Por que o Supremo deve recuar

No sábado, Elon Musk decidiu fechar o escritório do X/Twitter no Brasil em protesto contra os atos do ministro Alexandre de Moraes, os quais qualifica como “censura”. Dias antes, a divulgação pela Folha de S. Paulo de mensagens de assessores de Alexandre causou escândalo.

É tentador descartar o ato de Musk rotulando-o como hipócrita e/ou desequilibrado, já que ele censura qualquer um que o critique e estimula e acoberta gente que quer destruir a democracia, tanto cá como nos EUA.

É tentador descartar o escândalo causado pela suposta “Vaza-Jato do Xandão” rotulando-a como uma tempestade num copo d’água, já que Alexandre tinha poder de polícia e não teria cabimento ele oficiar a si mesmo.

Muita gente boa — a começar por diversos ministros do STF — fez exatamente isso, cerrando fileiras em torno de Alexandre de Moraes, rotulando os críticos do Supremo como bolsonaristas ou inimigos da democracia.

É um erro, no entanto, cair nessa tentação.

O inquérito das fake-news, que abriga quase tudo o que é polêmico nas ações do Supremo, foi criado de ofício (há mais de cinco anos) pelo então presidente do Supremo, Dias Toffoli, e entregue a Alexandre de Moraes sem sorteio. Sua razão de ser foi censurar a revista Crusoé e o site O Antagonista, que acusavam Toffoli de ser “o amigo do amigo do meu pai” no escândalo da Odebrecht. Além dos vários vícios de origem, o inquérito corre sob sigilo e contém um enorme número de ações altamente discutíveis, incluindo censura prévia e prisões.

Houve um tempo em que o bolsonarismo representou uma enorme ameaça à democracia brasileira, com tentativa de fraude eleitoral e articulação de um golpe de Estado. A produção de fake news andava a todo vapor, e a PGR e a PF, cooptadas, estavam inermes. Dado o tamanho da ameaça e a pressa para neutralizá-la, pode-se considerar que os erros e excessos cometidos na época tenham sido inevitáveis e/ou aceitáveis.

Esse tempo passou. É hora de retornar à normalidade institucional. Não há como justificar coisas como censura prévia; prisão sem acusação ou julgamento; que a mesma pessoa atue como vítima, investigador, promotor e juiz.

Segundo Steven Levitsky, autor de “Como as democracias morrem”, o que mata as democracias nos dias de hoje é a ação abusiva de agentes públicos que esticam demasiadamente a corda de seu poder. Jair Bolsonaro a esticou no limite, e ela quase se rompeu.

Mas Bolsonaro era um inimigo da democracia: era de se esperar que esticasse a corda. Bolsonaro foi combatido (possivelmente com erros e excessos aqui e ali), a ameaça concreta desapareceu, o alerta de Karl Popper — os tolerantes não podem ser tolerantes com a intolerância sob risco da extinção da tolerância — não se aplica mais.

O STF é o defensor da democracia: não pode ser ele a esticar a corda. Não pode ser ele a ameaça à institucionalidade. É hora de o Supremo voltar a operar dentro da caixa.

Sob o risco de deixar de ser o mocinho e passar a ser o vilão.

(Por Ricardo Rangel em 19/08/2024)

Fonte: https://veja.abril.com.br/coluna/ricardo-rangel/por-que-o-supremo-deve-recuar/