Viajar em primeira classe em voos de longa distância, com uma taça de champanhe na mão, é um sonho que aos poucos vai se tornando raro. Companhias como American Airlines, Qatar Airways e United Airlines vêm decretando o fim dessa experiência premium em voos internacionais.
Na busca constante por maximizar lucros, essas empresas passaram a enxergar a classe executiva — com assentos cada vez mais sofisticados — como o futuro, tornando a primeira classe desnecessária.
“Não teremos mais primeira classe internacional na American Airlines, simplesmente porque nossos clientes não estão comprando”, disse Vasu Raja, ex-diretor de receitas da companhia, à CNN em 2022.
Mas nem todas pensam assim. Algumas companhias, como Air France, Emirates e Lufthansa, estão fazendo o movimento oposto: reforçando suas apostas na primeira classe e aprimorando seus serviços para atender passageiros dispostos a pagar por uma experiência de luxo personalizada.
“A primeira classe continua sendo extremamente importante para nós”, afirmou Tim Clark, presidente da Emirates, ao site Skift em 2023.
Em março, Air France e Lufthansa apresentaram as novas versões de seus produtos mais exclusivos. A Air France aposta em uma experiência de luxo completa, que o CEO do grupo Air France-KLM, Ben Smith, descreveu como “o mais próximo possível de um jato particular”.
A nova suíte La Première inclui um atendimento exclusivo no aeroporto principal da companhia, em Paris, além de um serviço elegante e sob medida a bordo. A novidade estreará nos voos para o JFK, em Nova York, nesta primavera. No total, 19 aeronaves Boeing 777-300ER serão equipadas com o produto.
Já a nova primeira classe Allegris da Lufthansa foca em privacidade e, segundo o diretor de experiência do cliente da companhia, Heiko Reitz, “individualidade”. Os passageiros podem controlar tudo — da posição do assento à temperatura e fluxo de ar — ao toque de um botão.
“Queríamos criar um refúgio acima das nuvens”, disse Reitz durante uma apresentação. “Esse espaço não é um assento, é uma sala de estar — um ambiente onde você se sente à vontade e acolhido.”
O boom das viagens premium
As companhias investem pesado nas classes premium por uma razão clara: mesmo representando apenas 3% dos passageiros, as cabines de classe executiva e primeira classe geram cerca de 15% da receita total, segundo a IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo).
Esse segmento tem crescido rapidamente. Dados da IATA mostram que, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o número de viajantes premium aumentou quase o dobro em comparação com os da classe econômica.
Esse crescimento impulsiona uma onda de novos investimentos. O projeto Allegris representa um investimento de €2,5 bilhões (cerca de R$ 16,6 bilhões) ao longo de vários anos para a Lufthansa. A parceira Swiss também receberá sua versão da Allegris ainda este ano.
A Emirates também está investindo bilhões em suas cabines, inclusive na renovação da primeira classe. Outras companhias, como Air France e a própria American Airlines, estão destinando milhões (valores não divulgados) para aprimorar seus produtos premium.
“As pessoas estão com vontade de viajar — e dispostas a pagar mais por uma experiência premium”, disse Jens Ritter, CEO da Lufthansa Airlines, no evento de apresentação da Allegris.
Ainda assim, a primeira classe permanece um espaço exclusivo, frequentado principalmente por viajantes de lazer de alto poder aquisitivo ou pessoas que usam milhas para uma viagem de luxo. Políticas corporativas, em geral, limitam os funcionários à classe executiva nos voos longos.
Mas mesmo em menor número, esses passageiros estão dispostos a pagar caro, e as companhias aéreas respondem a isso.
“A primeira classe continua sendo um espaço onde as companhias podem ousar e criar experiências únicas”, afirma Seth Miller, editor do site Paxex.Aero, especializado em aviação.
Segundo ele, a Allegris se destaca da concorrência com recursos como a “Suite Plus”, uma suíte para duas pessoas localizada no centro da cabine.
Mimos a bordo
Ao embarcar em um dos poucos Airbus A350 da Lufthansa equipados com a Allegris First Class, o passageiro encontra um ambiente quase privado na parte frontal do avião. São quatro assentos distribuídos em três suítes — com a do meio sendo a Suite Plus — com paredes quase até o teto, em acabamento que imita madeira, oferecendo bastante privacidade.
As suítes têm tons de azul-marinho e bege, com um pequeno vaso e flor vermelha que suavizam o ambiente mais sóbrio.
Privacidade — ou exclusividade — “em um novo patamar”, como define Heiko. Para quem quiser ainda mais, há cortinas azul-marinho que isolam completamente o espaço.
Cada suíte conta com tela de entretenimento de até 43 polegadas, mesa que lembra uma sala de jantar, guarda-roupa e compartimento para bagagem de mão.
Além disso, também oferecem controle do ambiente via iPad, fones de ouvido com cancelamento de ruído por Bluetooth, kits de amenidades da Porsche Design, Rimowa e Sinn e pijamas da van Laack para os voos longos.
No cardápio, opções como sushi de entrada, vitela cozida ou filé de lúcio. E sim, há champanhe!
O serviço de bordo (o chamado soft product) da Allegris, por ora, permanece similar ao atual. Isso porque a Lufthansa está preparando uma reformulação completa em comemoração ao seu centenário, em 2026.
“Estamos repensando todo o serviço — da econômica à primeira classe — incluindo pratos, talheres, travesseiros, cobertores, kits de amenidades, sistema de entretenimento… tudo”, afirmou Heiko.
Questionado sobre por que ainda não implementar as mudanças, ele explicou que parte da decisão tem a ver com a celebração do centenário, mas também com a ideia de esperar até que um número significativo de aeronaves esteja equipado com a Allegris.
A Lufthansa estima que 30% de sua frota de longa distância terá a Allegris até 2026. Isso inclui novos A350s, Boeing 787s e, com sorte, os atrasados Boeing 777X. Dos 19 Boeing 747-8, muitos receberão as novas cabines no deck principal ainda neste verão, enquanto o deck superior manterá a classe executiva atual.
Já parte dos Airbus A380 da companhia passará por modernização a partir do próximo ano. Modelos mais antigos, como os Airbus A340 e Boeing 747-400, estão sendo aposentados e não receberão a nova cabine.
Por enquanto, a Allegris está presente em apenas oito A350 — número que deve subir para dez até o verão — em rotas partindo de Munique para cinco cidades: Bengaluru, Chicago, San Diego, San Francisco e Xangai. Em breve, os voos para Charlotte e Newark também contarão com o novo produto.
Atrasos nas aeronaves, atrasos nos assentos
Problemas na cadeia de suprimentos, que afetam a indústria desde a pandemia, têm adiado os planos de modernização das cabines premium.
“Os problemas ainda são os assentos”, disse Kelly Ortberg, CEO da Boeing, em fevereiro. “Não é a produção em si, mas a certificação. E o problema nem é o assento em si, mas os compartimentos e portas das cabines de primeira e executiva, que são sistemas bastante complexos.”
American Airlines e Lufthansa estão entre as companhias que continuam operando com produtos premium antigos enquanto aguardam os novos assentos. A novata Riyadh Air, da Arábia Saudita, inclusive, adiou seu lançamento por conta do atraso na entrega das aeronaves.
A Lufthansa, por exemplo, tem cerca de 15 Boeing 787 estacionados na fábrica da Boeing, na Carolina do Sul, aguardando certificação, segundo Jens Ritter. Ele espera que essas entregas comecem no verão, permitindo a expansão de rotas com a Allegris.
Esses não foram os únicos contratempos. A Allegris deveria ter estreado nos novíssimos Boeing 777X em 2020, mas o modelo sofreu atrasos sucessivos e talvez só chegue em 2026.
Alguns desses atrasos, no entanto, são responsabilidade da própria Lufthansa. A instalação do produto — com suas paredes até o teto e recursos personalizados — exige procedimentos específicos em cada modelo de avião. E todos os projetos precisam da aprovação das autoridades regulatórias para garantir a segurança.
Ainda assim, especialistas afirmam que o investimento vale a pena para competir por passageiros de alto padrão.
“Se a Lufthansa não investisse em primeira classe de longa distância, acabaria perdendo parte de seus clientes mais valiosos para outras companhias”, disse Henry Harteveldt, analista da indústria aérea e presidente da Atmosphere Research.
Sem um produto novo, a Lufthansa e outras teriam que recorrer a descontos para encher as cabines de primeira classe — algo que, segundo ele, não é o ideal.
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Fonte: https://www.cnnbrasil.com.br/viagemegastronomia/viagem/companhias-aereas-investem-na-1a-classe-e-renovam-conceito-de-luxo-no-ar/