Líderes no Congresso acreditam que relatório da PF sobre tentativa de golpe é empecilho para avanço do projeto de anistia

O relatório de mais de 800 páginas elaborado pela Polícia Federal, que detalha os indícios de uma trama golpista articulada durante o governo de Jair Bolsonaro, gerou preocupação entre líderes do Congresso Nacional. Parlamentares ouvidos pelo jornal O Globo avaliam que as informações sobre a operação, que visava impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fortalecem o movimento contrário ao projeto de anistia a golpistas em discussão na Câmara dos Deputados.

Líderes partidários destacaram que a conclusão do inquérito da PF, com o indiciamento de 37 pessoas, aumentou a pressão sobre os favoritos para assumir o comando do Congresso no próximo ano: o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), na Câmara, e o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no Senado. Ambos enfrentam apelos de grupos bolsonaristas, mas a expectativa é que resistam a qualquer avanço em propostas que tratem de anistia.

Essa pressão, porém, não parte apenas do PT e de partidos de esquerda. Líderes de siglas como União Brasil, MDB e PSD também manifestaram resistência ao tema, considerando que não há ambiente político para discutir a anistia em um futuro próximo. A avaliação geral é que o projeto ficará paralisado pelo menos até 2025.

No Senado, membros do MDB querem que Alcolumbre assuma um compromisso público de rejeitar qualquer proposta vista como alinhada a pautas golpistas. O partido, que possui a terceira maior bancada da Casa, com 10 senadores, ainda não oficializou apoio à candidatura de Alcolumbre à presidência do Senado.

Na próxima semana, o MDB deve decidir se endossa o nome do senador do União Brasil, mas pretende apresentar uma lista de exigências. Entre os principais pedidos está o compromisso de não dar continuidade a iniciativas consideradas contrárias à democracia.

— Seja o que for decidido (sobre apoio a sucessão no Senado), vamos propor um roteiro político — disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Da mesma forma, o PSD, que é maior bancada do Senado e o partido presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (MG), são contra discutir anistia. Pacheco disse que as articulações para um golpe “não foram um momento isolado”.

— Isso não foi um ato isolado, teve um planejamento. Se não tivesse sido o comandante do Exército e da Aeronáutica, poderíamos estar vivendo um momento terrível no país — disse o líder do PSD, Omar Aziz (AM).

Aziz lembra que, segundo a PF, o próprio Pacheco poderia ser um dos alvos de uma tentativa de golpe. Relatório da investigação aponta que uma das versões da minuta de decreto golpista, discutida no Palácio da Alvorada, previa a prisão do presidente do Senado, como revelado pelo GLOBO.

— O PSD não concorda com isso (anistia). O Pacheco também (não concorda), lógico, ele foi uma das pessoas que mais sofreu com isso tudo, vem sofrendo ainda — disse Aziz.

Por parte de Hugo Motta, a bancada petista o pressiona para travar o andamento da proposta de anistia. O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), determinou que ela seja debatida em uma comissão especial da Casa. No entanto, petistas avaliam que o fato de o colegiado nem sequer ter sido criado é um sinal claro de que a iniciativa não vai avançar.

Em conversas reservadas com aliados, Motta tem dito ver pouco espaço para a comissão especial sobre a anistia ser criada em breve. O PSD, por exemplo, nem começou a discutir quais deputados pode escolher para compor o colegiado e nem tem previsão de fazer isso.

Procurados, Lira e Motta disseram que não iam comentar o tema. Por sua vez, Pacheco e Alcolumbre não retornaram os contatos.

Líderes partidários da Câmara também argumentam que a pauta econômica congestionada não dará espaço para a oposição tentar avançar com o projeto de anistia. O governo anunciou nesta semana um pacote de ajuste fiscal que precisa ser aprovado pelos parlamentares para entrar em vigor.

Já a oposição não desistiu de pressionar pelo assunto. Deputados bolsonaristas pretendem procurar Lira na semana que vem para pedir um prazo para que a comissão seja criada.

O PT, por sua vez, pressiona na direção contrária e solicitou o arquivamento do projeto. “É de todo inoportuno e inconveniente para o processo democrático e paz nacional”, diz o partido em um pedido de arquivamento feito na semana passada, após ser revelada uma tentativa de golpe com o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Antes de ser enviado para uma comissão especial, o projeto estava na Comissão de Constituição e Justiça, comandada pela bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC) e com o caminho livre para ser aprovado naquele colegiado. Após pressão do PT e da base do governo, Lira conseguiu convencer o PL, partido de Bolsonaro, a remeter a proposta a a uma comissão especial para ser mais debatido. Na prática, a manobra fez com que a iniciativa voltasse algumas casas.

Outro movimento que enfraqueceu o projeto foi a atuação do líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), que tentava se viabilizar como candidato a presidente da Casa. Uma de suas promessas de campanha era ajudar a aprovar a proposta.

Na função de líder, ele indicou o deputado Rodrigo Valadares (União-SE), mais próximo da oposição, para ser relator na CCJ. Mas, após não conseguir ser candidato e perder o favoritismo para Hugo Motta, Elmar desistiu de ajudar o projeto a avançar.

Valadares nega que Elmar é contra a iniciativa, mas reconhece que a postura dele mudou.

— Não diria que ele mudou de posição, diria que ele está na posição neutra. Até porque não está nas mãos dele o assunto — disse Valadares. Procurado, Elmar não quis comentar.

Com informações de O Globo.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/lideres-no-congresso-acreditam-que-relatorio-da-pf-sobre-tentativa-de-golpe-e-empecilho-para-avanco-do-projeto-de-anistia/