Você viu algum unicórnio por aí?

Na mitologia, os unicórnios são criaturas raras de serem encontradas, conhecidas por suas habilidades especiais de conceder desejos mágicos. Já na realidade, mais especificamente no universo dos investimentos, essa figura se transformou nas startups que atingem um valuation de US$ 1 bilhão antes de realizar uma oferta pública inicial (IPO). No entanto, seja na fantasia ou na vida real, os unicórnios continuam difíceis de aparecer no cenário brasileiro.

Atualmente, o país abriga 22 startups com esse status, sendo a mais recente a QI Tech, plataforma que oferece infraestrutura regulatória para produtos financeiros, consagrada com o título em abril de 2024. Antes dela, em junho de 2023, a fintech Pismo também havia entrado para a lista. O último grande surto de unicórnios no Brasil ocorreu em 2021, quando o país registrou 10 startups nessa categoria em um único ano.

Desde então, temos enfrentado uma escassez de investimentos bilionários em startups. Esse movimento não foi exclusivo do mercado nacional. Se, acordo com a KPMG, em 2021 os investimentos globais em venture capital saltaram de US$ 377 bilhões (em 2020) para US$ 751 bilhões, em 2023 o montante caiu para apenas US$ 349 bilhões, acompanhando a tendência global.

Segundo Victor Harano, gerente da Distrito.me, a alta foi impulsionada pela pandemia, que levou os bancos centrais a reduzirem suas taxas de juros para aumentar a liquidez nos mercados. As principais beneficiadas foram as startups. “Em 2021, tivemos um recorde de quase US$ 18 bilhões investidos na América Latina, e isso ajudou muito a financiar os unicórnios.”

No entanto, com o fim da crise da Covid-19, os valores foram retornando à normalidade, e tornou-se mais difícil para as empresas de tecnologia manterem o interesse dos investidores, que passaram a reavaliar o valor de seus aportes.

Harano afirma ainda que, atualmente, a alta do câmbio também dificulta que empresas brasileiras alcancem o status de unicórnio. “O valuation para atingir esse patamar é de US$ 1 bilhão. Para isso, é necessário estar faturando entre US$ 100 e US$ 200 milhões. Com o dólar próximo de seis reais, isso se torna muito mais difícil.”

Já para Marcello Gonçalves, sócio e cofundador da venture capital Domo.vc, esse cenário já era esperado à medida que o mercado ganhava maturidade. “O que tivemos em 2021 foi uma anomalia, o que o pessoal chama de ‘venture tourist’. Empresas que não são e não conhecem o mercado de venture capital, mas que quiseram investir porque ouviram dizer que o retorno era alto”, explica. “Agora, depois que muito dinheiro foi perdido, o mercado se normalizou – o que considero positivo, pois trouxe os valuations de volta a níveis mais realistas.”

Na visão do executivo, o cenário considerado escasso seria, na verdade, apenas o padrão para o Brasil, que, segundo ele, não possui um ambiente favorável à criação de unicórnios. A dificuldade viria de três frentes, sendo a primeira as altas taxas de juros, que estimulam os investidores a aplicar seu dinheiro no próprio governo.

Na semana passada, durante a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros de 14,75% para 15% ao ano e indicou que o patamar deverá permanecer elevado por um período prolongado, com o objetivo de controlar a inflação. “Qual empresa vai te oferecer mais do que 15% ao ano? Não vale a pena investir em outra coisa”, questiona Gonçalves.

O fundador da Domo também aponta que o mercado de IPOs brasileiro é praticamente fechado. “A bolsa brasileira não é amigável. Ela não permite que empresas de base tecnológica, que ainda têm um caminho a percorrer, abram capital, pois tem um perfil especulativo, e não de poupança, como a americana”, afirma.

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Diante desse cenário, a Associação Brasileira de Startups (ABStartups) tem intensificado o diálogo com o Governo Federal para promover um ecossistema mais saudável, tanto para as startups quanto para a formação de unicórnios. A nova gestão, assumida em janeiro deste ano, atuou na criação da Lei do CICC, um projeto de lei complementar que propõe uma legislação específica para os investimentos em startups.

A proposta já foi aprovada pelo Senado e agora aguarda votação na Câmara dos Deputados. Segundo Lindomar Goés, presidente da ABStartups, por meio do Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC), os investidores teriam maior segurança jurídica, com o capital empregado passando a integrar o capital social da startup, evitando que a organização sofra com possíveis dívidas caso o empreendimento não prospere.

Por outro lado, as startups firmam um acordo com os investidores, e o valor investido passa a representar um percentual do equity da empresa. “O Brasil ainda não possui uma legislação que contemple o investimento em startups. Hoje, ainda utilizamos a legislação do multiconversível, que, na prática, é um empréstimo que o investidor faz e, depois de determinado período, se quiser, legalmente, pode pedir esse valor de volta”, explica.

Com a missão de transformar o Brasil no país das startups, Goés tem como meta alcançar 100 mil startups no país, sendo 100 delas unicórnios. De acordo com dados do Sebrae Startups, atualmente o país abriga 22 mil dessas empresas. Para atingir esse objetivo, o presidente da associação aposta em capacitar melhor os fundadores das companhias.

Como dono de uma startup amazonense, a Proesc, o executivo admite as dificuldades de empreender no Brasil. Para ele, a solução está em aprender a vender – algo que, segundo observa, muitos empreendedores ainda enfrentam como desafio. “As startups boas, resilientes, são aquelas que sabem vender. O melhor dinheiro do mundo para uma startup é o dinheiro do cliente, sabe?”

Gonçalves concorda que o ideal seria as startups brasileiras mudarem seus modelos de crescimento. No entanto, em sua opinião, essas empresas não deveriam buscar o status de unicórnio, mas sim desenvolver soluções e, posteriormente, serem adquiridas por organizações maiores.

“Nós não somos um mercado de unicórnios, e isso não é motivo de vergonha. Será que é melhor ter unicórnios que não necessariamente confirmam esse valor ou empresas que serão compradas e vão gerar riqueza e empregos?”

Além disso, o executivo acredita que, caso alguma empresa brasileira atinja o nível de unicórnio, será aquela voltada ao mercado B2B, especialmente nos setores de agronegócio ou sustentabilidade, já que, segundo ele, as grandes oportunidades voltadas ao consumidor final já foram exploradas. “Nós já temos Nubank, Inter, iFood, 99. Agora, 70% da população brasileira trabalha em pequenas e médias empresas, e elas precisam de ferramentas que melhorem a rotina dessas organizações.”

Para o Distrito, que monitora cerca de 40 mil startups na América Latina e seleciona, anualmente, as 12 empresas com maior potencial de se tornarem unicórnios, em 2025 os investidores devem apostar em startups brasileiras de mobilidade urbana (Mottu), serviços para pets (Petlove), CX via chatbots (Blip), fintechs (Celcoin e Starkbank), monitoramento de equipamentos industriais (Tractian) e benefícios de RH (Flash).

Para compor o ranking, a companhia analisa cerca de 120 variáveis de cada startup, como faturamento estimado, número de funcionários e taxa de turnover. A classificação, no entanto, não considera empresas que atingem o status por meio de IPOs — apenas aquelas que o fazem por rodadas de investimento. Segundo Harano, neste ano o ecossistema latino-americano deve movimentar entre US$ 4 e US$ 5 bilhões em investimentos, ligeiramente acima do registrado no ano passado.

Na análise do especialista, mesmo que o Brasil não volte a atingir o número de unicórnios de 2021, a quantidade de empresas de tecnologia com esse status deve crescer. “No caso das startups, só conseguimos saber se ela é um unicórnio ou não durante as rodadas de investimento. E muitas boas empresas estão tentando adiar ao máximo essa rodada, porque o momento para valuation não é favorável. Mas, quando o valuation melhorar, acredito que vamos conseguir ganhar tração e ver mais unicórnios surgirem por aqui.”

Fonte: https://itforum.com.br/noticias/startup-unicornio-brasil/