Fiocruz Amazônia cobra que feminicídio entre na vigilância do SUS

Manaus (AM) – O pesquisador Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, fez um alerta direto: o feminicídio segue invisível nas estatísticas oficiais de saúde. Em reunião no Ministério da Saúde, em Brasília, ele defendeu que o crime seja incluído como prioridade na vigilância epidemiológica do Sistema Único de Saúde (SUS), com metodologias acessíveis e suporte técnico às políticas públicas.

Orellana coordena a Rede Vigifeminicídio, uma estratégia da Fiocruz que mapeia, desde 2016, os assassinatos de mulheres nas capitais da Amazônia Ocidental — Manaus (AM), Boa Vista (RR), Rio Branco (AC) e Porto Velho (RO) — além do Rio de Janeiro.

Com uso de vigilância digital, geoprocessamento e estatísticas inteligentes, a rede vem construindo séries históricas inéditas, com dados como local exato da agressão, perfil das vítimas e circunstâncias dos crimes.

“É preciso parar de fingir que o feminicídio não pode ser medido. Ele pode e deve ser dimensionado com responsabilidade científica”, diz Orellana.

Dados inéditos da Amazônia expõem omissão

A rede cobre aproximadamente 50% da população feminina com mais de 10 anos dos quatro estados da Amazônia Ocidental. Segundo o pesquisador, os dados disponíveis sobre Manaus e Porto Velho são os mais detalhados do país. As informações incluem séries temporais, pontos geográficos exatos e cruzamentos com fatores sociais que influenciam a violência de gênero.

Apesar da relevância, o projeto enfrenta risco de descontinuidade por falta de financiamento.

“A sustentabilidade da iniciativa está ameaçada. Tentativas de obter apoio junto a parlamentares, agências de fomento e governos não têm surtido efeito”, desabafa Orellana.

Ministério da Saúde acionado

Em 12 de junho, a equipe da Fiocruz esteve reunida com a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) do Ministério da Saúde. Participaram do encontro técnicos do Departamento de Análise Epidemiológica (DAENT) e a coordenadora Naíza Nayla Bandeira de Sá.

A pauta foi clara: o feminicídio precisa entrar de vez no rol de prioridades do SUS, com incentivo à pesquisa, parcerias intersetoriais e financiamento contínuo. O Ministério ainda não formalizou nenhuma resposta concreta.

Lei recente fortalece urgência

A Lei 14.994/2024 tornou o feminicídio um tipo penal autônomo, com pena de até 40 anos. Isso facilita a classificação do crime nos registros legais, mas o sistema de saúde ainda carece de estrutura para acompanhar, prevenir e monitorar essas mortes com rigor epidemiológico.

Uma rede de universidades pela vida das mulheres

O projeto envolve uma coalizão de instituições:

  • Fiocruz Amazônia (ILMD)
  • UEA (Universidade do Estado do Amazonas)
  • UFAC (Universidade Federal do Acre)
  • UNIR (Universidade Federal de Rondônia)
  • ENSP/Fiocruz (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca)

Treinamentos recentes foram realizados em universidades, como em maio na UFAC, para capacitar pesquisadores no uso de captura inteligente de dados sobre feminicídios.

Sem estatística, sem política

A Rede Vigifeminicídio está produzindo o que o Estado falha em fazer: gerar informação qualificada para transformar a dor em política pública. Mas, sem recursos, até a melhor ciência morre à míngua.

“É gratificante ver a expansão da estratégia, mas não podemos depender de voluntarismo em um país ainda tão machista. O feminicídio precisa de orçamento, estrutura e ação”, conclui Orellana.

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Fonte: https://emtempo.com.br/411756/amazonas/fiocruz-amazonia-cobra-que-feminicidio-entre-na-vigilancia-do-sus/