Multar quem dá comida a moradores de rua remete ao nazismo, repudiam religiosos

Foto: Agência Brasil

A forte reação ao projeto de lei que prevê Multa de R$ 17 mil a entidades e cidadãos que alimentam moradores de rua na cidade SP, do vereador bolsonarista Rubinho Nunes (União), conseguiu barrar a proposta. Em encontro com entidades na segunda-feira (1), o líder da gestão Ricardo Nunes na Câmara de São Paulo, se disse arrependido. 

Mas, para religiosos que conversaram com a Hora do Povo, a proposta do discípulo de Bolsonaro, a proposta tem forte cunho eleitoreiro. Os religiosos destacaram que a iniciativa remete ao nazismo, que matou milhões de fome na Europa.

“O que passaria na cabeça de uma pessoa ou de seres impedindo o trânsito de alimentos? O que me fez lembrar o inverno de 1944, onde o Exército Alemão impediu que os holandeses recebessem comida”, comparou Pai Denisson D’Angiles, do Instituto CÉU Estrela Guia, em entrevista ao HP. 

“Quando me deparei com esse projeto de lei, na hora eu me manifestei, dizendo ser aquilo um absurdo, dizendo ser aquilo incompatível com o que nós vivemos na cidade de São Paulo, no Brasil e, estendendo um pouco, no mundo, que é a fome”, continuou. “E a partir daquele momento eu fui atrás de tentarmos uma reunião com o vereador para demonstrarmos para ele o erro crasso que ele cometeu”, continuou Pai Denisson. 

Para ele, o vereador desrespeitou os ativistas.  “Ao nos chamarmos de traficantes de marmitas, ao vilipendiar o direito à alimentação, o direito constitucional e mais além, da Declaração Universal dos Direitos Humanos”, apontou.

O sheik Rodrigo Jalloul, que também conversou com a Hora do Povo, diz que o sentimento que fica é o do desprezo, do descaso, da exclusão com relação às pessoas que vivem nas ruas e responsabiliza a gestão Ricardo Nunes por essa situação. 

“É uma administração pública, de uma gestão que não é humanizada, que não enxerga a verdadeira situação em que vive a cidade, como mais de 50 mil pessoas vivendo nas ruas, em que o número de abrigos é inferior ao número dessas pessoas. Não há um trabalho de tratamento eficaz para tirar essas pessoas do álcool e da droga e reinseri-las na sociedade”, diz.

Jalloul avalia que as tentativas de criação de CPI’s como a que está em discussão, além de visarem o padre Julio Lancellotti, também têm caráter eleitoreiro. “[…] Quando aparecem projetos como a CPI contra o padre Julio Lancellotti, CPI da Cracolândia, CPI das ONG’s, nada mais passa para mim do que um vereador chamado Rubinho Nunes, que não fez nada em três anos e em um ano eleitoral tenta buscar destaque em cima de algo que lhe dê alguma projeção política”. 

“Não contente com isso [as malfadadas comissões], cria um projeto para tentar criminalizar, marginalizar – não somente eu, mas o pastor Leandro, padre Julio Lancellotti, todos nós que atuamos com a população de rua e levamos de comer. A partir do momento que surge uma [tentativa] de lei dessas, parece que nós estamos infringindo a lei, sujeitos a uma punição extrema, […] simplesmente por estarmos alimentando quem tem fome”, prossegue o sheik.

“Então é marginalizar os que ajudam e privar do direito básico, do direito humano do acesso ao alimento e à água daqueles que vivem nas ruas de SP sem ter um projeto que corresponda, que supra a necessidade dessas pessoas, seja na área da saúde, seja na área da alimentação e também da dignidade, conclui Jalloul.

“Eu continuo acreditando no amor, eu continuo acreditando que o ser humano precisa evoluir. E que jamais alguém deva ser impedido de comer, de se alimentar. Eu entendo e sinto que é necessário que cada vez mais as pessoas sejam humanas, seres humanos”, conclamou D’Angiles.  

Também em entrevista à Hora do Povo, Leandro Rodrigues, pastor sênior da Igreja Habitar, entidade inclusiva que atua com a população em situação de rua em SP, a iniciativa do vereador bolsonarista desrespeita preceitos humanitários e religiosos. “Esse projeto de lei da multa de 17 mil desrespeita princípios humanitários e religiosos. Acredito que o poder público tem outros assuntos mais relevantes para dar atenção”, diz.

Ele citou passagens bíblicas para definir a proposta bolsonarista. “Em Mateus 25, a partir do versículo 31, Jesus concede como herança o Reino preparado desde a fundação do mundo, aos que acolheram os necessitados. E isso foi feito ‘Porque tive fome e me deram de comer; tive sede e me deram de beber; era estrangeiro e me hospedaram, estava nu e me vestiram; adoeci e me visitaram; estive na prisão, e foram me ver’”. “E no final, no versículo 45, o próprio Cristo disse: ‘…Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos o não fizestes, não o fizestes a mim.’”

Para o religioso, é necessário socorrer os necessitados para mitigar seu sofrimento, além de se tratar de uma prática cristã. “O que temos nas ruas são seres humanos, com tantas necessidades quanto qualquer um de nós. Eles também sentem fome, sede, frio e estamos cumprindo um ensinamento cristão e humanitário ao ajudar a alimentar e a vestir essas pessoas”, diz. “Por gratidão ao Deus que nós cremos, ajudamos esses pequeninos, para que seus infortúnios não sejam ainda maiores. 

PROMESSA DE EXTINÇÃO DA PROPOSTA

Na segunda-feira (1), o vereador bolsonarista afirmou durante reunião com 10 organizações que atuam com pessoas em situação de vulnerabilidade social na capital paulista , que extinguirá a proposta. O encontro foi solicitado por lideranças dessas entidades para cobrar do bolsonarista a anulação da proposta.  

Ele já havia anunciado, na sexta-feira (29), a suspensão do projeto de sua autoria, aprovado em primeira sessão na Câmara de Vereadores – em 34 segundos –, portanto, sem qualquer análise, com o apoio da base bolsonarista aliada do prefeito Ricardo Nunes (MDB). 

Para posar de bem-intencionado e ingênuo em ano eleitoral, Rubinho ainda pediu desculpas pela postura aporofóbica e higienista (além da multa e autorização formal da prefeitura para distribuir comida, o estapafúrdio texto também exige a colocação de mesas e a limpeza do local onde as refeições fossem servidas). 

“Foi uma visão distorcida e ele pediu desculpas, foi maduro da parte dele. E nós precisamos do poder público com leis que ajudem a atuar, por exemplo, com certificações que garantem que organizações estejam em conformidade com o munícipio”, disse Geraldo Silva, presidente do Instituto Amigos, ao Metrópoles.

No entanto, não era esse bom mocismo que se via na semana passada, quando o imitador de Bolsonaro comemorou a aprovação do PL nas redes sociais, que, segundo ele, daria fim ao que chama de “tráfico de marmitas”. E que “enquanto eu for vereador, não darei vida fácil a esses militantes do Júlio Lancellotti”, assegurou. 

JOSI SOUSA

Fonte: https://horadopovo.com.br/multar-quem-da-comida-a-moradores-de-rua-remete-ao-nazismo-repudiam-religiosos/