Vítimas da Samarco se mobilizam no julgamento da BHP em Londres por justiça no caso Mariana

Manifestantes brasileiros têm realizado uma série de protestos em Londres nesta semana, quando teve início na capital britânica, o julgamento da mineradora anglo-australiana BHP, envolvendo a tragédia causada pelo rompimento da barragem do Fundão em Mariana (MG). Na terça-feira (21), com cartazes e camisetas com fotos das vítimas, representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e atingidos de Ipatinga, Mariana, Ouro Preto, Governador Valadares e Barra Longa, pediam justiça para os atingidos, em uma caminhada pelas ruas de Londres.

Vista como a maior ação ambiental coletiva já registrada na justiça britânica e um dos maiores julgamentos de natureza ambiental da história, a expectativa é que a decisão final saia em março de 2025, quando será apontado se a mineradora tem responsabilidade pelo crime da Samarco, ocorrido em 2015. 

Quase nove anos depois do desastre ambiental que causou a morte de 19 pessoas, e na destruição dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, a ação movida por cerca de 620 mil atingidos, pleiteiam reparação acima de R$ 260 bilhões em indenizações. O processo teve início em 2018, mas foi apenas em julho de 2022 que a Justiça inglesa decidiu avançar com o julgamento da ação. Entre os demandantes, estão municípios, comunidades indígenas, igrejas e empresas.

Além da manifestação, integrantes do MAB se reuniram com parlamentares do Reino Unido na Portcullis House, em Westminster, para relatar os danos contínuos da tragédia criminosa. “Não é algo que aconteceu no passado e ficou que ficou lá. Elas [as vítimas] lidam com essa tragédia, com esse crime, com os danos desse rompimento diariamente na vida delas”, destacou Olívia Santiago, coordenadora Nacional do MAB em Minas Gerais. Ela acompanha, em Londres, as atividades em torno do caso.

“Ao longo desta semana, desde segunda, o Movimento dos Atingidos por Barragens tá aqui em Londres acompanhando o início do julgamento da BHP aqui na Inglaterra, no qual mais de 700 mil atingidos processam a empresa em um processo de litigância transnacional que ocorre aqui no Reino Unido por conta de as ações da empresa estarem localizadas na Bolsa de Valores de Londres”, explica ao HP Francisco Kelvin, da coordenação do MAB. 

O julgamento histórico contra a BHP, pela Justiça Britânica, empresa coproprietária da Samarco, deve se estender por 12 semanas de depoimentos, sustentações orais, apresentação de evidências e testemunhos de especialistas. “Ponto de virada”. 

“O Movimento dos Atingidos por Barragens, em conjunto com atingidos e atingidas, organizaram uma série de audiências para dialogar com a população do Reino Unido e ao mesmo tempo pressionar a Corte (britânica) para esse processo inicial do julgamento […] sobre a importância de nesse momento conseguirmos fazer justiça pelas populações atingidas do Brasil”, continua Kelvin.

Ele ressalta que, na opinião do Movimento, “essa ação dos atingidos por barragens pode ser um ponto de virada, não só para o Brasil, por Mariana, mas em como a PHP e as empresas transnacionais de mineração tratam os direitos dessas populações atingidas”. “Ao mesmo tempo, no sentido de evitar que novas tragédias, crimes socioambientais das empresas de mineração aconteçam ao redor do mundo”. 

O advogado do escritório Pogust Goodhead, que representa os autores da ação, afirmou à Corte britânica que as decisões na Samarco só podiam ser tomadas com acordo conjunto entre acionistas da BHP e da Vale. “A participação direta e o envolvimento da BHP em orientar, controlar e influenciar a Samarco, ou seja, na diretoria executiva e em todos os aspectos significativos das operações da Samarco, são igualmente relevantes e impactantes”, disse Alain Choo Choy.

O valor defendido pelos atingidos é expressivamente superior aos R$ 170 bilhões do acordo que deve ser assinado nesta sexta-feira (25) no Brasil. O pacto brasileiro é criticado pelo MAB, que denuncia a falta de participação dos atingidos nas negociações e o valor insuficiente da reparação. De acordo com a entidade, as vítimas vão receber R$ 30 mil por danos individuais. Em um prazo de 30 anos. As “compensações” serão financiadas pelas empresas responsáveis pelos danos na região da bacia do Rio Doce, incluindo Vale, BHP e Samarco.

“O Movimento considera que esse Programa de Indenização Definitiva [PID] é muito rebaixado em termos de valores porque a média de indenização no sistema simplificado de indenização, o Novel [estabelecido pela 12ª Vara Federal], foi de R$ 90 a R$ 100 mil reais”, disse ao HP Thiago Alves, que também representa o MAB. 

Além disso, continua ele, também “cria um ambiente para os atingidos assinarem milhares e milhares de quitações finais, de danos presentes e futuros, por um valor desconhecido, então interessa muito e muito às empresas”, reitera. Até porque “isso alcança uma grande estabilidade jurídica com essas quitações e se livra da massa dos atingidos, porque as obrigações de fazer estarão com o Estado”, critica.  

“O MAB é contra que a indenização individual neste modelo seja inserida no acordo do jeito que tá, [defendemos que] seja separada dessa parte da repactuação e haja um segundo momento, como foi feito no caso de Brumadinho, para se discutir exclusivamente o direito individual, aí sim, para um programa justo e definitivo”, defende Thiago. 

A defesa dos atingidos também sustentou que a multinacional anglo-australiana foi negligente. Segundo os advogados, a PHP sabia, pelo menos três anos antes do colapso, que a Vale estava despejando 1,3 milhão de toneladas de rejeitos de mineração na barragem anualmente e, mesmo assim, optou por manter o contrato.

Além das mortes e desalojamentos das pessoas, o crime da Samarco resultou no despejo de toneladas de lama tóxica que percorreram quase 700 km, causando destruição ambiental e social ao longo de toda a bacia do rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Segundo os advogados, a BHP tinha conhecimento dos riscos de rompimento da barragem e, como acionista da Samarco, deve responder pelos danos causados.

Após nove anos da tragédia, os metais liberados continuam a impactar a vida marinha na costa do Espírito Santo e Sul da Bahia, conforme apontam estudos recentes. Os rejeitos que se espalharam pela região não apenas contaminaram as águas do Rio Doce, como também afetaram o mar adjacente. Animais marinhos, como as baleias, estão apresentando anomalias, tumores e níveis elevados de metais pesados em seus organismos. 

Peixes, aves, tartarugas, toninhas e até baleias estão entre os animais mais impactados pelos dejetos. Nas pesquisas anteriores, a contaminação era identificada principalmente em animais microscópicos e da base da cadeia alimentar. Mas agora, ficou provado que os materiais tóxicos também atingiram os grandes animais. 

As informações constam do 5º relatório anual sobre os ambientes de água doce, costeiros e marinhos, ao qual o g1 teve acesso. Esse relatório apresenta as principais conclusões sobre a saúde dos ecossistemas aquáticos monitorados pelo Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

“A gente coleta amostras de água, sedimento, areia e lama dos diversos ambientes: doce, costeiro, praia, manguezais, restingas, plataforma continental, e toda a cadeia trófica, desde o produtor primário, o plâncton, o fitoplâncton, o zooplâncton, larvas de peixes, larvas de caranguejos, bentos (que são os organismos que vivem no fundo), até grandes animais, como cetáceos, aves, tartarugas”, destacou o coordenador técnico do PMBA e professor da Ufes, Fabian Sá, ao portal. 

O adoecimento e a deformação dos peixes prejudicam a pesca, conforme relataram pescadores ao g1. “As pessoas têm preconceito de comprar nosso pescado. Têm medo de passar mal. Antigamente, nosso rio era saudável, mas depois da descida da barragem tudo mudou. Os nossos rios estão doentes”, disse Helena da Silva Vieira Santos. “Minha cunhada, que sempre catou mariscos”, continua a pescadora, “agora fica com coceira quando entra no mangue. As ostras estão manchadas, a pele está lisa com uma espécie de cobertura de minério, brilha à noite. Eu nunca vi isso antes”, relatou.

“Nunca vi uma tartaruga assim. Estava cheia de bolotas, parecia vários tumores, câncer, sei lá. Não sei o que era aquilo. Estava toda ferida e fedendo muito. Acho que estava quase morrendo”, disse ao veículo o pescador Djalma da Neves Fraga. 

Um vídeo capturado por pescadores em Aracruz, no norte do Espírito Santo, exibido pelo Fantástico, da Rede Globo, no último domingo (20), mostra uma tartaruga resgatada no Rio Piraquê-Açu, que apresenta diversas deformações.

De acordo com o coordenador do CTBio [Câmara Técnica de Biodiversidade, Áreas Protegidas, Florestas, Educação Ambiental e Bem-Estar Animal], Frederico Martins, que analisou as imagens, o animal desenvolveu Fibropapulomatose, uma doença causada por vírus, que ataca tartarugas em regiões poluídas, condição que pode estar relacionada com os rejeitos arrastados pela tragédia em Mariana.

 “Ocorre em todo o mundo e está relacionada com regiões poluídas. Como os estudos identificaram uma queda na qualidade da saúde desses animais por causa do rompimento da barragem, essa ocorrência pode estar se intensificando”, alertou.

Os dados do relatório anual foram apresentados em Vitória, durante o 5º Seminário Técnico-Científico de Apresentação dos Resultados do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), no início de setembro.

JOSI SOUSA

Fonte: https://horadopovo.com.br/vitimas-da-samarco-se-mobilizam-no-julgamento-da-bhp-em-londres-por-justica-no-caso-mariana/