A Polícia Federal identificou indícios de que os R$ 48,7 milhões pagos em 2020 pelo Consórcio Nordeste — então presidido por Rui Costa, ex-governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil — para a compra de respiradores pulmonares nunca entregues foram desviados por meio de uma série de transferências bancárias. Segundo inquérito ao qual teve acesso exclusivo o colunista Aguirre Talento, do portal UOL, o dinheiro público foi usado para bancar despesas pessoais, como a compra de carros de luxo e o pagamento de faturas de cartão de crédito.
De acordo com a investigação, a empresa Hempcare, contratada para fornecer os equipamentos, esvaziou suas contas em apenas um mês — entre 8 de abril e 20 de maio de 2020 —, distribuindo os valores a terceiros sem qualquer ligação com o fornecimento dos respiradores. Parte dos recursos serviu para a aquisição de um SUV Volkswagen Touareg, um caminhão Mercedes-Benz Accelo 815 e um Mitsubishi ASX, além do pagamento de mensalidades escolares e de quase R$ 150 mil em faturas de cartão de crédito.
“Impressiona verificar que as investigações cuidaram de apontar que até mesmo as faturas de cartões de crédito da investigada, que perfizeram o montante de R$ 149.378,74, foram pagas com valores advindos das contas da Gespar Administração de Bens. Ou seja, com dinheiro originalmente público destinado à compra dos respiradores pulmonares”, aponta trecho do relatório da PF.
A corporação apurou ainda que pelo menos R$ 5 milhões transitaram por contas de empresas de administração de bens, imobiliárias e fundos de investimento, sem que o valor chegasse a fornecedores de equipamentos médicos.
Contrato sob suspeita
Na época da contratação, Rui Costa, como presidente do Consórcio Nordeste, assinou um contrato com a Hempcare que previa o pagamento antecipado integral. A empresa, no entanto, era especializada em medicamentos à base de cannabis e não tinha experiência na comercialização de equipamentos médicos. Os respiradores jamais foram entregues, e a totalidade dos recursos pagos ainda não foi recuperada.
O inquérito da Polícia Federal segue em andamento. Recentemente, a Justiça Federal da Bahia determinou o envio do caso de volta ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), após o Supremo Tribunal Federal (STF) revisar regras sobre foro privilegiado. Com isso, a investigação ficará sob responsabilidade do ministro Og Fernandes.
Em paralelo, o Tribunal de Contas da União (TCU) inocentou na semana passada o ex-secretário-executivo do Consórcio Nordeste, Carlos Gabas, que havia autorizado os pagamentos. A decisão contrariou a área técnica do tribunal, que havia recomendado multa por irregularidades.
Pagamentos a lobistas e esquema de comissões
O UOL revelou em abril do ano passado que Cristiana Taddeo, dona da Hempcare, admitiu em delação premiada ter pago R$ 11 milhões em comissões a lobistas que se apresentaram como próximos de Rui Costa e da então primeira-dama da Bahia, Aline Peixoto. Entre eles, estavam Cleber Isaac e Fernando Galante.
“Achei que as tratativas para celebração do contrato com o Consórcio Nordeste ocorreram de forma muito rápida, mas entendi que eu estava sendo beneficiada porque havia combinado de pagar comissões expressivas aos intermediadores do governo”, afirmou Cristiana em sua delação.
A empresária devolveu R$ 10 milhões aos cofres públicos no acordo de colaboração premiada. O restante do valor foi pulverizado em transferências rastreadas pela PF, que também descobriu tentativas de ocultação dos recursos em empresas imobiliárias e fundos de investimento.
Durante a operação realizada em agosto do ano passado, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra Cleber Isaac e outros envolvidos. Investigações apontam que os repasses aos lobistas foram rapidamente redistribuídos para novos beneficiários, em uma estratégia de lavagem de dinheiro.
Outro lado
Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, Rui Costa não se manifestou sobre os novos desdobramentos da investigação.
Em nota anterior enviada ao UOL, sua assessoria afirmou que, durante sua gestão como governador, determinou a abertura de investigação pela Polícia Civil da Bahia sobre o caso e destacou que, em todo o mundo, compras emergenciais durante a pandemia foram realizadas mediante pagamento antecipado. Reforçou ainda que Rui Costa “nunca tratou com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras” e deseja que “os responsáveis pelo desvio do dinheiro público sejam devidamente punidos”.
A defesa de Carlos Gabas sustentou que ele atuou com respaldo em parecer técnico da Procuradoria do Estado da Bahia e dentro dos parâmetros legais vigentes. Gabas declarou ainda que o consórcio e os estados foram “vítimas” do golpe.
As defesas de Cristiana Taddeo e de Cleber Isaac não se pronunciaram. Em depoimento à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, Isaac admitiu conhecer Rui Costa e Aline Peixoto desde 2010, mas negou qualquer tratativa envolvendo a compra dos respiradores. Fernando Galante, por sua vez, não foi localizado.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/pf-aponta-que-verba-do-consorcio-nordeste-para-respiradores-da-covid-foi-usada-para-comprar-bens-de-luxo-e-pagar-despesas-pessoais/