PM-SP impõe sigilo de 100 anos sobre ficha de bolsonarista pré-candidato a vice de Ricardo Nunes

Indicado de Bolsonaro para vice de Ricardo Nunes, Ricardo Mello Araújo – Foto: Reprodução

A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PM-SP) impôs sigilo de 100 anos aos processos administrativos disciplinares abertos contra o ex-comandante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Ricardo Mello Araújo (PL), pré-candidato a vice na chapa do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na eleição deste ano na capital paulista. Os documentos foram solicitados pelo jornal O Estado de S. Paulo, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Em resposta, a corporação alegou que a publicidade aos processos atenta contra o artigo 31 da LAI, que estabelece o acesso restrito a documentos que envolvem “informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem”.

Na prática, a PM de São Paulo impôs sigilo de até 100 anos, contados a partir da data de produção dos documentos. O órgão acrescentou ao jornal que as ocorrências teriam sido “devidamente investigadas, sendo os respectivos inquéritos posteriormente arquivados”.

A PM é subordinada ao secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite (PL), deputado federal licenciado e ex-oficial da Rota. Derrite, por sua vez, responde no cargo ao governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um dos principais aliados de Nunes na reeleição. Já o cumprimento interno da LAI no governo paulista é fiscalizado pelo Controlador-Geral do Estado, Wagner de Campos Rosário, ex-ministro da Controladoria Geral da União (CGU) nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Mello Araújo afirmou que a Polícia Militar é quem deve responder sobre o procedimento adotado. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública não se manifestou.

A Secretaria da Segurança Pública não negou nem confirmou a imposição de sigilo de 100 anos aos dados do oficial. Em resposta à Folha de São Paulo, informou apenas que o pedido citado ainda está em discussão.

“O pedido mencionado pela reportagem encontra-se atualmente em fase de recurso pelo órgão competente, e as informações solicitadas serão fornecidas nos termos da legislação vigente”, diz trecho da nota em que a PM reafirma “seu compromisso com a publicidade e transparência dos documentos institucionais, conforme estipulado pela Lei Federal 12.527/11 [LAI]”.

A PM chegou a encaminhar mensagem à SSP (Secretaria da Segurança Pública), em e-mail com cópia para a Folha, sugerindo responder à reportagem que tal explicação deveria ser solicitada também via Lei de Acesso — que tem prazo de até 20 dias para resposta do órgão e que pode ser prorrogado.

“Tendo em vista a origem da demanda citada, envolvendo análise técnico-jurídica acerca da classificação de sigilo das informações, a sua solicitação requer uma pesquisa mais detalhada e, por essa razão, pode ser formalizada pelo Serviço de Informação ao Cidadão”, diz trecho da sugestão de resposta.

A pasta da Segurança encaminhou, porém, uma resposta que não nega nem confirma a informação.

A SSP e a PM são subordinadas ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado de Nunes e um de seus principais cabos eleitorais na disputa pela prefeitura paulistana.

Conforme pessoas ligadas ao coronel Mello Araújo, a imposição de sigilo não foi motivada por suposta tentativa de ocultar casos graves do coronel da reserva.

Ainda segundo os aliados, a única sindicância respondida por ele foi em 2021, já na reserva, quando convocou veteranos para o 7 de Setembro, em apoio ao então presidente Jair Bolsonaro (PL). A sindicância teria sido arquivada.

A ficha dele estaria, por outro lado, também de acordo com esses aliados, repleta de elogios.

Oficiais da PM ouvidos pela reportagem da Folha afirmam que a negativa a esse tipo de pedido é padrão, em especial dados referentes a processos administrativos envolvendo oficiais. As punições de oficiais e de sargentos já são reservadas até mesmo no âmbito interno.

CGU DEFENDE QUE PROCESSOS DEVEM SER PÚBLICOS

Em seu guia para cumprimento da LAI por estados e municípios, o governo federal aponta que pedidos podem ser negados caso tratem de “informações pessoais relativas à privacidade, honra e imagem”, mas pondera que existem hipóteses em que o órgão deve fornecer as informações. No art. 21, a Lei de Acesso à Informação estabelece, por exemplo, que “as informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso”.

A CGU já firmou o entendimento de que o fundamento “informações pessoais” não pode ser utilizado “de forma geral e abstrata” para negar pedidos de acesso a documentos ou processos que contenham dados pessoais. O órgão esclarece que dados sensíveis, como número do CPF, por exemplo, podem ser “tarjados, excluídos, omitidos, descaracterizados, etc.” para que o restante das informações possa ser devidamente encaminhado.

Além disso, em nota técnica assinada pelo controlador-geral da União, Ricardo Wagner de Araújo, em 26 de julho de 2023, a entidade traça um paralelo com ações criminais na Justiça, que podem resultar em “situações mais gravosas à imagem do acusado”. Segundo a CGU, os atos processuais, inclusive a sentença, via de regra, são públicos pelo Código de Processo Penal. “Não há razão para se entender que nos processos administrativos disciplinares o raciocínio seja diverso.”

Fonte: https://horadopovo.com.br/pm-sp-impoe-sigilo-de-100-anos-sobre-ficha-de-bolsonarista-pre-candidato-a-vice-de-ricardo-nunes/