“Um país livre é aquele que tem uma economia, um Estado e uma cultura própria”, diz Carlos Lopes

“Nós na verdade desviamos de um eixo que nós tínhamos em relação à nacionalidade”, criticou Carlos

Autor do livro “Cultura e Identidade Nacional” concedeu entrevista ao jornalista Carlos Albérico Medeiros, do Canal M65

“Qualquer nação, para que exista, precisa ter, um estado próprio, uma economia própria e uma cultura própria. Não existe nação sem cultura própria”, afirmou Carlos Lopes, diretor de redação da Hora do Povo e vice-presidente nacional do PCdoB, em entrevista ao Canal M65, no Youtube.

Autor do livro “Cultura e Identidade Nacional”, Carlos Lopes participou, na noite da segunda-feira (16), o de uma conversa com o jornalista Carlos Albérico Medeiros. Os debatedores discutiram sobre a relação entre a cultura brasileira, a formação da identidade nacional e os desafios históricos, políticos e sociais enfrentados pelo Brasil no contexto atual. 

“No nosso caso, o problema básico é que, devido a toda a influência estrangeira que nós temos nos últimos tempos – e eu não estou falando de influência estrangeira positiva, estou falando fundamentalmente de influência estrangeira negativa – nós na verdade desviamos de um eixo que nós tínhamos em relação à nacionalidade”, afirmou Carlos Lopes. 

O livro “Cultura e Identidade Nacional” reúne uma seleção de ensaios publicados originalmente na Hora do Povo, onde Carlos examina autores fundamentais da literatura nacional e sua contribuição para a construção da identidade cultural do país. O livro propõe uma reflexão sobre as obras e escritores que ajudam a consolidar a noção de nação.

Partindo da literatura brasileira, o autor destacou a contribuição  de autores como Gregório de Matos, José de Alencar, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Aluísio Azevedo e Guimarães Rosa, ressaltando suas contribuições destes para a formação da identidade cultural, apesar de contradições como a de José de Alencar durante o período do escravismo.

“Quando a literatura do Brasil surge com Gregório de Matos, é antes inclusive da independência do Brasil e no entanto ele consegue pegar elementos da língua indígena e da língua negra que existia no país para colocar em seus poemas e isso torna ele um poeta nacional, ao contrário de outros que existiam na mesma época e que continuaram sendo poetas portugueses”, ressaltou Carlos, durante a live.

Carlos relembrou o período do Brasil Imperial, onde houve a busca por uma identidade, por uma cultura nacional, e citou um artigo de Machado de Assis, maior escritor Brasileiro, de 24 de março de 1873 chamado o Instinto de Nacionalidade, em que ele fundamentalmente propunha que os escritores brasileiros se dedicassem a expressar a nacionalidade. Nele, Machado afirma que os escritores deveriam procurar na vida do povo brasileiro (e latinoamericano de maneira mais ampla) a inspiração para sua produção e, como consequência, para a produção de pensamento nacional.

Diz Machado de Assis logo no início do texto:

“Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro”.

“Interrogando a vida brasileira e a natureza americana, prosadores e poetas acharão ali farto manancial de inspiração e irão dando fisionomia própria ao pensamento nacional. Esta outra independência não tem Sete de Setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo”.

Carlos destaca exatamente este ponto em que o país tinha proclamado a independência em 1822 e que, portanto, era necessário ter um corpo de cultura nacional. “Isso daí surgiu fundamentalmente, na minha opinião, isso surge principalmente com José de Alencar”, disse.

“Daí José de Alencar, que era cearense – é engraçado que surgiu no Nordeste fundamentalmente a cultura nacional, os primeiros rebentos de cultura nacional  com José de Alencar e Gonçalves Dias que era maranhense. São esses dois escritores, um poeta e outro prosador, que fundam a cultura nacional.”

Assista:

CARACTERÍSTICA DA CULTURA NACIONAL

Para Carlos Lopes, existe uma dicção, uma forma de falar, uma forma de escrever brasileira, que é diferente da portuguesa, embora se trate do mesmo idioma. “Isso foi explicado por Alencar no prefácio de um de um romance, um romance chamado Sonhos D’ouro, em que ele fundamentalmente se dedicou a repelir determinadas acusações que eram feitas a ele por causa que ele em princípio escreveria incorretamente. E ele disse que não, que nós temos que escrever de acordo com aquilo que nós falamos”, disse o autor.

Esse elemento, de acordo com Carlos, não é pequeno do ponto de vista histórico, especialmente considerando que o Brasil era um país escravagista e o próprio José de Alencar era partidário do escravismo, porém cheio de contradições. Defender escrever como falam os brasileiros significava valorar heranças negras e indígenas.

“Ele, por exemplo, escreveu uma peça chamada Mãe, que hoje em dia seria um tramalhão, porque na verdade o personagem principal da peça, que é um rapaz, acaba vendendo a propriamente sem saber que ela é a sua mãe, que é uma escrava fundamentalmente. Machado de Assis elogiou muito e elogiou principalmente pelo conteúdo abolicionista”, disse.

No debate, Carlos também abordou a influência estrangeira na cultura brasileira, enfatizando a impossibilidade de uma independência por completo da cultura mundial historicamente, e nos dias de hoje. “A outra questão é a seguinte: até que ponto a nossa cultura consegue ser independente da cultura mundial? Eu diria, Alberico, que isso é impossível, ser totalmente independente”.

Exatamente pelo intercâmbio cultural, destaca, que se faz necessária a defesa de uma identidade cultural brasileira para que essas trocas sejam enriquecedoras e não que nos despersonalize, nos colonize. “O que eu estou dizendo de nós termos uma cultura nacional é fundamentalmente não ser arrastado por uma cultura de arrabalde, por uma cultura de outros países, que na verdade só serve para arrasar com a nossa cultura”, completou. 

Numa aproximação grosseira com a psicologia, sem um Eu formado – que se forma inclusive na relação com o outro, com o mundo social em que estamos inseridos – o que vem do outro ao invés de me enriquecer, me aliena de mim e das minhas potencialidades, por consequência. Doutro modo, quando este Eu, como personalidade, como identidade, toma forma, passo a poder assimilar do outro aquilo que me interessa sem ser dominado por este.

RODRIGO LUCAS

Fonte: https://horadopovo.com.br/um-pais-livre-e-aquele-que-tem-uma-economia-um-estado-e-uma-cultura-propria-diz-carlos-lopes/