Foto: Agência Brasil
No total, 3,1 milhões de imóveis ficaram sem luz e o prejuízo econômico para o comércio já alcança R$ 1,65 bilhão
Quase semana após o apagão que atingiu mais de 3 milhões de imóveis em São Paulo, o presidente da Enel São Paulo, responsável pela distribuição de energia na cidade, Guilherme Lencastre, afirmou em entrevista à Globonews que a situação agora é ‘de normalidade’.
Guilherme faz essa afirmação após reconhecer, em coletiva de imprensa, que 36 mil imóveis ainda estão sem energia na capital paulista e mais, diz que essa situação, trinta e seis mil imóveis sem luz é um “número muito próximo da operação normal da companhia, em dias sem eventos extremos”.
Este é o segundo apagão em menos de um ano em São Paulo. Agora, além da falta de luz, os moradores de São Paulo também ficaram sem água, e o prejuízo econômico para o comércio já alcança R$ 1,65 bilhão, segundo o último levantamento da FecomercioSP.
A concessionária de energia elétrica admitiu, nesta quinta-feira (17), que o apagão que atingiu São Paulo e a região metropolitana no fim da semana passada foi muito maior do que divulgado pela empresa. No total, 3,1 milhões de imóveis ficaram sem luz, superando os 2,1 milhões informados anteriormente pela empresa. Considerando uma média de três pessoas por residência, o total de atingidos ultrapassa 9,3 milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo, quase metade dos 20 milhões de moradores da região.
Com isso, o número de imóveis afetados supera o do blecaute registrado em novembro do ano passado, quando o pico máximo de clientes desligados chegou a 2,12 milhões, de acordo com relatório da própria Enel.
Não é possível considerar a atual situação como ‘normalidade’ se a distribuidora de energia é incapaz de lidar com eventos climáticos extremos, que estão se tornando cada vez mais frequentes.
O diretor-presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval de Araujo Feitosa Neto, considera a reação da Enel ao apagão aquém das expectativas. Na avaliação da agência, os trabalhos de atendimento à população foram, inclusive, mais lentos do que no blecaute de novembro do ano passado.
À época, segundo a Aneel, a concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica levou 24 horas para retomar 60% dos consumidores interrompidos. Esse mesmo patamar foi atingido no evento atual somente depois de 42 horas.
A concessionária se comprometeu a aumentar de 1.700 para 2.500 o número total de funcionários em campo. O montante constava no plano de contingências que a própria empresa se comprometeu a disponibilizar em casos de eventos extremos, como o de sexta-feira, quando os ventos na Grande São Paulo superaram os 100 km/h, mas só será efetivado mais de três dias depois do evento.
“Nos preocupa a capacidade de mobilização da empresa neste momento e a velocidade do restabelecimento do serviço”, afirmou Tiago Mesquita, diretor-presidente da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), órgão que apoia a Aneel na fiscalização da qualidade do serviço de energia elétrica prestado pelas concessionárias.
De acordo com Mesquita, é possível fazer essa comparação, pois os episódios tiveram impactos semelhantes. Na Grande São Paulo, área de concessão da Enel, pouco mais de 2 milhões de pessoas chegaram a ser impactadas em ambos os eventos. Em 2023, porém, outras regiões do Estado também ficaram sem energia. Hoje, 100% dos clientes das demais distribuidoras estão com o serviço restabelecido, segundo a Aneel.
Um funcionário da Enel, Esequiel Barbosa da Silva, de 52 anos, morreu no sábado (12) após ser atingido por uma árvore durante uma operação de restabelecimento de energia. Esequiel trabalhava como eletricista na recuperação da rede de distribuição.
Isso sem falar na incapacidade da Enel de se comunicar. Durante os quase sete dias sem energia, a população paulista afetada não consegue receber uma previsão exata de restabelecimento.
O serviço de comunicação no Whatsapp dando erro, a assessoria da companhia informando não ter um prazo para restabelecer o serviço.
Enquanto o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, e o governador Tarcísio de Freitas tentam transferir a responsabilidade para o governo federal, é evidente que os governos municipal e estadual têm a maior parcela de culpa, já que o serviço era estatal e foi privatizado, sabida a ineficiência do setor privado e a responsabilidade da gestão pública garantir que o serviço seja entregue, mesmo que administrado pela iniciativa privada. O poder público falha quando não é capaz de fiscalizar e zelar pela cidade.
Ricardo Nunes não dialoga com a empresa para resolver preventivamente os problemas. O prefeito deveria ser o primeiro a se antecipar a essas tragédias e cobrar ações da concessionária. No entanto, é a lentidão e ineficiência que seu governo demonstra e deixa São Paulo à mercê de uma gestão pública que sempre reage tarde.
O contrato de concessão da Enel se encerra em 2028. No entanto, em casos de descumprimento ou negligência por parte da concessionária, o contrato pode ser suspenso ou até encerrado antes do prazo.
CONSEQUÊNCIA DA PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
O recente apagão que afetou a capital paulista, a região metropolitana e o interior do estado evidenciou um problema mais amplo e preocupante: a fragilidade do sistema elétrico no Brasil. A situação em São Paulo não é um caso isolado, mas um reflexo de uma crise estrutural no setor. “O problema é estrutural. Estamos falando de um sistema que, em nível nacional, se mostra frágil diante de qualquer evento climático extremo. O apagão não afeta apenas a rotina das famílias, mas também a economia de forma geral”, reforça Cássio Cardoso Carvalho, engenheiro e assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
As privatizações, que começaram na década de 1990 sob o governo de Fernando Henrique Cardoso e culminaram com a venda da Eletrobrás durante a gestão de Jair Bolsonaro após passar por um grande desmonte no governo Dilma/Temer, são as principais causas da crise atual no setor elétrico. “Hoje, pagamos o preço de um sistema privatizado que coloca o lucro acima do serviço público”, explica o especialista.
A crise de manutenção e a falta de preparo das empresas privadas para lidar com situações de emergência também foram destacadas pelo assessor do Inesc, que relembrou o apagão no Amapá, ocorrido em 2020. Na ocasião, 800 mil pessoas ficaram sem luz por 22 dias devido à falha na manutenção. “A empresa privada responsável não realizou a manutenção adequada, o que levou à falha no sistema. Quem teve que intervir foi a Eletronorte, uma estatal, mostrando que o setor privado não está preparado para lidar com crises”, ressalta.
Outro fator que agrava a crise do setor elétrico é a atuação das agências reguladoras, especialmente a Aneel. “A agência não cumpre seu papel de fiscalização. Está capturada pelo mercado, funcionando como um balcão de negócios em vez de proteger os interesses da população”, critica Carvalho. Ele lembra que, durante o governo Bolsonaro, todos os diretores da Aneel foram indicados por aliados do então presidente, o que comprometeu a autonomia e a eficácia da agência.
Comparando com outros países, como França e Estados Unidos, por exemplo, mantêm o controle estatal sobre a gestão do setor elétrico. “No Brasil, seguimos na contramão. Precisamos urgentemente reestatizar o setor e garantir que a gestão da energia leve em consideração o interesse público, e não o lucro das empresas privadas”, afirma.
Enquanto o debate sobre o futuro do setor elétrico se intensifica, a população continua sofrendo os impactos de um sistema ineficaz e privatizado. “Não é só uma questão de São Paulo. O que estamos vendo é um reflexo de como o Brasil lida com o setor elétrico como um todo. Precisamos de uma política energética que coloque a vida das pessoas acima do mercado”, conclui.
MAÍRA CAMPOS
Fonte: https://horadopovo.com.br/normalidade-da-enel-deixou-93-milhoes-de-pessoas-sem-luz-e-sao-paulo-a-espera-de-outro-apagao/