Proibir o uso de celulares nas escolas é uma tentativa tardia e equivocada de solucionar um problema que deveria ter sido enfrentado muito antes. A avaliação é do especialista em educação pública Paulo Lira, que criticou duramente as medidas adotadas por diversos estados e municípios brasileiros ao impedirem alunos de utilizarem aparelhos móveis durante as aulas. Ele defende que, ao invés de proibir, as escolas deveriam ter incluído essas tecnologias como ferramentas pedagógicas desde o início.
Segundo o especialista, que já foi subsecretário de Educação do Ceará entre 1996 e 1999 e hoje atua como consultor em educação pública em todo o país, o uso dos celulares já está profundamente enraizado na vida das crianças e adolescentes. Para ele, tentar banir esses aparelhos das salas de aula não resolve a questão central e ainda pode gerar conflitos difíceis de administrar. “Estamos tentando curar o carrapato matando o boi. Duvido muito que proibir o celular nas escolas tenha resultado prático, positivo”.
Paulo relatou ainda casos de profissionais que sofreram ameaças e pressões após tentarem implementar essas proibições. Ele citou especificamente o exemplo recente de uma diretora no Rio de Janeiro que renunciou ao cargo depois de sofrer ameaças dos alunos por ter adotado a medida. Um caso semelhante aconteceu recentemente em São José do Mipibu, na Grande Natal, onde uma diretora também pediu exoneração devido à pressão sofrida.
Para ele, a melhor saída seria investir no treinamento dos professores para utilizar os celulares e tablets como ferramentas de ensino. E acredita que as escolas perderam a oportunidade de incluir essas tecnologias na educação de forma eficaz há mais de uma década. “O uso dessas ferramentas é irreversível na sociedade contemporânea. Devemos investir no talento didático-pedagógico dos professores, para que o celular seja um aliado no aprendizado, não um obstáculo”, afirmou.
Sobre o financiamento da educação pública brasileira, Paulo Lira afirmou que o atual modelo, baseado no Fundeb, apesar de bem-concebido, ainda é amplamente desconhecido por gestores e educadores. Segundo ele, a nova versão do fundo aumentará a contribuição federal de 10% para 23% até 2026, embora a maior parte dos recursos continue sendo proveniente dos estados e municípios. No caso do Rio Grande do Norte, especificamente, o aumento será apenas de 10% para 13%, já que o estado não está entre os dez mais pobres da federação, grupo que recebe maior aporte financeiro da União.
Paulo Lira destacou o exemplo do Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil, que hoje apresenta 90 das 100 melhores escolas públicas de ensino fundamental do país. Isso comprova, segundo ele, que uma boa gestão técnica e comprometida pode garantir bons resultados mesmo com recursos limitados. “O Ceará é o terceiro estado que mais depende da contribuição federal no Fundeb, e ainda assim é um exemplo nacional na educação pública”, destacou.
O especialista também fez um alerta sobre a falta de credibilidade da escola pública junto às famílias brasileiras. Ele estranhou o fato de que, mesmo com professores mais bem remunerados e melhores condições estruturais como transporte, merenda e material didático gratuito e de alta qualidade, muitas famílias ainda prefiram matricular seus filhos em escolas privadas, especialmente em cidades pequenas e médias. “É preciso inverter essa lógica, recuperar a credibilidade da educação pública junto à sociedade”, afirmou.
Paulo Lira encerrou reforçando que o sucesso da educação básica brasileira depende, acima de tudo, de uma gestão técnica, isenta e com autonomia. Ele defendeu que somente com resultados concretos e melhorias reais no aprendizado será possível restaurar a confiança das famílias na escola pública brasileira.
Fonte: https://agorarn.com.br/ultimas/proibir-celular-escolas-tardia-paulo-lira/