Durante duas décadas, o Rio Grande do Norte operou com uma legislação ambiental escrita antes da ascensão das energias renováveis, da pauta do hidrogênio verde e da consolidação de um modelo regulatório mais ágil em estados vizinhos. A Lei Complementar 272, de 2004, hoje é apontada como um dos principais entraves ao desenvolvimento econômico do estado. Com regras rígidas, estrutura administrativa sobrecarregada e centralização quase total dos licenciamentos no Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema), ela transformou o que deveria ser fiscalização em obstáculo. Agora, a Assembleia Legislativa inicia o processo de revisão da norma. A proposta tem apoio do setor produtivo, prefeitos do interior, técnicos ambientais e parte expressiva do governo estadual.
“Hoje, o Idema licencia tudo — do lava-jato ao parque eólico. É impossível continuar desse jeito”, afirma o deputado estadual Neilton Diógenes (PP), autor da proposta de revisão da lei e articulador de uma audiência pública, nesta terça-feira 4, que reuniu representantes de 11 consórcios municipais, federações empresariais e técnicos da área ambiental. A crítica não mira o papel fiscalizador do órgão, mas sua incapacidade funcional de responder à demanda. “Estamos com uma legislação que foi escrita antes do Acordo de Paris, antes do hidrogênio verde, antes da inteligência artificial. O mundo mudou. O Rio Grande do Norte não pode continuar travado”, disse o parlamentar.
O Idema emite atualmente cerca de 7,5 mil licenças por ano. Há poucos anos, esse número não passava de 2 mil. Mas o salto quantitativo não representa eficiência. A maior parte das análises ainda é conduzida por bolsistas, em regime precário e com alta rotatividade. Werner Farkatt, atual diretor-geral, explica que o órgão cresceu improvisando: “Temos servidores oriundos de secretarias extintas. A maioria não é de carreira ambiental. São funcionários da Datanorte, da Educação, de áreas que foram incorporadas. Muitos já estão em vias de aposentadoria. E os técnicos que ainda temos trabalham sob ameaça constante de responsabilização jurídica”.
O custo disso é alto. Empreendimentos simples, como uma padaria ou uma pizzaria no interior, ainda exigem vistoria presencial do Idema. Prefeitos relatam esperar meses por licenças básicas. “Eu encontrei técnicos indo até Jardim de Piranhas apenas para licenciar uma pizzaria”, relatou Werner. Com a centralização, os 156 municípios potiguares que não têm autorização para emitir licenças de impacto local dependem da fila estadual. Para Juliana Ramalho, da Associação dos Engenheiros Ambientais, isso é um contrassenso: “O município que licencia um posto de combustível com 45 mil litros pode muito bem licenciar um com 90 mil. O problema é político e jurídico. E a legislação atual impede que isso mude”.
O setor produtivo também pressiona. A Federação das Indústrias do RN (Fiern) montou um grupo técnico e apresentou minuta de modernização da lei 272. A proposta inclui autonomia técnica para o Idema, descentralização por meio de consórcios intermunicipais e revisão de prazos e etapas que hoje tornaram-se gargalos. “Queremos análise técnica, sim. Mas com previsibilidade. O Rio Grande do Norte precisa andar no mesmo ritmo dos outros estados”, defendeu Ana Adalgisa, coordenadora executiva da Fiern. Segundo ela, apenas 11 municípios potiguares têm licenciamento próprio. Os demais seguem travados.
O diagnóstico é compartilhado também pelo setor de consultoria ambiental. “Não adianta dizer que é perigoso dar autonomia aos municípios. Isso já é previsto em lei federal. O que falta é metodologia, treinamento e cooperação”, afirma Vinícius Formighieri, da Associação Potiguar dos Consultores Ambientais. Para ele, o problema do licenciamento potiguar não é técnico, mas estrutural. “Temos empresas que licenciam no Maranhão, no Goiás, no Espírito Santo. Aqui, o processo leva anos. E o investimento vai embora”.
A Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Semarh), responsável pela formulação da política ambiental, já iniciou a reavaliação da lei. Um grupo de trabalho com participação do Idema, Caern, Igarn e federações empresariais trabalha em um novo texto legal. A minuta será submetida à consulta pública ainda no segundo semestre de 2025. Antes disso, está prevista a realização de workshops regionais em Mossoró, Caicó e São Paulo do Potengi. A expectativa do governo é que o novo marco regulatório seja votado até o fim do ano.
Além da descentralização e da revisão de prazos, outros temas emergem. Um deles é a compensação ambiental. Hoje, empreendedores enfrentam dificuldades para cumprir exigências legais por falta de áreas disponíveis no estado. “Tenho licenças travadas há dois anos porque não encontro terreno para recomposição vegetal. O custo do metro quadrado é maior que o valor de venda do imóvel”, afirmou um empresário durante a audiência.
A crítica à atual legislação, no entanto, não é sinônimo de desprezo pela agenda ambiental. “O que está em jogo aqui não é reduzir proteção. É garantir que a proteção funcione”, explicou a vereadora Rárika Bastos (Republicanos), de Parnamirim. “O município que sequer tem plano diretor não pode ter poder de licenciar sozinho. Mas também não pode ficar refém de um órgão que precisa licenciar até pizzaria. É preciso equilíbrio”, destacou.
Com 75% dos empregos formais concentrados na Grande Natal, o interior do Estado vive uma estagnação que, segundo os participantes da audiência, só será superada com novas obras, novas empresas e novos projetos. Para isso, é preciso destravar os entraves regulatórios. “Nós somos o 27º em sustentabilidade ambiental no ranking nacional”, afirmou o deputado Neilton. “Não por falta de recursos naturais, mas por excesso de burocracia e lentidão.”
Fonte: https://agorarn.com.br/ultimas/estado-tenta-romper-paralisia-ambiental-que-afasta-empresas/