‘A parte que mais dói é o bolso. Sempre vai ter reação’, diz líder de Lula

Líder do governo Lula, o senador Jaques Wagner (PT-BA) acompanhou de perto as negociações em torno da medida provisória que limitava o uso dos créditos do PIS/Cofins, a principal bandeira do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para compensar a desoneração da folha concedida a 17 setores da economia. A proposta de Haddad esbarrou em uma forte reação de empresários e parlamentares e acabou devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na última terça-feira, 11.

No momento do anúncio da devolução da parte central da proposta, Jaques Wagner fez questão de estar ao lado de Pacheco, numa sinalização de que, apesar de representar uma derrota a Haddad, o governo chancelava a decisão. Em entrevista a VEJA no dia seguinte, o senador explicou o gesto, comentou a situação de Haddad dentro do governo, o risco de fraude envolvendo o uso desses créditos e criticou a reação à proposta. “Querem desoneração aqui, querem desoneração ali. Ok, cara pálida. Quem paga? Vou repetir: o Haddad disse que não tem plano B. E não tem mesmo. O buraco é de R$ 20 bilhões neste ano”, afirmou. Confira a íntegra.   

Quando vocês foram avisados sobre a edição da medida provisória? O formato da medida, o que veio escrito efetivamente, a gente tomou conhecimento na assinatura. Porque se falar no conteúdo, mexer no PIS/Cofins, tem um mundo pela frente. É óbvio que toda reunião da Fazenda, da Receita e do governo era pela busca da compensação. Eu brinquei na terça-feira: somos todos devotos da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas parece que quando chega no meu quintal, nem tanto. O Congresso prorroga uma desoneração e adere a outra. Isso custa dinheiro. Da onde sai? Isso eles nunca votaram. Então, coube à Fazenda procurar uma forma de compensar. Procurou, procurou e encontrou essa fórmula. Evidentemente que a parte do corpo que mais dói é o bolso. Então é claro que toda vez que você vai mexer nos haveres de quem quer que seja, pessoa física ou jurídica, tem reação.

Na criação do arcabouço fiscal, o Haddad teve o cuidado de chamar os presidentes da Câmara e do Senado e também os líderes partidários para apresentar a proposta.  Isso não aconteceu agora. Talvez tenha acontecido dessa forma porque o arcabouço era uma inovação. Aqui não se trata de uma inovação. Trata-se de um remédio para um buraco que foi aberto. E não tem plano B. Tanto que o Rodrigo Pacheco falou que a bola está com a gente. Com a gente é com o Congresso, com o governo e com os empresários. Eu disse a alguns empresários: ‘Vocês sabem a consequência de não cumprir, não sabem?’. Aí sobe inflação e o custo é muito mais caro. Então, não adianta ninguém fazer omelete sem quebrar ovos. Querem desoneração aqui, querem desoneração ali. Ok, cara pálida. Quem paga? Vou repetir: o Haddad disse que não tem plano B. E não tem mesmo. O buraco é de R$ 20 bilhões neste ano.

O senhor não reconhece que faltou um diálogo prévio, sentar, negociar, mostrar a medida? Eu prefiro não opinar nisso. Vou voltar a dizer: o Congresso Nacional criou despesa ou cancelou receita fiscal sem compensação. Não fomos nós que criamos isso. Não estou acusando, o Congresso tem direito de votar o que quiser. Votaram. A gente veta, eles derrubam o veto. Sobrou o que? Fomos ao Supremo. Eles não gostam, tudo bem. Mas todo dia alguém cria uma despesa aqui sem fonte: piso disso, piso daquilo, perdão da dívida. Não cabe.

O ministro da Fazenda, portanto, não tinha outra solução? Ele tinha que arrumar uma forma de tapar esse buraco. Por que foi escolhido isso? Porque, além dos bons pagadores e dos bons utilizadores do dispositivo, há os maus utilizadores, como em tudo na vida. Você cria um dispositivo para ajudar pobre ou algum setor, daqui a pouco alguém acha um caminho para desviar a essência do que foi dito. O que estou dizendo é que tem gente usando erradamente essa coisa. Eram 5 bilhões, virou 22 bilhões. Não vira da noite para o dia. A Receita começou a mergulhar nisso, e o ministro começou a entender o que estava acontecendo. Tem folha de pagamento sendo colocada como investimento, para justificar o direito a esse acesso.

Há fraudes, assim como aconteceu com o Perse (programa que concedeu benefícios ao setor de eventos)? Claro. Virou lavagem de dinheiro de traficante. E você acha que nessa não tem lavagem de dinheiro e traficante que é dono de posto de gasolina no Rio de Janeiro e em São Paulo? Está cheio.

O Haddad foi previamente avisado sobre a recusa da MP? Eu participei da conversa entre o presidente, o Rodrigo Pacheco e o ministro da Fazenda na segunda-feira (10). O presidente falou: ‘Temos que dar um jeito de resolver isso aí’. Então o sinal do incômodo estava dado.

Não foi uma surpresa, portanto. Não. O problema é que a gente está numa guerra de versão, é tudo uma narrativa. Foi como no caso da taxação da blusinha, eu conversei com alguns. Todo mundo em off está naquela situação que às vezes até o PT já esteve quando era oposição: ‘Eu vou firmar minha posição contrário doido para que vocês ganhem’. Sabe como é? Eu, modéstia à parte, não pratiquei porque não gosto desse caminho, mas já se praticou. Alguém me disse: ‘É igual o que vocês faziam’. Não vou dizer nome, mas muitos falaram: ‘Ainda bem que vocês ganharam’. Infelizmente, todo mundo aqui depende de voto, depende de jogar para a galera, então vira isso.

Mas ainda assim o Haddad resistiu, quis manter a MP. Ele queria manter a compensação, e o caminho que ele encontrou foi essa MP. Mas deu um barulho muito grande – na minha opinião, um barulho que tem alguns de verdade e alguns que estão puxando a sua defesa prévia. Ou seja, quem está usando mal esse benefício, está doido para que não se mergulhe nisso aí. E tem gente que está usando mal lá em cima, é muito dinheiro.

Sabemos que ele ainda tentou editar outra medida, mas a ideia não foi bem recebida. A única coisa que foi pensada seria republicar com a proposta trazendo a noventena. Só que como já estava tão contaminado o ambiente, disse: ‘É  melhor não sair por aí. Porque vão ser 90 dias a gente apanhando’. Na minha opinião, era uma tentativa de compor, mas estava todo mundo muito excitado com esse negócio, porque mexe no bolso. Então, na verdade, se se pensou em uma outra MP, era tirando a parte que onerava e mantendo as conformidades. Coisa que foi feita com base na legalidade pelo Rodrigo Pacheco. Já sei que me escalaram para dizer que eu botei o Haddad no fogo. Não. Eu tirei o Haddad do fogo. Tanto que saí do Pacheco e fui lá falar com o Haddad. E ele me agradeceu.

Agradeceu? Claro. Primeiro porque eu não fiz nada demais. O Rodrigo já estava nessa busca, ele não queria dar um tapa na cara do governo, mas tinha de responder à pressão que estava recebendo. Ele pegou a parte ilegal e a impugnou. A parte das conformidades não tem nada de ilegal e ficou mantida. Ele manteve o estruturante e tirou o que era o conflito. Aí se alguém que aconselhou o Haddad errou ou não errou, para mim não interessa.

Como o Haddad está em meio a esse processo turbulento? Feliz ele não está. Mas não é porque a MP voltou ou caiu. Ele não está feliz porque ele está preocupado com o país. Repare: o Haddad está aqui por obra e graça dos objetivos e dos ideais dele. Não tem um segundo motivo. Tudo isso é fruto de quem tem que cuidar do equilíbrio fiscal, gasto e despesa, e uma despesa criada que a gente sabe que foi estica e puxa. O mercado está enxergando, qualquer investidor está enxergando: a conta fecha ou não fecha. Se não botar a compensação, não fecha. A preocupação centrada no ministro da Fazenda é essa.

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Por que o senhor fez questão de estar ao lado do presidente do Senado quando ele anunciou a devolução da MP? Fiz questão de estar ao lado para dizer o seguinte: “Isso aqui não é ele derrotando o governo. É o encontro de uma solução para um problema’. E, se não ficasse ao lado, sabe quem ia ficar? O líder da oposição, para dizer que era uma derrota do governo. Gesto é importante, né? Então fiquei sentado lá o tempo todo.

Fonte: https://veja.abril.com.br/politica/a-parte-que-mais-doi-e-o-bolso-sempre-vai-ter-reacao-diz-lider-de-lula/