Sebastião Melo corre para entregar reconstrução de Porto Alegre para consultoria privada estrangeira

Prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo – Foto: Reprodução

“Essa empresa tem uma especialidade: livrar a pele de governantes e grandes empresários em momentos de crise”, denuncia deputado

A Prefeitura de Porto Alegre formalizou parceria com a empresa de consultoria estrangeira Alvarez & Marsal (A&M), que se diz especializada em processos de recuperação de metrópoles atingidas por tragédias climáticas.

Segundo o prefeito Sebastião Melo (MDB), 20 funcionários da companhia já chegaram a Porto Alegre nesta segunda-feira (13) e nos primeiros 60 dias de atuação, atuarão gratuitamente.

Ao término desse período, não se sabe ainda como será a remuneração por esse “bônus”. Mas a ideia agora é abordar os “louros” entregues ao Estado resultantes dos “assessoramentos” da A&M.

A multinacional de origem canadense, mas que constituiu sua atuação nos EUA, atuou em New Orleans (EUA) após a devastação pelo furacão Katrina em 2005 e foi contratada pela mineradora Vale após as tragédias de Mariana e Brumadinho, os maiores desastres ambientais do país até então.

O objetivo da “consultoria”: livrar a barra dos responsáveis pela tragédia e fornecer um programa de desmonte das estruturas do Estado.

A Alvarez & Marsal trabalhará em conjunto com a administração municipal “para a elaboração e gestão de um plano assertivo que promova respostas rápidas e estratégicas em momentos de crise. O plano contará com a união de competências das empresas parceiras CPFL Energia, Equatorial, Corsan e Fraport”, informa o portal “O Sul” em sua página na internet nesta quarta-feira (15).

A empolgação do secretário e de órgãos de imprensa, apoiadores da privatização, é compartilhada também pelo prefeito Sebastião Melo, ávido por entregar o papel de reconstrução da cidade ao capital privado – internacional. “Um dos sócios dessa empresa é gaúcho, porto-alegrense”, informou Melo. “Ele se sensibilizou com o processo e nos procurou para ajudar”, alegou.

A Alvarez & Marsal concederá um bônus à Prefeitura nos primeiros dois meses de atuação, mas “no meio do caminho nós vamos estabelecer, se ela tiver que permanecer, vai ter custo”, admitiu o prefeito, sem detalhar valores.

MINERADORAS

“A empresa também já atuou em Minas Gerais após os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho [2015 2019, respectivamente] e conhece os desafios que estamos enfrentando em nossa cidade, já que temos aqui o maior desastre natural do último século no Brasil”, justificou um otimista secretário Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre (Smamus), Germano Bremm.

Tendo se instalado em Nova Lima (MG) em 2019, a Alvarez & Marsal trabalhou para empresas de mineração no contexto das tragédias. Sobre isso, não é possível se estender muito, uma vez que o montante de negócios foi mantido em sigilo pelas partes. “A empresa não divulga o volume de negócios em relação à mineração, nem o número de clientes no Estado por motivos estratégicos, mas a mineração tem sido o carro-chefe de atuação da consultoria”, publicou em agosto de 2022 o jornal ‘O Tempo’, de MG.

“Entendemos que em torno da mineração orbita uma forte cadeia produtiva com empresas sólidas e projetos desafiadores”, declarou Marcos Ganut, sócio-diretor e líder da área de Infraestrutura e Investimentos de Capital da Alvarez & Marsal, à época.

Naquela ocasião, a empresa teria atuado na identificação de “oportunidades” de melhorias e eficiência nos programas de assistência social, dentre outras medidas, em conjunto com estudos técnicos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) e outros órgãos do governo Romeu Zema (Novo), forte entusiasta e incentivador da mineração predatória e desenfreada.

LIVRAR A PELE DE GOVERNANTES

Já o deputado estadual Mateus Gomes (PSol-RS), não embarcou nesse trem da alegria junto com o prefeito e seu secretário. “O prefeito Sebastião Melo correu para contratar a empresa estadunidense Alvarez & Marsal para liderar a reconstrução de Porto Alegre. Essa empresa tem uma especialidade: livrar a pele de governantes e grandes empresários em momentos de crise”, denunciou. A A&M na verdade, é de origem canadense, como informado no início, mas tem forte presença em território norte-americano.

Respaldado pelo decreto de estado de calamidade pública que dispensa licitações nessas situações, o prefeito destacou que a prioridade é ajudar na limpeza da cidade e na gestão das pessoas desabrigadas e hospitais de campanha, por exemplo.

KATRINA

Nos Estados Unidos, onde também já prestou serviços semelhantes ao que se propõe a executar em Porto Alegre, a “sensibilidade” da A&M rendeu à companhia contratos que ultrapassaram facilmente a cifra de 15 milhões de dólares, isso décadas atrás.

A A&M também acumula a “expertise” para abrir portas à iniciativa privada. Essas “habilidades” já foram postas em prática nos Estados Unidos, em Saint Louis, no Missouri, onde sugeriu a privatização do ensino público; também levou à demissão de 7 mil funcionários da educação pública logo após o furacão Katrina, em New Orleans, no estado de Louisiana.

Mas foi em solo norte-americano onde a empresa fincou pé para alavancar seus lucros através do setor público. Além de atuar na reestruturação de cidades atingidas por desastres ambientais – e dos serviços jurídicos e midiáticos nos assessoramentos – a consultoria também “vende” soluções para gestão de crise e passaria credibilidade a empresas que querem recuperar a imagem após escândalos. E é na esfera pública que explora o mapa da mina. A Alvarez & Marsal tem um departamento todo dedicado a serviços ao Estado.

O departamento é comandado por Bill Roberti, um militar da reserva dos EUA que se projetou no setor privado e passou a ocupar o cargo de superintendente nas ações da empresa junto a cidades estadunidenses onde prefeitos enfrentavam crises junto à opinião pública por causa de serviços públicos ineficientes ou por catástrofes naturais.

DESMONTE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

Mais de 20 anos atrás, Saint Louis, uma cidade no estado de Missouri, onde a administração local enfrentava problemas relacionados à gestão do transporte escolar público, a A&M foi contratada para atuar no problema. Para além de resolver às questões de gestão, a empresa também deveria cortar despesas do sistema de transporte para, teoricamente, sobrar dinheiro para investimentos nas salas de aula. Não por isso.

Antes, a companhia já havia sido contratada para assessorar questões financeiras em Saint Louis – foi paga com dinheiro de “doações” para atuar na questão dos ônibus escolares, segundo o jornal New York Times. Depois, Saint Louis firmou um contrato de 16 milhões de dólares – nos moldes do que está sendo engendrado na capital porto-alegrense – sem licitação. Na ocasião, as propostas de outros 10 concorrentes, foram ignoradas, o que gerou profundas críticas da oposição.

O contrato até chegou a ser questionado pelo Comitê de Educação da Câmara Municipal. Os críticos ao “arranjo” apontam que a Alvarez & Marsal teria feito um plano que excluiu crianças do sistema de transporte, traçou rotas inviáveis, colocou interventores próprios em cargos estratégicos. Os tais interventores embolsavam até 400 dólares por hora. E “melhor”: qualquer erro na execução do plano era imputado e assumido pela Prefeitura, e não pela consultoria.

Não satisfeita, a empresa também passou a sugerir o fechamento de escolas que considerava de baixo desempenho. “(….) alguns pais, políticos e membros do conselho escolar disseram que as coisas não eram tão simples. Eles disseram que a empresa errou ao eliminar os cargos necessários e ignorou o custo humano por trás de decisões como o fechamento de 16 escolas sem aviso prévio. Hoje, ressaltam eles, o sistema de St. Louis permanece à beira da falência e o desempenho dos alunos é péssimo”, denunciaram os opositores.

Já em Nova Orleans, antes mesmo do local ter sido devastado pelo furacão Katrina em 2005, a empresa já trabalhava, contratada pelo estado de Louisiana, para reformular o sistema de ensino público. As escolas, dentro da concepção do poder local, deveriam apresentar resultados para justificar a sua continuidade. E a Alvarez & Marsal entrou em ação.

Para isso, remanejou todo o sistema de educação de New Orleans para auferir mais “eficiência”.  Assim, sugeriu o fechamento de escolas, especialmente aquelas situadas em áreas habitadas por populações negras e pobres e entregando a gestão de boa parte das unidades que permaneciam abertas às parceria público-privada (PPP) que ficaram conhecida nos EUA como “escolas charter”.

Neste modelo, a escola continua sendo pública, mas a gestão é totalmente privatizada, e os alunos recebem vouchers do poder público para ajudar a custear o pagamento. Vale lembrar que essa ideia já foi ventilada por aqui. O prefeito paulistano Ricardo Nunes (MDB), ventilou essa possibilidade para os alunos dos Centros de Educação Infantil (CEI’s) da rede conveniada, entenda-se, terceirizada. Criticada por professores e especialistas, a proposta foi retirada. Por enquanto.

O escritor Kenneth J. Saltman, que eu seu livro “Capitalizando os desastres: tomar e destruir escolas públicas” descreveu as consequências devastadores para a educação resultantes dos “préstimos” da A&M em New Orleans, ao custo de 16 milhões de dólares.  “Seu efeito final é retirar dos cofres o financiamento que poderia ter sido destinado à reconstrução de escolas, empobrecendo o sistema público em benefício dos empreiteiros privados”.

Fonte: https://horadopovo.com.br/sebastiao-melo-corre-para-entregar-reconstrucao-de-porto-alegre-para-consultoria-privada-estrangeira/