Bira Presidente, fundador do Fundo de Quintal — Foto: Fábio Rocha/Globo
IRAPUAN SANTOS*
Faleceu no sábado, 14/06/2025, Ubirajara Félix do Nascimento, o Bira Presidente, líder e único presidente do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos (1960) e fundador do Grupo Fundo de Quintal (1970).
Originário de uma família do subúrbio de Ramos, no ramal da Leopoldina, no Rio de Janeiro, que mesclava, em sua festas familiares, o samba e rituais da Umbanda, pois sua mãe era praticante da religião, Bira se transformaria em pandeirista requisitado e uma das grandes personalidades do samba brasileiro.
O Cacique de Ramos, que, nos anos sessenta, entrou para o imaginário popular através das disputas com o não menos famoso Bafo da Onça, legou à música brasileira sucessos como “Água na Boca”, Chinelo Novo”, Caciqueando na Avenida”, “Coisinha do Pai” e “Vou Festejar”.
A agremiação seguiu em frente, e a partir do final dos anos 70, através das rodas de samba, sempre realizadas às 4as. Feira, após o futebol noturno se transformou no maior celeiro de compositores, cantores e instrumentistas que se tem noticia na história da cidade.
A trajetória do Grupo Fundo de Quintal, que teve várias formações, foi sempre sustentada pelos baluartes Bira Presidente, seu irmão Ubirany (também falecido) e Sereno. A partir formação instrumental inédita na qual se introduziu o banjo de 4 cordas (trazido do início do século passado), o repique de mão (dispensando baquetas) e o tantan (trazido dos rumbeiros que grassaram nos anos 50 no Brasil e dos rituais afro-brasileiro), agregando novas harmonias ao samba tradicional, resultaram numa enorme quantidade de sambas de sucesso como “O Show tem que continuar”, “Do fundo do nossa quintal”, “A amizade”, “Lucidez” e dezenas de sucessos. Além dos sambas tradicionais que o grupo sempre fez questão de registrar Em seus Lps e Cds.
O conjunto de sambistas revelados pelas rodas de samba também foi grande. Se destacam, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Almir Guineto, Luiz Carlos da Vila, Arlindo Cruz, Sombrinha, Sombra, Cléber Augusto, Mário Sérgio, Ademir batera, Neoci, Bandeira Brasil e Beto sem Braço, demonstrando a força do samba em Ramos.
Em 1984, o grande sambista e escritor Nei Lopes publicou um belo artigo intitulado “Pagode, o Samba Guerrilheiro do Rio” do qual transcrevemos parte da conclusão, pela importância da análise do escritor.
“FORTALEZA INEXPUGNÁVEL”
“E é isto. Muito mais que simples locais de divertimento, os pagodes são hoje, junho de 1984, centros irradiadores de uma nova linguagem musical que se expressa numa nova música, num samba com uma nova bossa, com um balanço totalmente renovado, como se pode observar nos discos mais recentes das cantoras Beth Carvalho, Alcione e do Grupo Fundo de Quintal. Marginalizado em proveito de um suposto bom-gosto pasteurizado e internacionalizante, esse samba se recria, de boca em boca, sem microfone, na voz e na alma do negro carioca de hoje, e dá um exemplo de resistência… E é graças ao seu caráter guerrilheiro que o pagode, o samba é esta „fortaleza‟, que apanha da polícia e vai tocar no morro; que é banido da escola e vai pro terreno baldio; que apesar da “indiscutível supremacia” do rock vende milhares de discos de um “fenômeno” chamado Bezerra da Silva, que dribla as multinacionais e, mesmo alijado das paradas, consegue manter um numeroso público, seu, próprio, fiel, e sempre cativo.”
Viva Bira Presidente!
Viva o Samba!
Viva a cultura nacional!
*Irapuan Santos é vice-presidente do Congresso Nacional Afro-Brasileiro – CNAB
Fonte: https://horadopovo.com.br/bira-presidente-e-o-samba-guerrilheiro/