85,1% dos diretores rejeitam fascistização de escolas de São Paulo por Tarcísio

Projeto das escolas cívico-militares foi aprovado na Alesp sob forte repressão contra estudantes – Foto: Reprodução/X

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc) divulgou um levantamento que mostra apenas 14,9% dos diretores da rede estadual interessados em atuar em escolas de cívico-militares, que o governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos) está empenhado em criar.

De acordo com o levantamento divulgado pela Secretaria de Educação, apenas 302 diretores se colocaram a favor do projeto em uma consulta realizada na última semana de junho.  A pesquisa consultou os diretores de escolas que supostamente atendiam a critérios pré-definidos pelo governo, como baixo desempenho escolar, localização em áreas vulneráveis, entre outros. Ao todo, mais de 2 mil escolas foram qualificadas para a consulta.

O ataque à gestão escolar pelo governador bolsonarista com a intervenção de policiais militares na gestão das escolas de São Paulo não possui qualquer justificativa pedagógica, ou melhoria da educação. Uma ação de cunho fascista que pretende reprimir a democracia nas escolas.

O objetivo é o de transformar o ambiente escolar em um território de doutrinação ideológica, para, nas palavras de Tarcísio, criar “novos Bolsonaros”.

Para a presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES), Valentina Macedo, a declaração de Tarcísio “desmascara a mentira de quem diz que a militarização vai resolver os problemas da educação. Esse projeto, que foi aprovado inclusive por quem defende o escolar sem partido, é a galera que, na verdade, quer uma escola com o partido deles e com a ideologia fascista deles”.

Ela relembra que enquanto o governo tenta intervir na direção das escolas, tenta aprovar na Alesp um corte de R$ 10 bilhões na Educação de São Paulo. “É contraditório esse projeto ter sido aprovado a toque de caixa, com estudantes sendo agredidos e presos para se manifestar, enquanto o governo e seus aliados tentam passar um corte que tira 10 bilhões de educação. Os estudantes não querem estudar ‘novos Bolsonaros’. A gente quer uma escola de qualidade com investimento”, criticou.

“Lugar de policial não é dentro de escola. É fora dela, defendendo a população”, ressaltou a líder estudantil.

INCONSTITUCIONAL

A lei que autoriza a intervenção em São Paulo foi sancionada após aprovação sob violenta repressão por Tarcísio de Freitas, em maio deste ano e, desde então, a norma tem sido questionada por promotores de Justiça e por partidos políticos no Supremo Tribunal Federal (STF). O Partido Socialista e Liberdade (PSOL) deu entrada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o projeto.

Seguindo o rito usual, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou um parecer da AGU sobre o mérito. O órgão se manifestou em 28 de junho, classificando o modelo como inconstitucional.

De acordo com Flavio José Roman, Advogado-Geral da União substituto, existem incompatibilidades entre a lei estadual e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que rege o ensino brasileiro nos níveis federal, estadual e municipal.

“Ao analisar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Lei que instituiu o Plano Nacional de Educação 2014-2024, constata-se a ausência de qualquer menção ou estratégia que inclua a polícia militar como participante dos esforços de política educacional na educação básica regular”, afirmou.

No início de junho, o Ministério Público Federal (MPF) já havia enviado uma representação para o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, na qual também afirmava ser inconstitucional a lei em questão.

De acordo com o MPF, diversos pontos do projeto o tornam inconstitucional. confira abaixo:

Escopo legislativo — cabe à União legislar sobre normas relacionadas às diretrizes e bases da educação nacional. Portanto, o Legislativo estadual não tem competência para regulamentar a implantação do modelo cívico-militar no estado;

Formação e concurso — seleção de militares da reserva para exercerem funções pedagógicas sem a exigência de formação específica ou aprovação em concurso público, como previsto na lei recém-aprovada em São Paulo, afronta o princípio constitucional de valorização dos profissionais de educação;

Desvio de função — a Constituição restringe a atividade policial ao policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública. Logo, designar militares para exercerem funções pedagógicas seria enquadrado como desvio de função da força militar;

Efetividade atestada — a falta de evidências científicas ou estudos conclusivos que atestem que o modelo cívico-militar implique na melhora no comportamento dos alunos e na qualidade do ensino;

O Procurador do MPF, Nicolao Dino ressaltou ainda que a adoção de escolas cívico-militares, proposto pelo governador, abre as portas para que a infração do princípio da “gestão democrática do ensino público” aconteça, uma vez que escolas desse permitiriam a adoção de orientações próprias da formação militar, reduzindo o espaço para diálogo e exercício do senso crítico no ambiente escolar.

Esses também são os pontos que foram levantados pelo PSOL na petição da Ação Direta de Inconstitucionalidade e sustentados pelo advogado-geral da União.

Com a manifestação do governo de São Paulo, que alega a constitucionalidade do projeto, e da AGU, a ação ainda precisa do parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), somente então deverá ser enviada para votação em Plenário, uma vez que Gilmar Mendes definiu que a pauta tem relevância e não tomará decisão de forma monocrática.

Alem disso, o Ministério Público de São Paulo e a Defensoria Pública paulista protocolaram uma ação civil pública pela suspensão do programa.

Os órgãos pedem à Justiça uma liminar para sustar os efeitos de uma resolução da Secretaria Estadual de Educação do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) que regulamentou a modalidade na rede pública.

Para os promotores, a proposta por Tarcísio e aprovada pela Assembleia Legislativa, institui uma modalidade de ensino não prevista na Constituição. Apontam ainda que a rápida tramitação da proposta foi marcada por inconstitucionalidades já questionadas ao Supremo Tribunal Federal.

A avaliação é que a resolução da Seduc “extrapolou a atividade meramente regulamentar e inovou na ordem jurídica ao regrar, por um lado, temas que são reservados à lei em sentido estrito e, por outro, ao contrariar os comandos normativos constantes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, do Plano Nacional de Educação, do Plano Estadual de Educação de São Paulo, da Lei Complementar nº 444/85, dentre outras”.

No início de julho, o Ministro da Educação, Camilo Santana (PT), também reforçou o aspecto inconstitucional do modelo proposto.

“Quando a gente encerrou esse programa no Ministério, a gente já dizia que era inconstitucional”, afirmou o chefe da pasta, relembrando o extinto Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), criado durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

“Claro que os estados têm autonomia, nós estamos num país federativo, então, cabe também decisões estaduais, mas repito, toda e qualquer ação na área da Educação, e em qualquer área, precisa respeitar a Constituição e as leis. Espero que isso seja cumprido em todo o país”, destacou Camilo.

O texto, de autoria do governador Tarcísio Freitas (Republicanos), foi aprovado em 21 de maio pelos deputados da Assembleia Legislativa.

O PL recebeu 54 votos a favor e 21 contra em uma sessão marcada pela agressão e detenção de estudantes que protestavam contra a votação.

Fonte: https://horadopovo.com.br/851-dos-diretores-rejeitam-fascistizacao-de-escolas-de-sao-paulo-por-tarcisio/