“Projeto do trabalho infantil é inconstitucional e viola direito da criança”, afirma MPT

Foto: DIvulgação

O Ministério Público do Trabalho expediu Nota Técnica pedindo a rejeição do Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº 18/2011, que autoriza o trabalho infantil. A matéria, que estava no limbo há 13 anos, visa permitir que crianças de 14 anos possam firmar contratos de trabalho em regime de tempo parcial.

De autoria do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), a matéria foi ressuscitada pelo deputado Gilson Marques (Novo-SC), que apresentou parecer pela admissibilidade na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. Em 2021, o governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou reavivar a proposta, sem sucesso na ocasião.

De acordo com nota do MPT, a PEC é inconstitucional e incompatível com a proteção integral e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, entre eles a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), além de ferir o direito ao não trabalho de crianças e adolescentes, previsto na Constituição Federal.

Em seu artigo 7º, a Constituição Federal, inciso XXXIII, define a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.

O trabalho em regime de tempo parcial foi inserido a partir da “reforma” trabalhista (Lei 13.467/2017), aprovada no governo Temer, sendo definido como “aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais”.

O MPT ressalta que os impactos negativos do trabalho precoce são corroborados pelos números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que registrou, entre 2007 e 2022, 60.095 ocorrências de acidentes do trabalho de crianças e adolescentes, sendo que 34.805 relativas a acidentes de trabalho graves.

O trabalho infantil é considerado um problema de saúde pública para o Ministério da Saúde (MS), uma vez que provoca consequências negativas à saúde e ao desenvolvimento de crianças e adolescentes, e que demandam de políticas públicas para seu combate e não para a sua promoção pelo poder público.

No Caderno de Atenção Integral à Saúde de Crianças e Adolescentes em Situação de Trabalho (2024), o MS explica que as consequências imediatas do trabalho precoce vão desde problemas de ordem social, como a evasão escolar, a problemas de saúde físicos e psicológicos, como fadiga excessiva, distúrbios do sono, irritabilidade, alergias e problemas respiratórios, fraturas, lesões, baixo peso, imagem negativa de si, baixa autoestima, adultização precoce, prejuízos na socialização e comprometimento do tempo do lazer.

“O trabalho infantil priva crianças e adolescentes de infâncias e adolescências plenas, retirando-as da escola, afetando seu aproveitamento escolar e violando direitos fundamentais, em especial daquelas em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica e risco social, que são induzidas ao trabalho”, destaca nota do MPT.

Dados do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC) divulgou, em 2022, que um total de 2 milhões de meninos e meninas não finalizaram a educação básica e saíram da escola. De acordo com a pesquisa, 48% dos entrevistados deixaram de estudar “porque tinham que trabalhar fora”.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad) apontam que 97% das crianças e adolescentes que não trabalham estavam na escola, contra 88% daquelas vítimas de trabalho infantil.

Na nota, o MPT destaca que a possibilidade de trabalho aos 14 anos não é solução para famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, causando, na realidade, a manutenção e o agravamento da exclusão social e da pobreza. A nota destaca que “a única exceção constitucionalmente admitida para o trabalho antes dos 16 anos de idade é por meio da aprendizagem profissional, a partir dos 14 anos, por tratar-se de medida de concretização do direito fundamental à profissionalização e apresentar o necessário caráter educacional e formativo”.

“A aprendizagem profissional é uma política pública destinada à formação técnico-profissional metódica de adolescentes e jovens, desenvolvida por meio de atividades teóricas e práticas e que são organizadas em tarefas de complexidade progressiva, com intuito educativo e formador. Trata-se de contrato de trabalho especial, que deve ser firmado nos termos do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a garantir qualificação profissional, formação prática em ambiente protegido, direitos trabalhistas e previdenciários, e permanência na educação regular”, destaca o documento.

Assim, o modelo de trabalho com o objetivo de formação “não se confunde com as demais formas de contratação para o trabalho, inclusive o trabalho em regime parcial, pois ausente o caráter de formação educacional em que o aspecto formativo se sobrepõe ao produtivo”.

Por fim, a nota técnica destaca que é dever constitucional da família, do Estado e da sociedade assegurar, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, mantendo-as a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

“Reduzir a idade mínima para o trabalho viola os direitos de crianças e adolescentes e representa um retrocesso social, incompatível com a proteção integral, a prioridade absoluta e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil […] Por tais razões, conclui-se que a PEC Nº 18/2011 padece de inconvencionalidades e inconstitucionalidades, não podendo ser admitida, de modo a resguardar direitos humanos e fundamentais de crianças e adolescentes”, conclui nota pela inadmissibilidade e integral rejeição do texto.

Fonte: https://horadopovo.com.br/projeto-do-trabalho-infantil-e-inconstitucional-e-viola-direito-da-crianca-afirma-mpt/