AM tem mais de 1.300 pessoas em situação de rua, diz relatório

As ruas do Centro de Manaus estão tomadas por pessoas em situação de vulnerabilidade social. O Relatório Preliminar População em Situação de Rua apontou que o Amazonas possui 1.310 pessoas em situação de rua. O cenário alarmou o Ministério Público Federal (MPF), que vem cobrando das autoridades providências para suprir as necessidades básicas dessa parcela da população.

A estimativa é oriunda do Cadastro Único (CadÚnico), de pessoas que possuem cadastro nos equipamentos de proteção social especial no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), bem como no Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (CENTRO POP) e no Relatório Preliminar População em Situação de Rua – Diagnóstico.

Na capital, boa parte desse grupo se concentra na Praça dos Remédios, situada na região central da cidade. No último mês, pessoas em situação de rua chegaram a construir uma espécie de “casa na árvore” e passaram a utilizar a estrutura do local como banheiro. A situação foi denunciada por uma testemunha, que alertou para os riscos enfrentados por quem frequenta o espaço público.

“Aqui a gente não pode nem mais sentar, a árvore que caiu virou banheiro sanitário deles, eles colocam lona por cima deles e fazem as necessidades, tudo podre. A gente não pode sentar, se sentar é assaltado. O Centro não é para amador não. […] Horrível está essa praça do Centro”, diz a denunciante.

Fatores

Foto: José Cruz/Agência Brasil

No entanto, é preciso observar os fatores que levaram essas pessoas a se abrigarem nas ruas. Segundo a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), os principais motivos apontados para a situação de rua foram os problemas familiares, seguidos do desemprego, do alcoolismo e/ou uso de drogas, e da perda de moradia.

A dissertação Moradoras de Rua: Os relatos das mulheres que estão acolhidas no abrigo temporário do Governo do Amazonas em Manaus, de autoria de Célia de Oliveira, reúne narrativas de mulheres em situação de rua que revelam uma diversidade de motivos que contribuíram para essa condição.

Uma das personagens centrais foi apelidada de Jambo. Embora tivesse parentes residindo em Manaus, os conflitos constantes com a família a levaram a viver em situação de rua.

“Estou morando nas ruas há dois anos com meu marido, por brigar muito com minha irmã caçula
que mora na casa do meu pai, cuidando dele por que ele tem AVC, tudo por que sou alcoólatra,
bebo á 20 anos e não consigo parar. Por isso não consigo mais arrumar trabalho mesmo tendo
experiência comprovada, mas quando recebi o Auxílio Emergencial durante os 6 meses juntei meu
dinheiro com do meu marido e fomos morar alugados em um quarto alugado lá no centro, mas
quando acabou o benefício voltamos para a rua novamente. Ficávamos nas praças do centro e as
noites iam dormir no Hospital Getúlio Vargas”, disse.

Ainda sobre conflitos familiares, outra personagem, denominada Acerola, também vivia nas ruas, e seus parentes não conheciam sua realidade.

“Eu e meu companheiro morávamos alugados, mas por causa da pandemia ficamos desempregados, foi quando fomos morar nas ruas, perambulávamos pelo centro durante o dia, quando chegava à noite íamos dormir na frente do Banco do Brasil da Rua Guilherme Moreira, mesmo assim continuei a procurar trabalho, mas infelizmente não consigo outro trabalho, mesmo tendo ensino médio completo e experiência registrada na carteira, tudo por que não ter endereço fixo e por ser moradora de rua. Tenho família em Manaus minha mãe e irmãos, mas não quero incomodar ninguém, não moro com eles por que não quero ser sustentada por eles e depois eles ficarem falando de mim. Eles também não sabem
que eu estou vivendo nessa condição de rua, e eu nem quero que eles saibam”, pontuou.

Segundo o sociólogo Israel Pinheiro, existe um estigma em relação às pessoas em situação de rua, que foi reforçado pela sociedade com o passar dos anos.

“Normalmente, as pessoas sofrem sobre o estigma de marginalização, porque dentro da sociedade brasileira se construiu a crença de que as pessoas que estão na rua são de certa forma vagabundas, de certa forma preguiçosas ou de certa forma, não tentaram o suficiente, qualquer coisa que tenha feito elas irem parar na situação de rua. E isso é uma herança histórica, que vem desde o século XIX, onde os códigos morais de ética, e as normas de conduta e de costumes, da própria província, criminalizavam a vadiagem, a mendigância, todo um conjunto de elementos que, no século XX, passa a ser não mais crime, e, todavia, passa a virar um estigma social partilhado por todos. Isso tem impacto na vida das pessoas que estão em situação de rua”, detalhou o profissional.

Dados do Relatório Preliminar População em Situação de Rua revelam que há um perfil para pessoas em situação de rua, sendo a maioria composta por homens adultos (entre 30 e 49 anos) e pessoas negras.

Assistência

Foto: Divulgação

Vivendo à margem da sociedade, as pessoas em situação de rua demandam atenção especial, pois cada ser humano carrega uma história e motivações singulares. Trata-se de uma realidade complexa, que não pode ser resolvida de forma apressada ou simplista.

“A situação de rua envolve também outros problemas maiores, como a questão da moradia, a questão da renda mínima para a pessoa sustentar, todo um conjunto de elementos que, a meu ver, deveria ser papel do Estado garantir para que as pessoas pudessem se recuperar, caso elas estejam em sofrimento psíquico, caso elas estejam em situação de rua por questões econômicas, para que você tenha uma chance, para que essas pessoas possam seguir em frente após a situação”, acentua Israel Pinheiro.

Em abril, o MPF promoveu encontros estratégicos com representantes de órgãos do estado e do município de Manaus para discutir a necessidade de uma ação integrada entre as esferas governamentais para a efetiva garantia dos direitos humanos.

Na ocasião, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Thiago Coelho Sacchetto, reforçou a necessidade de cumprimento dos direitos dessas pessoas, dignas de tratamento humano como quaisquer outras. Nesse sentido, destacou a recomendação expedida pelo MPF para que o município de Manaus e o estado do Amazonas façam a adesão formal à Política Nacional para a População em Situação de Rua e a implementem.

Ao Em Tempo, o Governo do Amazonas, por meio da Sejusc, destacou que possui a Gerência de Políticas à População em Situação de Rua (GPPSR), que tem como atribuição articular, formular e coordenar políticas públicas voltadas para essa população, promovendo sua plena cidadania e garantindo seus direitos. A GPPSR realiza e participa de ações de sensibilização, de saúde e cidadania; apoia abordagens sociais; realiza visitas técnicas e reuniões de alinhamento do fluxo de atendimento à população em situação de rua; viabiliza a emissão da segunda via do RCN, da CIN e de outros documentos por meio de parceria com a Secretaria Executiva de Cidadania (Secid), a Casa da Cidadania e a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP/AM).

A pasta também está reativando o Comitê Intersetorial de Políticas Públicas para Atenção à População em Situação de Rua (CIPPR/AM), sendo a primeira etapa a busca pela indicação dos representantes das organizações públicas e da sociedade civil que compõem o Comitê. Dessa forma, foi publicado um Edital de Chamamento para que Organizações da Sociedade Civil (OSC) pudessem se inscrever para participar da eleição para compor o CIPPR. As inscrições foram realizadas até o dia 25 de abril de 2025.

A reativação do CIPPR possibilitará a criação de um plano de ação consolidado, visto que se trata de uma política intersetorial. Portanto, é necessária a participação de diversas entidades públicas, bem como a integração com a sociedade civil, para que o alegado plano contemple todos os âmbitos da política que permeiam a população em situação de rua.

Em setembro de 2024, a Prefeitura de Manaus aderiu ao Plano Ruas Visíveis, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O plano atua em sete eixos prioritários, incluindo habitação, trabalho e renda, saúde, cidadania e segurança alimentar. A iniciativa também envolve projetos como o Moradia Cidadã, Pontos de Apoio da Rua (PAR) e a destinação de recursos para cooperativas de catadores autônomos de materiais recicláveis.

Leia mais: Grupos sociais ajudam a combater insegurança alimentar em Manaus

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Fonte: https://emtempo.com.br/398331/amazonas/am-tem-mais-de-1-300-pessoas-em-situacao-de-rua-diz-relatorio/