Servidora é abordada pela PM do Rio após ser confundida com foragida por reconhecimento facial

Após ter uma foto sua no sistema de reconhecimento facial e ser abordada por policiais militares, a servidora pública e liderança na luta pela igualdade racial, Daiana de Souza Mello, registrou queixa na delegacia por ser confundida com uma foragida da justiça.

Em abril, Daiana sofreu uma situação constrangedora durante um evento sobre igualdade racial no Centro do Rio. Ela foi identificada no sistema da Polícia Militar do Rio como uma mulher procurada pela polícia.

“Me abordaram dizendo que a minha imagem foi capturada no reconhecimento facial. Eles me mostraram a foto da pessoa, que é completamente diferente de mim. Eu me senti muito desamparada. Tenho medo porque, se essa câmera me reconheceu naquele momento, ela pode me reconhecer em qualquer lugar. Eu não tive nenhuma resposta ainda, não tive nenhum retorno sobre para onde foram as minhas imagens, se isso é arquivado”, questionou Daiana.

Os policiais explicaram que estavam seguindo o protocolo e encerraram a abordagem depois de perceber que o sistema de reconhecimento facial havia confundido as duas mulheres.

A Polícia Militar esclareceu que o sistema usado no reconhecimento facial foi selecionado em um processo de licitação e passou por uma série de testes nos Estados Unidos.

“É muito complicado você colocar nas mãos de uma tecnologia produzida, não pensada para nós. Ela não é feita para garantir a segurança de todos e isso me preocupa”, esclareceu a jovem.

O caso foi registrado na delegacia de crimes raciais e está sendo acompanhado pela Defensoria Pública do Estado, que pediu à Secretaria de Segurança Pública informações sobre o uso da tecnologia.

“Há que se reconhecer que há registro de casos de racismo perpetrados pela utilização da tecnologia de IA e algoritmos que, por vezes, tendem a reproduzir a lógica racista arraigada na sociedade brasileira, o racismo estrutural”, explicou a defensora pública Anne Caroline Nascimento.

O videomonitoramento em tempo real já existe em vários pontos da capital e do interior do estado do Rio. De dezembro do ano passado a junho deste ano, 200 pessoas foram presas a partir do reconhecimento facial por câmeras. Mas a ferramenta ainda levanta polêmica. Alguns especialistas acreditam que deveria existir uma regulamentação mais rigorosa para evitar erros e abusos.

“A pessoa negra já é instruída pela mãe desde criança a andar com documentação e aí, eu com 35 anos, entendi a importância de eu estar com meu documento naquele momento. Então, a gente sempre é instruído a ter cuidado, a não correr, a não responder, a andar com documento, a segurar nossa bolsa nas lojas”, relatou Daiana.

Em janeiro, duas pessoas foram presas e tiveram que ser liberadas porque o banco de dados estava desatualizado e os mandados de prisão já não tinham validade.

No semestre, quase metade das prisões a partir de reconhecimento facial foram por crimes como não pagamento de pensão alimentícia. Mas também houve prisões de envolvidos em roubos (38), homicídios (10), feminicídios (3), tráfico de drogas (16), violência doméstica (3), furtos (11) e estupros (2).

“Qual protocolo está sendo utilizado, como os agentes de segurança pública estão sendo treinados e qual a base de dados que está sendo utilizada e como essa base está sendo alimentada”, disse a defensora.

A Secretaria Estadual de Governo, que é responsável pelo Programa Segurança Presente, informou que a abordagem ocorreu dentro dos protocolos e que, assim que Daiana apresentou o documento, foi feita a consulta e os agentes encerraram a ocorrência.

A PM declarou ainda que os resultados do uso dessa ferramenta estão disponíveis para consulta. A Polícia Civil informou que o caso foi registrado na Delegacia de Combate aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, que investiga o caso.

Fonte: https://horadopovo.com.br/servidora-e-abordada-pela-pm-do-rio-apos-ser-confundida-com-foragida-por-reconhecimento-facial/