Disputa pelo comando do Congresso em 2025 já influencia pauta de votações

Horas depois do encerramento da sessão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento pela descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha, para que haja uma diferenciação clara entre usuários e traficantes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-­AL), anunciou a criação de uma comissão especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição. Já aprovada no Senado, ela estabelece como crime o porte de qualquer quantidade de droga. A medida, que agrada aos parlamentares conservadores e religiosos, não é isolada. Somente na semana passada, Lira pautou a urgência do projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio e tentou fazer andar duas propostas que interessam à classe política: o fim das delações premiadas e a concessão de anistia aos partidos por dívidas contraídas em razão de multas pelo descumprimento de cotas para candidaturas de mulheres e pessoas negras.

Embora sejam medidas que descontentam parcelas da sociedade, elas obedecem a uma lógica política: manter o poder na Câmara. A Arthur Lira restam cerca de sete meses na presidência da Casa. Para garantir a manutenção de sua influência quando retornar à “planície”, em fevereiro de 2025, ele precisa fazer o sucessor. Diante de um cenário ainda incerto, com várias pré-candidaturas e um eleitorado interno diversificado e disposto a vender caro sua capacidade de mobilização, o chefe da Câmara tem buscado garantir apoios com acenos importantes às bancadas mais fortes, numerosas e influentes.

CALMARIA - Rodrigo Pacheco: articulação tranquila em torno do nome de Alcolumbre permite distância de polêmicas (Marcos Oliveira/Ag. Senado)

A disputa em torno da sucessão na Câmara tende a se intensificar nos próximos meses, e isso pode se refletir ainda mais no andamento das pautas no Congresso. Com um calendário curto por causa do recesso (de 17 de julho a 1º de agosto) e das eleições municipais, em outubro, a atividade parlamentar tende a ser menor no segundo semestre, diminuindo o poder de barganha do presidente da Casa. Para um deputado experiente, há uma “janela” de 45 dias para Lira adiantar os acordos sobre seu sucessor. E terá de fazer isso sem dispor da influência sobre o orçamento, que o ajudou a ser reeleito com 464 votos entre 513 deputados. “Ele teve todos os recursos em 2023, mas o que vai fazer agora, já que as emendas estão com valor altíssimo? Vai ter de arrumar algum outro caminho”, diz o cientista político Alberto Carlos Almeida, diretor da empresa de pesquisa e consultoria Brasilis e autor do livro A Política Como Ela É.

Por isso, nos últimos meses o deputado alagoano vem intensificando os acenos às bancadas mais ruidosas da Câmara, como a evangélica, no caso do “PL do Aborto”, e a ligada ao agronegócio, nas pautas do chamado pacote anti-invasão de terras e do projeto de lei que exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras. Apesar da polêmica em torno do aborto, que mobilizou as redes sociais e gerou protestos de rua — o que obrigou Lira a dar entrevista para dizer que o projeto não andaria rápido —, a bancada evangélica não escondeu a satisfação de ver o tema voltar à pauta, já que a bandeira é uma das que mais mobilizam o eleitorado à direita.

TEATRO - Atriz “dá voz” a um feto em audiência sobre aborto, no Senado: performance causou irritação em Pacheco
TEATRO - Atriz “dá voz” a um feto em audiência sobre aborto, no Senado: performance causou irritação em Pacheco (Geraldo Magela/Ag. Senado)

Uma das características que marcaram a ascensão de Lira na Câmara foi a sua fama de entregar o que promete. Boa parte das pautas que têm feito andar agora possui relação com os acertos que fez para a sua reeleição — sem cumprir o prometido na disputa passada, ele não teria condições de manter a coesão de parte expressiva da bancada em torno de seu projeto político interno. Autor do PL 1.904/2024, que ficou conhecido como “PL do Aborto”, e um dos expoentes evangélicos, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) diz que o fato de Lira ter pautado a urgência da matéria não garante apoio ao candidato dele, mas ajuda no entendimento com a bancada evangélica e a direita em geral. “O gesto mostra que ele é cumpridor de acordos, o que é muito importante na relação política. Mas o acordo é daqui para trás”, ressalva. Lira afirmou a VEJA que sempre se alinhou a matérias conservadoras e que não precisa pautar projetos nessa linha para ter o apoio desse segmento. Segundo ele, a sua prioridade agora será aprovar até 13 de julho os projetos de lei complementar que regulamentam a reforma tributária, de interesse do governo. “A reforma foi aprovada em nossa gestão após quarenta anos e foi a primeira realizada em um regime democrático no país”, diz.

A situação vivida pelo chefe da Câmara contrasta com a de seu colega na outra Casa do Parlamento. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cujo mandato também se encerra em fevereiro, tem a vida teoricamente mais resolvida em relação à escolha de seu sucessor. As conversas apontam para a convergência de governistas, independentes e oposição para o retorno de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) ao comando do Senado. Não está descartada, inclusive, a possibilidade de candidatura única. Entre dirigentes partidários e líderes da Casa, há o temor de lançar uma candidatura que se mostre sem viabilidade e, em caso de derrota, ficar fora da Mesa Diretora. Foi o que ocorreu com o PL em 2023, quando lançou Rogério Marinho. O líder do União Brasil, Efraim Filho (PB), lembra que Alcolumbre foi eleito e reeleito presidente do Senado com amplo apoio, e que chegou-se a discutir a possibilidade de ele ter um terceiro mandato, o que só não se concretizou porque a ideia foi barrada pelo STF. E que a candidatura de Pacheco foi articulada por causa da impossibilidade de Alcolumbre permanecer na cadeira. “Pacheco é produto do Alcolumbre. Já Lira precisa usar seu prestígio para eleger o sucessor”, compara.

EMBATE - STF discute o porte de maconha: julgamento incomodou o Congresso
EMBATE – STF discute o porte de maconha: julgamento incomodou o Congresso (Antonio Augusto/SCO/STF)

O cenário, menos incerto no Senado, permite que Pacheco se sinta mais à vontade para servir de barreira a pautas impopulares. No caso do “PL do Aborto”, apressou-se a dizer que a iniciativa, que ele classificou de “irracionalidade”, não teria vida fácil no Senado. “Isso evidentemente jamais viria diretamente ao plenário do Senado”, afirmou. Na mesma semana, ficou irritado com senadores conservadores, como Eduardo Girão (Novo-CE) e Damares Alves (Republicanos-DF), que apoiaram uma performance em que uma atriz interpretou um feto durante uma audiência contra o aborto. Quando a PEC 3/2022 ganhou as redes sociais com o codinome de “PEC das Praias” e gerou debates acirrados — e equivocados — sobre a privatização da costa, Pacheco foi na mesma linha, ao jogar água na fervura do projeto relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). “Não há nenhum tipo de previsão nesse momento, não há açodamento, não há pressa”, disse.

O ritmo é distinto na Câmara. Embora afirme que vai anunciar somente em agosto seu indicado, é praticamente certo que Lira escolherá Elmar Nascimento (União Brasil-BA). Nos festejos de São João, foram vistos juntos em cidades do interior de Pernambuco e da Paraíba conversando com parlamentares fora do ambiente sisudo do Congresso. Foi uma repetição do que fizeram no Carnaval e no réveillon, quando também estiveram juntos recebendo colegas, desta vez na Bahia. Elmar tem feito acenos ao governo para diminuir a forte resistência a seu nome — o deputado é adversário histórico do PT na Bahia — e tem procurado os partidos com as maiores bancadas em busca de apoio. Outros nomes aparecem no páreo, como Antonio Brito (PSD-­BA), que goza de maior simpatia do governo, e Marcos Pereira (Republicanos-SP), forte na bancada evangélica. Ambos têm feito movimentos discretos de articulação. Há ainda pré-candidatos com menor viabilidade, como Altineu Côrtes (PL-­RJ), Hugo Motta (Republicanos-­PB) e Dr. Luizinho (PP-RJ).

PRESSÃO - Sóstenes: para o deputado, Lira só cumpriu acordo “daqui para trás”
PRESSÃO - Sóstenes: para o deputado, Lira só cumpriu acordo “daqui para trás” (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

O desfecho do julgamento no STF sobre a maconha deu uma oportunidade de ouro a Lira. Ao estabelecer a quantidade de 40 gramas para diferenciar usuários de traficantes, a Corte invadiu a competência do Legislativo na opinião de muitos parlamentares, em especial os conservadores. A reação rápida de Lira agradou, não só por causa da proposta — proibir qualquer porte de droga —, mas por ser uma forma de mostrar a independência do Parlamento. “A democracia só se estabelece em forma plena quando um poder respeita a esfera de competências dos outros poderes. E o Arthur Lira tem tido esse papel de defender o Congresso Nacional através da Câmara dos Deputados”, resumiu o deputado Ricardo Salles (PL-SP), relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça e um dos expoentes da bancada da direita. A comissão, que terá 34 titulares e 34 suplentes, tende a produzir mais fumaça do que fogo, mas dará tração à estratégia conservadora na Comissão — e alguns pontos adicionais a Lira no esforço de fazer o seu sucessor.

Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899

Fonte: https://veja.abril.com.br/politica/disputa-pelo-comando-do-congresso-em-2025-ja-influencia-pauta-de-votacoes/