Assis da FITMETAL: “A estagnação econômica, que já dura 45 anos, é alarmante para trabalhadores e empresários”

Assis Melo, presidente da Federação Interestadual dos Metalúrgicos – FITMETAL – Foto: Câmara dos Deputados

“Se empresários perdem faturamento e deixam de investir – fechando fábricas e postos de trabalho –, a classe trabalhadora também vê uma regressão em seus empregos e direitos.”

Assis Melo, presidente da Federação Interestadual dos Metalúrgicos, ex-deputado federal e ex-presidente do sindicato dos metalúrgicos de Caxias do Sul, é o sindicalista entrevistado do HP sobre a desindustrialização do Brasil. Ele considera que a estagnação econômica do país, “que já dura 45 anos, é alarmante para trabalhadores e empresários”. Afirmou que “se houver um pacto na defesa da indústria, a FITMETAL participa”.

Assis afirmou que “existem pautas que extrapolam a relação mais tradicional entre capital e trabalho”. E esclareceu: “se empresários perdem faturamento e deixam de investir – fechando fábricas e postos de trabalho –, a classe trabalhadora também vê uma regressão em seus empregos e direitos”.

Melo avalia que “sob pressão”, o governo federal destinou, num único ano, R$ 1,89 trilhão do orçamento federal para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Para o líder metalúrgico, não haverá reindustrialização “sem um combate permanente ao rentismo e a seus representantes”.

A FITMETAL está organizada em 20 estados e foi fundada há 14 anos.

Leia, a seguir, a íntegra da entrevista:

Hora do Povo: A FITMETAL está disposta a integrar uma frente nacional pela reindustrialização do país, com os empresários?

MELO: A estagnação econômica do país – que já se arrasta por 40, 45 anos – também é um tema que deve alarmar tanto o setor produtivo quanto a classe trabalhadora. Não é coincidência que esse ciclo coincide com a desindustrialização precoce e prolongada da economia brasileira. A crise na indústria limita o crescimento sustentado do PIB e inviabiliza o desenvolvimento nacional.

Se empresários perdem faturamento e deixam de investir – fechando fábricas e postos de trabalho –, a classe trabalhadora também vê uma regressão em seus empregos e direitos. A indústria é a referência do que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) classifica como “trabalho decente” – ou seja, um emprego formalizado e digno, com direitos assegurados. Segundo a OIT, um mercado de trabalho majoritariamente informal provoca insegurança jurídica e econômica, eleva a pobreza e amplia a desigualdade.

Se uma frente nacional pró-reindustrialização for constituída, certamente a FITMETAL fará parte!

HP: Quais são os objetivos comuns hoje entre os trabalhadores e os empresários da indústria?

MELO: Respondo com as conclusões do nosso seminário, com um trecho da “Carta aos Brasileiros”, que aprovamos naquela oportunidade:

“Não é mais possível que o país viva sufocado pelas maiores taxas de juros do mundo, que assaltam mês a mês, há mais de 30 anos, os cofres do Tesouro Nacional e bloqueiam o nosso crescimento. A riqueza gerada pelos que produzem: os impostos, os saldos comerciais, as reservas e, como consequência, o crédito, hão de ser utilizados na construção da infraestrutura, em universidades, na escola integral, na educação infantil, nas creches, na habitação, na cultura.

Já passou da hora do Brasil se libertar das amarras que impedem nosso crescimento econômico. Para isso, o principal é reduzir as taxas de juros, aumentar o investimento público, estimular o investimento privado para um novo patamar – já foi de 25% do PIB e hoje é 16%.

Disponibilizar crédito abundante e barato para o desenvolvimento tecnológico, em especial para a indústria de base. Concentrar as compras do governo nas empresas de conteúdo nacional, na construção civil, na indústria naval, na aeronáutica, na defesa, nos polos da saúde.

Forjar a economia no fortalecimento da produção industrial e no mercado interno, complementados por uma vigorosa produção agrícola, num salário mínimo suficiente para sustentar a família e estimular as vendas. Numa indústria pujante em tecnologia e respeito ao meio ambiente. Formar uma poderosa corrente pela reindustrialização do país. Deixar falando sozinhos os arautos da especulação financeira.”

HP: E as questões prioritárias para os trabalhadores, mas que têm oposição dos empresários?

MELO: Existem pautas que extrapolam a relação mais tradicional entre capital e trabalho. Na política, por exemplo, a defesa da democracia e a luta contra o fascismo se impuseram, nos últimos anos, como questões centrais – como bandeiras de união nacional. A vitória de Lula na eleição de 2022, impedindo a reeleição de Jair Bolsonaro e a continuidade de seu projeto de destruição, só foi possível graças a esse pacto democrático, que sensibilizou até antigos adversários do atual presidente.

Por isso, desde o Congresso de Fundação da FITMETAL, em 1º de junho de 2010, a reindustrialização é nossa bandeira histórica. Em todas as atividades sobre reindustrialização que fizemos neste período de 14 anos, procuramos convidar representantes empresariais, bem como pesquisadores, economistas e outros especialistas. Isso não tira nossa autonomia, nem altera nosso compromisso de classe.

Trabalhadores e patrões vão continuar brigando entre si e permanecerão em lados opostos nas campanhas salariais, nas lutas por PLR e nas demais negociações coletivas.

HP: Na sua opinião, quem são os adversários da reindustrialização do Brasil e que setores seriam beneficiados?

MELO: O setor financeiro, o rentismo, deve ser encarado como o inimigo número um. É a pressão desse setor que banca projetos como o do Banco Central independente, com diretriz ultraliberal e juros altos, de dois dígitos. É a pressão desse setor que leva o governo federal a destinar, num único ano, R$ 1,89 trilhão do orçamento federal para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

É a pressão desse setor que faz a grande mídia endossar políticas austericidas e questionar ações e projetos de viés desenvolvimentistas, como o Novo PAC e a Nova Indústria Brasil. Não haverá reindustrialização sem um combate permanente ao rentismo e a seus representantes.

Em contrapartida, um projeto nacional de desenvolvimento baseado na reindustrialização beneficiará o conjunto da sociedade. É a saída para os entraves que impedem o crescimento com desenvolvimento, o aumento da produção, a geração de emprego e renda, o combate às desigualdades. Por isso, o setor produtivo e a classe trabalhadora não devem temer essa frente nacional pela indústria. Essa pauta interessa ao Brasil.

HP: A desindustrialização do país e o retrocesso à economia agrária exportadora prejudicam mais o trabalhador ou o empresário industrial?

MELO: O prejuízo é geral. Num país que não valoriza a indústria, arriscamos ver um empresário desistir do setor produtivo para aderir ao rentismo. Arriscamos ter um mercado de trabalho cada vez mais informal e de má qualidade. A dependência econômica se agrava, e se agravará ainda mais. Projetos estruturantes deixam de sair do papel.

Entramos, assim, num círculo vicioso, em que uma adversidade alimenta a outra e potencializa a crise. O grande mal da desindustrialização é que seus efeitos perduram por médio e longo prazo. Não é fácil reverter esse processo. Mesmo se tudo der certo, vamos precisar de anos para alcançar um patamar de crescimento e desenvolvimento sustentável. Daí a urgência dessa pauta.

HP: No início dos anos 60, as confederações nacionais se uniram à CNTI e formaram o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Hoje, as centrais sindicais, principalmente a CUT e a UGT, consideram as confederações um movimento de cúpula, autofágico, sem ligação com os trabalhadores. Qual sua opinião?

MELO: Querer abolir federações e confederações – que têm papel relevante e estratégico no movimento sindical brasileiro – é uma forma de reforçar o chamado hegemonismo. Desde o início do terceiro governo Lula, algumas centrais procuram dominar postos importantes de representação e concentrar decisões, sem ouvir o conjunto do sindicalismo. Mas as confederações, em geral, são boas entidades e muito saudáveis, como a CONTAG, da agricultura, a CONTTMAF, dos marítimos, a COTRICON, da construção civil, a CNTA, da alimentação e a própria CNTI, de tantas histórias. Essas são apenas algumas que eu conheço. São atuantes e democráticas, têm capilaridade, respaldo da base e credibilidade. Essas propostas alternativas e regressivas não vão prosperar.

CARLOS PEREIRA

Fonte: https://horadopovo.com.br/assis-da-fitmetal-a-estagnacao-economica-que-ja-dura-45-anos-e-alarmante-para-trabalhadores-e-empresarios/