Mendonça Filho acatou parcialmente as mudanças realizadas pelo Senado, garantindo importante vitória para a Educação
A Câmara dos Deputados aprovou na noite de terça-feira (9) o projeto de lei que altera a reforma do ensino médio (Lei 13.415/17). Agora, a proposta será enviada à sanção presidencial. O texto aprovado é um substitutivo do relator, deputado Mendonça Filho (União-PE), para o Projeto de Lei 5230/23, do Poder Executivo.
Após forte tentativa do deputado em aprovar um projeto que reduzia a carga horária das escolas, dentre outros ataques à Educação Pública brasileira, o texto aprovado mantém o aumento da carga horária da Formação Geral Básica previsto no projeto original, de 1.800 para 2.400 horas (somados os três anos do ensino médio) para alunos que não optarem pelo ensino técnico. A carga horária total do ensino médio continua a ser de 3.000 horas nos três anos (5 horas em cada um dos 200 dias letivos anuais).
Para completar a carga total nos três anos, os alunos terão de escolher uma área para aprofundar os estudos com as demais 600 horas. A escolha poderá ser entre um dos seguintes itinerários formativos: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ou ciências humanas e sociais aplicadas.
Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define um total de 1.800 horas para a formação geral básica, direcionando 1.200 horas para os itinerários de formação, após a reforma do ensino médio de 2017. Mendonça Filho era ministro da Educação à época e propôs essa reforma.
A votação do projeto foi conduzida de forma conturbada pelo presidente da Câmara, Artur Lira. O texto foi votado sem que as propostas do Senado, que foram rejeitadas pelo relator, fossem debatidas pelos parlamentares.
Daniel Cara, educador e especialista em políticas educacionais, explicou o processo de votação:
“Arthur Lira e Mendonça Filho deram um golpe no texto do Senado Federal ao PL 5230/2023. A primeira votação foi amplamente aprovada (437 votos a favor contra 1), incorporando o que o relator aceitou do Senado. No entanto, a segunda votação, que deveria discutir o que foi rejeitado pelo Senado, foi simbólica e atropelada, sem debate, orientação de bancada ou votação nominal. Isso reflete quatro problemas graves: a liderança do governo coadunou com o procedimento de Arthur Lira, elogiando Mendonça Filho e apoiando o MEC; os defensores da educação foram atropelados sem conseguir se impor; a educação foi tratada como secundária; e o Senado da República foi desrespeitado. Este episódio é um retrato da democracia brasileira. Diante disso, o movimento #RevogaNEM continua. É hora de construir um novo projeto de Ensino Médio que realmente represente o Brasil e seus estudantes.”

ENSINO NOTURNO
Uma das mudanças vindas do Senado determina que os estados deverão manter, na sede de cada um de seus municípios, pelo menos uma escola de sua rede pública com oferta de ensino médio regular no turno noturno. Esse ponto foi mantido no texto aprovado hoje no Plenário da Câmara.
Outra mudança acatada prevê apoio do Ministério da Educação aos sistemas estaduais de educação para o estabelecimento de políticas, programas e projetos de formação continuada dos docentes que incluam orientações didáticas e reflexões metodológicas relacionadas ao novo formato do ensino médio.
FORMAÇÃO TÉCNICA
No caso da formação técnica e profissional, um dos itinerários possíveis para as escolas oferecerem aos estudantes, a Formação Geral Básica será de 1.800 horas. Outras 300 horas, a título de Formação Geral Básica, poderão ser destinadas ao aprofundamento de estudos em disciplinas da Base Nacional Comum Curricular diretamente relacionadas à formação técnica profissional oferecida. Como esses dois módulos totalizam 2.100 horas, outras 900 horas ficarão exclusivamente para as disciplinas do curso técnico escolhido pelo aluno quando ofertado pela escola, totalizando assim 3.000 horas.
Segundo o texto aprovado, o ensino médio será ofertado de forma presencial, mas será admitido, excepcionalmente, que ele seja mediado por tecnologia, na forma de regulamento elaborado com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino.
Ao contrário do texto original do governo, continua na lei a permissão para contratar profissionais de notório saber reconhecido pelos sistemas de ensino para ministrar conteúdos na educação profissional técnica de nível médio, mesmo que sua experiência tenha sido em corporações privadas.
ITINERÁRIOS
Os sistemas de ensino deverão garantir que todas as escolas de ensino médio ofereçam o aprofundamento integral de todas as áreas de conhecimento, exceto o ensino profissional. Deverá haver, no mínimo, dois itinerários formativos de áreas diferentes.
Como os itinerários são formatados de acordo com o contexto local e as possibilidades dos sistemas de ensino, o estudante poderá optar por uma complementação com itinerários focados em duas áreas diferentes: matemática e ciências da natureza, por exemplo; ou linguagens e ciências humanas.
A montagem dos itinerários dependerá de diretrizes nacionais a serem fixadas pelo Conselho Nacional de Educação com a participação dos sistemas estaduais de ensino, reconhecidas as especificidades da educação indígena e quilombola.
DISCIPLINAS
Em relação às disciplinas que o projeto original pretendia garantir na Formação Geral Básica, o substitutivo de Mendonça Filho especifica que elas integrarão o ensino médio dentro da base comum curricular nas quatro áreas de conhecimento. No entanto, o espanhol continuará a ser disciplina não obrigatória, que poderá ser ofertada como outra língua estrangeira preferencial no currículo de acordo com a disponibilidade dos sistemas de ensino.
Para comunidades indígenas, o ensino médio poderá ser ministrado nas suas línguas maternas.
Com a nova redação proposta, não constará mais da LDB a obrigatoriedade de ensino de língua portuguesa e de matemática nos três anos do ensino médio, tema que será tratado na Base Comum Curricular.
APRENDIZAGENS E COMPETÊNCIAS
Em regime excepcional, para fins de cumprimento das exigências curriculares do ensino médio em regime de tempo integral, os sistemas de ensino poderão reconhecer aprendizagens, competências e habilidades desenvolvidas pelos estudantes em experiências extraescolares.
Para isso, deverá haver formas de comprovação definidas por esses sistemas de ensino, considerando, por exemplo: a experiência de estágio, programas de aprendizagem profissional, trabalho remunerado ou trabalho voluntário supervisionado; a conclusão de cursos de qualificação profissional com certificação; e a participação comprovada em projetos de extensão universitária, iniciação científica ou atividades de direção em grêmios estudantis.
No planejamento da expansão das matrículas de tempo integral, deverão ser observados critérios de equidade para assegurar a inclusão dos estudantes em condição de vulnerabilidade social, da população negra, dos quilombolas, dos indígenas, das pessoas com deficiência e da população do campo.
O substitutivo prevê a formulação das novas diretrizes nacionais para o aprofundamento das áreas de conhecimento até o fim de 2024 e a aplicação de todas as regras pelas escolas a partir de 2025. Alunos que estiverem cursando o ensino médio na data de publicação da futura lei contarão com uma transição para as novas regras.
A partir de 2027, o processo seletivo para o ensino superior deverá considerar as diretrizes nacionais de aprofundamento definidas. O estudante terá o direito de optar por uma das áreas de conhecimento, independentemente do itinerário formativo cursado no ensino médio. Assim, por exemplo, o itinerário poderá ser linguagens mais matemática e suas tecnologias, e o aluno escolher ciências naturais e suas tecnologias no vestibular.
ESCOLA DO CAMPO
No texto aprovado, o deputado Mendonça Filho aceitou emendas para incluir benefícios a estudantes do ensino médio de escolas comunitárias que atuam no âmbito da educação do campo. Assim, esses alunos se juntarão àqueles de baixa renda que tenham cursado todo o ensino médio em escola pública no acesso aos benefícios de bolsa integral no Prouni para cursar o ensino superior em faculdades privadas e à cota de 50% de vagas em instituições federais de educação superior. Poderão contar ainda com a poupança do ensino médio (Programa Pé de Meia).
Mudança do Senado aprovada pela Câmara concede, para escolas que oferecem matrículas de ensino médio articulado com educação profissional e tecnológica, prioridade no recebimento de recursos federais no âmbito do Programa Escola em Tempo Integral. A prioridade deverá ocorrer por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). A matrícula nesses cursos será considerada ainda critério para escolha do aluno para receber a poupança do programa Pé de Meia.
CRÍTICAS AO PROJETO APROVADO
Deputados e especialistas em educação criticaram o relatório de Mendonça Filho e apoiaram as mudanças que vieram do Senado, mas ainda assim com críticas. “Nós estaremos sempre ao lado dos estudantes e da educação pública de qualidade! O PCdoB disse SIM ao relatório do Novo Ensino Médio que veio do Senado protestando o atropelo promovido na aprovação do relatório do deputado Mendonça Filho, sem discussão e sem levar em consideração as reivindicações dos estudantes. A autonomia dos Institutos Federais, as 2.400 horas, as travas dos itinerários formativos e a educação noturna de jovens e adultos é urgente!”, afirmou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).
“Mendonça Filho e seus aliados saem derrotados parcialmente na recomposição das 2.400 horas para a Formação Geral Básica. Conquista nossa! No entanto, como todos os avanços alcançados no Senado Federal foram rejeitados pela Câmara dos Deputados…. com muito suor, pressão e prejuízo à saúde física e mental, professoras e professores irão corrigir o grosso dos problemas da Reforma do Ensino Médio (mais uma vez)”, afirmou o coordenador da Campanha Nacional da Educação, Daniel Cara.
“Contudo, irão até o limite do possível – milagre ninguém faz. Assim… logo ali, em 2026, a bomba deve explodir novamente: o Ensino Médio terá problemas e voltará a ser tema de eleição presidencial. Porém, a culpa não poderá ser debitada apenas na conta de Michel Temer. Agora o governo Lula é coautor do NEM ou NNEM (Novíssimo Novo Ensino Médio). E aí… não há pé-de-meia que aguente. Para evitar esse risco e o prejuízo ao país, é preciso: estabelecer um processo sólido para uma nova Política Nacional de Ensino Médio, fortalecer o ENEM, rever a Base Nacional Comum Curricular, reestruturar a infraestrutura das escolas e, principalmente, valorizar o magistério”, afirmou Daniel Cara.
A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) criticou ponto que autoriza o trabalho remunerado a ser contado como tempo de cumprimento de horas curriculares. Esse dispositivo havia sido retirado no Senado. “É um salvo-conduto e um elogio ao trabalho de adolescentes. Conta como formação curricular, educacional. Isso é inadmissível”, disse.
A deputada Professora Luciene Cavalcante (Psol-SP) afirmou que os caminhos propostos pelo projeto não vão ao encontro das melhorias para o ensino médio. “A escola precisa de professor bem formado, capacitado, valorizado. E isso não se faz com notório saber”, afirmou.
Para o deputado Jorge Solla (PT-BA), o Brasil precisa incorporar capacidade de interlocução com países da América Latina e, por isso, seria necessário o ensino de espanhol obrigatório. “Se o objetivo é fazer com que, no ensino médio, se tenha a oportunidade de ter educação profissional, o acesso às duas línguas [espanhol e inglês] é imprescindível para qualquer qualificação”, declarou.
Fonte: https://horadopovo.com.br/relator-recua-e-camara-aprova-2-400-horas-e-disciplinas-obrigatorias-no-ensino-medio/