PF defendeu legalização de cassinos e jogo do bicho no Senado, contrariando Ministério da Justiça

Em documento oficial enviado ao Senado em fevereiro de 2024, a Polícia Federal (PF) manifestou apoio à legalização de cassinos, bingos e do jogo do bicho no Brasil. A informação foi revelada pela Folha de S.Paulo, que teve acesso à nota técnica da corporação. A posição favorável, no entanto, destoava da linha adotada pelo Ministério da Justiça, que atua para barrar a proposta sob a justificativa de que ela pode facilitar a ação do crime organizado, sobretudo na lavagem de dinheiro.

A nota da PF foi encaminhada ao senador Irajá (PSD-GO), relator do projeto que tramita no Senado, e expressava um apoio “com ressalvas” à legalização dos jogos de azar. O único ponto de preocupação apontado pela corporação era a ausência de destinação direta de parte da arrecadação do setor para a própria PF. A corporação propôs que os recursos fossem alocados no Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal), a fim de garantir treinamento específico e equipamentos de alta performance para o combate a crimes ligados à nova atividade legalizada.

Em contraste, o Ministério da Justiça, chefiado por Ricardo Lewandowski, é frontalmente contrário à proposta. “Entendemos que o projeto abre uma brecha muito grande para o crime organizado atuar, sobretudo com lavagem de dinheiro”, afirmou o secretário de Assuntos Legislativos da pasta, Marivaldo Pereira. Ele alertou ainda para os impactos sociais, de saúde pública e segurança que a legalização poderia causar: “Acreditamos que o aumento da arrecadação não justifica os problemas que ela traz. Esperamos que essa posição prevaleça no Congresso Nacional.”

Segundo a Folha, apesar da posição favorável manifestada em fevereiro de 2024, a PF reviu seu posicionamento. Em nova nota técnica datada de novembro do mesmo ano —divulgada apenas após a reportagem—, a corporação passou a se posicionar contra o avanço do projeto. Esse novo documento foi encaminhado ao Ministério da Justiça, mas, diferentemente do anterior, não chegou ao Senado.

Ainda assim, a primeira nota continua sendo relevante politicamente, pois serviu de base para o relator da proposta em uma fase decisiva da tramitação legislativa. Nela, a PF não abordava as conhecidas ligações entre o jogo do bicho e o crime organizado, nem demonstrava grande preocupação com a lavagem de dinheiro. A corporação apenas destacava que, com a legalização, haveria mais demanda por investigações, o que justificaria mais recursos.

O projeto de lei em discussão no Senado abrange quatro modalidades de jogos físicos: bingos, cassinos, jogo do bicho e turfe. Ele estabelece regras sobre a operação dessas atividades, define limites de concessão por estado e município, e propõe uma alíquota de 17% sobre a receita líquida das operadoras. Também está prevista a criação do Sistema Nacional de Jogos e Apostas, vinculado ao Ministério da Fazenda, que teria a responsabilidade de regular o setor —à semelhança do que ocorre atualmente com as apostas esportivas online, as chamadas bets.

O texto também detalha a criação de cassinos em três modalidades: físicos, flutuantes (em embarcações, limitados a dez) e integrados a resorts (um por polo turístico). As licenças para o jogo do bicho e para bingos seriam concedidas de acordo com a população dos estados e municípios.

Apesar da divergência dentro do governo, pastas como Turismo, Fazenda, Trabalho e Desenvolvimento Social veem com bons olhos a legalização. O Ministério do Turismo, por exemplo, considera o projeto estratégico para gerar empregos e fortalecer o setor de eventos e hospedagem. Já o Desenvolvimento Social apontou que a proposta “pode ser” contrária ao interesse público, mas não viu impedimentos jurídicos.

A proposta segue em análise no Senado, mas enfrenta resistência de setores conservadores, especialmente da bancada evangélica. O projeto ganhou tração após o Congresso aprovar, ainda em 2023, a regulamentação das apostas online, que até então operavam sem regulação clara, desde que foram liberadas pelo Congresso em 2018, durante o governo Bolsonaro.

Assim como nas bets, os defensores da legalização dos jogos físicos argumentam que essas atividades já ocorrem de forma clandestina no país e, portanto, precisam ser reguladas para que o Estado possa fiscalizar, arrecadar tributos e garantir segurança jurídica ao setor. Por outro lado, críticos alertam para o risco de crescimento de casos de vício em jogos e o fortalecimento de redes criminosas já ligadas à exploração ilegal dessas práticas.

O projeto aguarda votação em plenário no Senado. O debate promete se intensificar nos próximos meses, enquanto o governo tenta unificar seu discurso sobre o tema —algo que, por ora, ainda está longe de acontecer.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/pf-defendeu-legalizacao-de-cassinos-e-jogo-do-bicho-no-senado-contrariando-ministerio-da-justica/