O dilema dos dados: por que 30% dos projetos de IA falham antes mesmo de decolar

O mercado de inteligência artificial no Brasil vive um paradoxo. Enquanto pesquisas do Gartner indicam que cerca de 30% dos projetos de IA fracassam ainda na prova de conceito, o investimento no setor não para de crescer. O problema, segundo especialistas, não está na tecnologia – está na forma como as empresas abordam seus próprios dados.

“As empresas têm problemas de negócio e precisam de solução. As tecnologias surgem para entregar essas soluções, mas não basta só a tecnologia”, analisa Marcelo Clara, CTO da Quod, uma das datatechs brasileiras que conseguiu navegar com sucesso nesse cenário complexo.

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A ilusão da transformação digital

Clara observa que muitas empresas confundem ferramentas com estratégia. “Quando vemos o surgimento de novas tecnologias, elas surgem como meio, não como fim”, alerta. O executivo, que trabalha com dados há décadas, vê paralelos com outras ondas tecnológicas do passado.

A chamada “transformação digital” atual, segundo ele, é apenas a continuação de um processo que começou quando os primeiros caixas eletrônicos substituíram filas nos bancos. “Se pensarmos que antigamente as pessoas precisavam ir ao banco para sacar dinheiro, depois veio o caixa eletrônico, depois o internet banking… sempre foi transformação digital”.

A diferença agora é a velocidade e a pressão por resultados imediatos que o hype da IA generativa criou no mercado.

O problema dos dados órfãos

Um dos principais obstáculos que as empresas enfrentam ao implementar IA é descobrir que ter dados não significa ter dados úteis. “Várias indústrias utilizam dados para tomada de decisão, mas o dado não é o produto”, explica Clara, destacando uma diferença fundamental.

Na maioria das empresas, dados ficam espalhados em sistemas diferentes, com qualidades questionáveis e sem governança adequada. Resultado: projetos de IA que começam com grande expectativa e terminam em frustração.

A Quod enfrentou esse desafio de forma diferente desde o início. Fundada a partir da regulamentação do cadastro positivo, a empresa foi obrigada a criar processos robustos de governança desde o primeiro dia. “Nascemos numa empresa que tem regulamentação do Banco Central, porque temos dados sensíveis de todo cidadão brasileiro”, lembra Clara.

A estratégia que deu certo

Enquanto outras empresas tentam adaptar processos existentes para incluir IA, a Quod construiu sua operação inteira em torno da transformação de dados em inteligência. A diferença pode parecer sutil, mas é fundamental.

“Nossa essência é transformar dado em inteligência”, resume o executivo. Isso significa que cada processo, desde a ingestão até a entrega final, foi desenhado pensando na qualidade e aplicabilidade dos dados.

O resultado é uma operação que processa diariamente informações massivas não apenas do cadastro positivo, mas também de parceiros e alertas da indústria financeira, criando produtos que vão além do tradicional mercado financeiro – incluindo seguros e saúde.

O teste da IA generativa

O verdadeiro teste para a estratégia da Quod veio com a explosão da IA generativa. Enquanto muitas empresas correm para implementar ChatGPT em seus processos sem clara estratégia, a Quod desenvolveu uma abordagem mais sofisticada.

A empresa criou um agente de IA que funciona como consultor especializado, capaz de recomendar produtos e estratégias baseado no contexto específico de cada cliente. “Em vez de você conversar com o especialista, você pode fazer as consultas e interações via plataforma”, explica Clara.

Mas o diferencial não está na tecnologia em si – está na base de conhecimento que alimenta o sistema. Anos de experiência transformando dados em produtos analíticos permitem que a IA da Quod ofereça recomendações realmente úteis, não apenas respostas genéricas.

As armadilhas do mercado

Clara é crítico em relação à forma como muitas empresas abordam projetos de IA. “Preciso entender qual problema quero resolver, não simplesmente adotar mais uma tecnologia”, enfatiza.

O executivo identifica um padrão problemático: empresas que começam pela tecnologia em vez de começar pelo problema. “Preciso saber onde vou aplicar, entender a empresa, qual é o nicho de mercado, o que ela entrega como produto”.

Essa inversão de prioridades, segundo ele, explica por que tantos projetos fracassam. Empresas investem em ferramentas sofisticadas sem ter clareza sobre os problemas que querem resolver ou sem ter dados adequados para alimentar os algoritmos.

O custo da inexperiência

O mercado brasileiro está pagando caro pela curva de aprendizado em IA. Empresas gastam milhões em consultorias especializadas, compram ferramentas caras e contratam talentos disputados, mas falham na execução por não ter fundamentos sólidos.

“O resultado vai ser tão efetivo quanto o entendimento do contexto de negócios”, resume Clara. Ou seja: não adianta ter a melhor tecnologia se não há clareza sobre como aplicá-la.

A experiência da Quod sugere que empresas bem-sucedidas em IA não são necessariamente as que adotam as tecnologias mais avançadas, mas as que conseguem alinhar tecnologia com necessidades reais de negócio.

Lições para sobreviventes

Para empresas que querem evitar fazer parte da estatística dos 30% que fracassam, a experiência da Quod oferece algumas lições práticas:

Comece pelos dados, não pela tecnologia. Antes de pensar em IA, garanta que seus dados estão organizados, limpos e governados adequadamente.

Defina problemas específicos. IA funciona melhor quando aplicada a casos de uso bem definidos, não como solução genérica para todos os problemas.

Invista em governança desde cedo. Processos robustos de controle e qualidade de dados são mais importantes que algoritmos sofisticados.

Pense em produtos, não projetos. Empresas que tratam IA como produto contínuo têm mais sucesso que as que fazem projetos pontuais.

O futuro dos dados no Brasil

A experiência da Quod mostra que é possível construir negócios sólidos baseados em dados no Brasil, mas o caminho não é simples. Requer disciplina, visão de longo prazo e, principalmente, foco em resolver problemas reais.

“Como produto digital, uma vez que nasce, nunca para de evoluir”, filosofa Clara sobre o futuro.

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Fonte: https://itforum.com.br/noticias/dados-30-projetos-ia-falham-antes-decolar/