isolado. “A estratégia é tomar esse poder político em locais em que isso possa trazer algum tipo de proveito econômico.”
Execução do prefeito e guerra pelo poder
Com o retorno de Marcelo à prefeitura, após decisão judicial que anulou sua renúncia e afastou Damária em 2022, o clima de tensão aumentou. Na campanha de 2023, Marcelo, agora filiado ao União Brasil, concorria novamente — desta vez, contra Damária, então no Republicanos.
“Marcelo dizia que ele era ameaçado pelos irmãos da Damária”, afirma o delegado Freire. “Ele começa a fornecer diversas informações e a ajudar órgãos policiais com as investigações a respeito da família Jácome”, acrescenta o delegado Carlos Fonseca.
De acordo com a apuração, a família Jácome considerava Marcelo um traidor, especialmente após ele colaborar com a polícia e possivelmente indicar o paradeiro de irmãos foragidos. A facção tentou impedir sua candidatura, inclusive com ameaças. Pouco antes do atentado, Damária chegou a declarar: “O que vem por aí, talvez tenha gente que nem aguente”.
Segundo a investigação, Damária e a irmã Leidiane — vereadora de João Dias — teriam contratado criminosos para executar Marcelo. Os autores do crime ficaram escondidos por dias em um sítio da família Jácome. Um vídeo gravado no local mostra um dos suspeitos zombando da situação: “É peça por todo canto. Ô, quadrilha cabulosa!”
A execução foi meticulosamente planejada. “Eles encontraram dificuldades de executar o crime porque ou Marcelo estaria acompanhado de seu grupo armado que fazia a sua segurança pessoal, ou estaria na residência que também é uma fortaleza”, explica Fonseca. Uma das possibilidades chegou a ser matá-lo durante um culto evangélico, mas os executores recuaram. “Nós é nessa vida doida, mas a gente é temente a Deus… Aí, onde tá só o povo de Deus, eu não gosto de encostar pra fazer coisa errada, não.”
O atentado, enfim, ocorreu quando Marcelo e o pai estavam em uma barbearia da cidade. Nove pessoas foram presas, e quatro ainda estão foragidas — entre elas, Damária Jácome.
Onda nacional de interferência do crime nas eleições
O caso de João Dias não é isolado. Um relatório sigiloso produzido por promotores e a Polícia Federal revelou que, nas eleições municipais do ano passado, facções criminosas tentaram interferir em campanhas em pelo menos 42 cidades brasileiras. Somente o PCC teria injetado cerca de R$ 8 bilhões em candidaturas no estado de São Paulo.
“Nós precisamos estar atentos a isso e estancar esses movimentos”, alerta Sarrubbo.
Repercussões e silêncio
A equipe do Fantástico tentou contato com a atual prefeita de João Dias, Maria de Fátima Mesquita da Silva, viúva de Marcelo, mas não obteve retorno. No dia seguinte, o prédio da prefeitura estava fechado com cadeado. Um decreto assinado por ela determinava a suspensão do atendimento ao público na sexta-feira.
A defesa das irmãs Jácome nega envolvimento no assassinato e alega que ambas deixaram João Dias após receberem ameaças. A mansão da família exibe, ainda hoje, fotos de momentos em que exerciam influência sobre a vida política do município.
“Com a ocupação de cargos importantes do poder político por essas facções, elas vão logicamente lavar dinheiro, vão desviar recursos que, em tese, seriam para a população carente, como é a cidade de João Dias”, conclui o delegado Carlos Fonseca.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/faccoes-criminosas-expandem-influencia-politica-e-interferem-em-eleicoes-no-interior-do-brasil/